Medidas alternativas

Decisão que suspende WhatsApp é viável, porém difícil de cumprir

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26 de fevereiro de 2015, 17h48

A decisão do juiz Luiz Moura, da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina, de suspender o aplicativo Whatsapp em todo o território nacional é factível porém de difícil cumprimento, segundo advogados especialistas em Direito Digital. “Da forma como foi divulgado, tecnicamente não conseguirá bloquear os aplicativos, pois restringe acesso ao domínio e não ao IP do aplicativo”, explica o advogado Rafael Maciel. O processo está em segredo de Justiça.

A Secretaria de Segurança do Piauí informou que a suspensão foi determinada porque a empresa fornecedora do aplicativo de mensagens não tirou de circulação imagens de crianças e adolescentes expostas sexualmente, objeto de investigação da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Teresina.

A delegada Kátia Esteves, responsável pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente da Polícia Civil, designada para chefiar as investigações, disse ser possível que o aplicativo seja retirado do ar. Durante a entrevista, a delegada não confirmou se a decisão está relacionada à exposição da imagem de crianças e adolescentes. De acordo com Kátia, como o processo corre em segredo de Justiça, ela não pode dar nenhuma informação adicional sobre o inquérito.

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Para especialistas, decisão prejudica pessoas sem envolvimento com caso.
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"Com o Marco Civil da Internet, basta que o serviço esteja sendo oferecido no Brasil — e ele está sendo oferecido — e ter representante no país, para que possa ser suspenso", disse a delegada. "No caso, o representante no Brasil do Whatsapp, apesar de ser uma empresa americana, é o Facebook." O Whatsapp foi adquirido pelo Facebook no ano passado, mas tem, segundo a empresa, administração independente. O Facebook não vai se manifestar sobre a decisão da Justiça do Piauí.

Os processos que originaram as decisões da Justiça tiveram início em 2013. O mandado judicial, de acordo com a nota da secretaria, foi encaminhado aos provedores de infraestrutura, responsáveis pelo envio e recebimento de dados, e para os provedores de conexão, incluídas as operadoras de telefonia móvel.

Terra de ninguém 
A sentença foi emitida em 11 de fevereiro e deu um prazo de 24 horas para que as empresas de telefonia suspendam não só os acessos a serviços dos domínios whatsapp.net e whatsapp.com, mas como o uso do aplicativo. De acordo com o portal Terra, o juiz Luiz de Moura Correia afirmou que a medida ainda não foi cumprida devido a greve do Judiciário piauiense.

O juiz afirmou que a medida é temporária, com o objetivo de fazer a companhia colaborar com as investigações. “A postura da empresa, sob alegação de não ter escritório neste País, se mantém inerte às solicitações da Justiça brasileira, desrespeitando decisões judiciais a bel prazer, tornando-se verdadeira ‘terra de ninguém’, atentando contra a soberania deste Estado”, disse o juiz.

Prejuízo a terceiros
O advogado Omar Kaminski explica que, pelo que foi divulgado, a suspensão se deu em virtude do descumprimento, ou desobediência a ordem judicial anterior, o que é uma das medidas coercitivas disponíveis ao juiz. “No caso, o embasamento jurídico é o artigo 461, parágrafo 5º do Código de Processo Civil”, afirma. A norma em questão diz que para a efetivação da tutela específica o juiz pode determinar as medidas necessárias como multa por tempo de atraso, busca e apreensão, entre outras.

Kaminski aponta também que o juiz pode ter aplicado ao caso, erroneamente, o previsto nos artigos 11 e 12 do Marco Civil da Internet, que prevê como sanções a advertência, multa e, como medidas mais drásticas, a suspensão temporária e até mesmo a proibição das atividades. Entretanto, para Kaminski, mesmo teoricamente factível o bloqueio, ele é ineficaz tecnicamente e pode prejudicar toda uma coletividade de boa-fé. “Por isso é medida extrema a ser executada com cautela, dando-se preferência a outros métodos”, diz.

O advogado Alexandre Nassar Lopes, sócio do escritório Fragata e Antunes Advogados, aponta que a decisão falha em não especificar quem são as pessoas envolvidas , o que dificulta seu cumprimento. 

“O bloqueio generalizado do provedor impede indevidamente o acesso dos usuários não envolvidos no eventual crime ou na divulgação de conteúdo impróprio. Também põe em risco a segurança do serviço, já que essa falta de identificação dos criminosos permitirá a quebra do direito de privacidade dos demais usuários, porque passa a ser preciso verificar individualmente a origem e a localização dos conteúdos impróprios", explica Nassar Lopes

Segundo o especialista, os artigos 18 e 19 do Marco Civil da Internet protegem os provedores pelo conteúdo gerado por terceiros, ao determinar que o provedor de conexão à internet “não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”.

O setor de telecomunicações também reagiu à decisão. Em nota, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), afirma que "a medida pode causar um enorme prejuízo a milhões de brasileiros que usam os serviços, essenciais em muitos casos para o dia a dia das pessoas, inclusive no trabalho.”

Para a entidade, a decisão é desproporcional, já que para conseguir informações de um número reduzido de pessoas, negadas pela proprietária do Whatsapp, decidiu-se suspender o serviço em todo o país e "para isso, exigir a aplicação dessa medida das prestadoras de telecomunicações, que não têm nenhuma relação com o serviço.”

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