Independência do magistrado

Avanço do Judiciário não passa por votação dos juízes

Autor

  • Tiago Bitencourt De David

    é juiz federal substituto da 3ª Região mestre em Direito (PUC-RS) especialista em Direito Processual Civil (UniRitter) especialista em Contratos e Responsabilidade Civil (Escola Verbo Jurídico) e pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM Toledo/Espanha).

26 de fevereiro de 2015, 17h40

De tempos em tempos alguém surge com o disparate de que o povo brasileiro deveria escolher, mediante votação, seus juízes. Quase sempre quem sustenta isso invoca o artigo 1º, parágrafo único, da CF/88, sem transcrever o dispositivo constitucional e sem lembrar seu interlocutor de que ainda na mesmíssima Lei Maior consta o artigo 93, inciso I, que aponta o concurso público como meio de ingresso na judicatura.

Assim, preliminarmente, comecemos pelo princípio, no caso, o democrático, cuja raiz constitucional é aqui fielmente reproduzida (artigo 1º, parágrafo único, da CF/88):

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Note-se que a própria CF/88 já em seu início estabelece o princípio democrático, predominando que seja efetivado de forma indireta, ou seja, representativamente, bem como diretamente, sempre nos termos consagrados no bojo do mesmo diploma.

E é o mesmo diploma que em seu artigo 93, inciso I, assim estabelece:

“I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos (…)”

Portanto, qualquer advocacia de eleição para ocupante do cargo de juiz é ato política de lege ferenda, ou seja, revela-se como opinião, proposta de modificação de um estado de coisas diferente daquele consagrado pelo Direito posto.

Isso posto, cumpre adentrar ao debate da conveniência em si da ideia de votação para acesso ao cargo de juiz.

A judicatura deve ter independência para bem exercer seu mister, revelando-se indiferente aos grupos políticos e ideologias, bem como manter-se afastada do conflito de forças econômicas e projetos de poder. Nesse diapasão, o escrutínio popular em nada aumentaria a independência necessária para bem decidir. Pelo contrário, o voto renderia um sentimento de prestação de contas, subvertendo o múnus de garante da legalidade para converter-se em promoção pessoal e busca pelo aplauso.

Não se pode ser ingênuo, desprezando-se como seria financiada a campanha de um candidato a juiz. Quem financiasse certamente apoiaria um candidato rendido aos interesses do financiador que, por sua vez, veria com alegria seus processos serem julgados pelo financiado. Nos EUA já iniciou a preocupação tal com tal questão[1], cumprindo ainda ter em vista que lá as causas de maior repercussão são julgadas pelos juízes federais que não são eleitos.

Com juízes eleitos, raramente aconteceria uma condenação ou absolvição contrária ao clamor da maioria. Facilmente as minorias restariam esmagadas.

O Poder Judiciário tem função contramajoritária, reconhecendo razão às minorias, mesmo quando o processo legislativo tende a suprimir seus direitos fundamentais, colocando-os em desigualdade. Com eleições, ao invés de uma democracia, ter-se-ia uma oclocracia.

A quem interessa a eleição para juiz?

Interessa a quem gostaria que as minorias ficassem desprotegidas contra a vontade da minoria. Também são assíduos defensores de tal espécie de votação aqueles que não entendem que a aplicação do Direito não raro desagrada a maioria ansiosa por julgamentos em desconformidade com a legalidade e o devido processo jurídico. Igualmente a favor do escrutínio são os que acham que o voto colocaria eles próprios (incapazes de competir pelas vagas em um certame) ou quem pensa igual aos mesmos, derivando tal pensamento da frustração consigo próprio e com o rumo tomado na vida.

Por fim, revela-se absolutamente curioso que as mesmas pessoas que pedem voto para juiz reclamam de quem ocupa os cargos representativos alcançados por eleição, não entendendo que o resultado seria, assim, uma extensão ao Judiciário e ao Ministério Público de tudo quanto criticam nos Poderes Executivo e Legislativo.

Quem os defensores das eleições para juiz imaginam que seriam eleitos para tal cargo? Pessoas mais ou menos capacitadas do que aquelas que atualmente ocupam-se da judicatura?

Com certeza menos. Menos competentes. Menos independentes. Mais ciosas de aplausos.

Com eleições muitos réus já iniciariam os processos condenados, tantos outros já estariam ab initio absolvidos. Minorias seriam esmagadas e teríamos um retrocesso enorme em pouco tempo.

Por que voltaríamos às ordálias e às fogueiras?

É claro que o serviço judiciário deve sempre estar disposto a avançar, a melhorar, prestar uma jurisdição mais qualificada, mais rápida, melhor. Mas isso certamente não passa pela votação dos juízes.


[1] Veja-se, dentre outras, a reportagem na Conjur: http://www.conjur.com.br/2009-jun-29/eleicoes-judiciario-eua-geram-crise-legitimidade

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  • Brave

    é juiz federal substituto da 3ª Região, mestre em Direito (PUC-RS), especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER) e pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM, Toledo/Espanha).

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