Sociedade atual

Novo Código de Ética da OAB não pode ignorar realidade do mercado

Autor

  • Felipe Asensi

    é diretor do Instituto Diálogo pós-doutor em Direito e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

26 de fevereiro de 2015, 16h24

Uma das minhas preocupações, já externada em outros artigos, é o fato da sociedade caminhar mais rápido que o direito. Um exemplo disso é o Código de Ética de Disciplina da OAB, instituído em fevereiro de 1995. Naquele ano não havia internet difundida, havia pouquíssima relação dos escritórios nacionais com os estrangeiros, o advogado era melhor remunerado e, além disso, a concorrência era bem menor.

A sociedade atual é muito diferente de 1995, especialmente no que concerne ao mercado jurídico. Temos centenas de milhares de advogados, uma concorrência enorme e, como resultado, o número de processos disciplinares tem aumentado.

Sensível a esta nova realidade, a OAB abriu em junho de 2014 uma consulta pública para a redação do novo código de ética e disciplina. Trata-se de um passo importante para “aproximar a norma da realidade” e também uma excelente oportunidade de “irmos além” em termos do que o advogado pode ou não pode fazer.

Muitas contribuições ao código têm sido feitas, mas ainda não tocam em temas delicados e que devem ser enfrentados com seriedade e responsabilidade. Considero que os pontos abaixo são imprescindíveis para que tenhamos realmente um novo código condizente com a sua época:

1. Regular a conduta virtual: atualmente, boa parte da atividade de divulgação dos serviços de advocacia é virtual e se desenvolve através de sites, blogs, redes sociais, comentários em fóruns, etc. É preciso diferenciar muito bem o que é contribuição do advogado para fins educacionais ou informativos e o que é publicidade, mercantilização, etc. Considero que isto só pode ser feito através de uma interpretação autêntica oferecida no próprio código para evitar múltiplas interpretações;

2. Publicidade enganosa: muitos advogados divulgam serviços para os quais não possuem competência técnica efetiva. Portanto, é preciso avançar em termos de publicidade enganosa para que o cliente possa ser protegido contra a imperícia daquele que não possui competência técnica para defendê-lo em determinada área do direito. Não é difícil ler em fóruns virtuais ou em grupos de facebook advogados que primeiro são contratados e depois pedem ajuda publicamente nestes espaços sobre como fazer;

3. Proletarização da advocacia: não há como falar de ética na advocacia sem lidar com o problema de escritórios e departamentos jurídicos que realizam a “proletarização da advocacia”. Esta proletarização pode ocorrer porque os advogados frequentemente são sub-remunerados, mas também porque as garantias trabalhistas são burladas com a figura do pseudo-sócio, que detém 0,00001% de quotas da sociedade. Há ainda os casos em que a jornada de trabalho do advogado é ignorada e sem o correspondente pagamento de horas extras. O fato é que um advogado não pode explorar outro advogado sem isto ser punível pelas regras ético-disciplinares;

4. Sociedades multinacionais: a advocacia é uma atividade nacional e desenvolvida por advogados, escritórios e departamentos jurídicos nacionais. Porém, observam-se iniciativas de associação com escritórios estrangeiros ou a abertura de escritórios estrangeiros no Brasil, o que deve ser regulado pelas regras ético-disciplinares. O novo código de ética precisa regular as hipóteses em que isto é permitido e quais as condições para o desenvolvimento de sociedades multinacionais no Brasil, com foco especial na preservação da concorrência e dos direitos dos advogados e clientes.

Estes são elementos estruturantes que o novo código de ética da OAB deve tratar. Não podemos pensar numa advocacia que olhe para o passado ou que ignore a realidade do mercado jurídico nacional. Temos que proteger clientes, advogados, sociedades e departamentos que buscam atuar de forma digna, ética e responsável na advocacia. As normas precisam se orientar pela realidade, então não se pode constituir um código de ética que seja cego a estes quatro elementos.

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