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Novo-velho CPC deveria ser vetado integralmente pela presidente Dilma

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24 de fevereiro de 2015, 6h01

Parte da doutrina processual brasileira vem festejando o assim denominado "novo CPC" em função do qual uma "nova mentalidade" se espera da parte de seus operadores. Ora, a exigência de uma "nova mentalidade" já não era sentida para os ditames da atual legislação processual? Onde o novo, pois? 

O novo CPC, todavia, traduz uma impropriedade assim técnica quanto histórica do início ao fim. Deve ser vetado por inteiro.

O que ele contém de bom, já foi incorporado no sistema processual atual, ou está da dependência da interpretação dos seus operadores, como sempre. 

O que nos falta, realmente, é massa crítica capaz de exercer a liberdade criativa, mas não arbitrária, sobre os fundamentos da Teoria Processual e de suas regras. A principiologia remete, lá e cá, há pelo menos 200 anos de construção acadêmica.

Trata-se, outrossim, de uma lei corporativa, cujo espírito é facilitar a vida da atividade advocatícia, sob o pretexto de vencer a morosidade inventada ou o retrabalho, sendo certo que deveria se tratar de um diploma para a cidadania, para a Nação, e não para segmentos dela. Isso parece desesperador e autofágico de todo o sistema. Espera-se que um tempo de manietação não se insinue no novo sistema, que de novo pouco ou nada tem, salvo na forma.

O Estado se enxuga e até se esvazia em suas funções típicas para valorizar abertamente o agigantamento de certas categorias que, em que pese importantíssimas, sem dúvida, não são isoladas, antes interdependentes e dialógicas na estrutura do Devido Processo Legal.

Trata-se aqui de considerar a pertinência e a oportunidade de um novo CPC, à luz das já implementadas transformações que vêm sendo postas a efeito desde a década dos 80 no Brasil. Também o de saber que os problemas de inadequação da legislação com a sua eficácia em terras tupiniquins diz mais com um problema antropológico, de massa crítica adequada, do que de obsolescência da plataforma jurídica preexistente. Pode-se citar um exemplo: o legislador, premido pela mesma grita social contra a morosidade da Administração da Justiça (evitar o retrabalho), suscitou o chamado julgamento superantecipado da lide (art. 285-A, salvo engano), que consiste na formulação de juízos negativos propedêuticos da causa, caso em que se dispensa evidentemente a citação do réu, por inutilidade. Pois bem: desde o advento do CPC-Buzaid (1973), a legislação já cogitava do indeferimento da petição inicial por inépcia, sendo certo que por inépcia também se entende, desde logo, a impossibilidade jurídica do pedido, ante a exposição clara e denegatória dos motivos determinantes do julgado (art. 295, parágrafo único, inc. I). 

Ora, o que será o julgamento superantecipado da lide senão a repetição do que, anteriormente, já se compreendia pelo indeferimento da petição inicial? Só que nem todos os juízes leem de fato o desenho da causa, traçado na peça vestibular. O resultado dessa hipossuficiência acomodada, que na prática nega eficácia aos dispositivos que classifica como inepta uma petição inicial nas condições estimadas, é justamente a eternização dos processos, a possibilidade do retrabalho sobre questões e motivos não pacificados na sociedade. 

Para mim, política de metas, que não resolve o problema da morosidade judicial, é uma só: ESTOQUE ZERO! Produzir decisões judiciais não é como colocar uma máquina para funcionar. Juízes não são "máquinas de produzir sentenças", diria Eduardo Couture. O "fordismo" que enredaram como metassistema na via administrativa para buscar outro pretexto de composição das mazelas da Justiça brasileira é um total contrassenso modernista. 

Se o modelo que se baseia, no entanto, na adequada execução das normas processuais vigentes se observasse, o que não dispensaria esforço e capacidade criativa e não-arbitrária, mas enfatizaria o empenho na compreensão dos institutos jurídicos, mediante o persistente manuseio do código na produção dos seus resultados, certamente não se teria pretexto histórico para se enfrentar um desafio inexistente, ilusório até: mudar a lei para continuar tudo do jeito que sempre esteve. 

O novo CPC, penso eu, é um completo disparate! 

Com efeito, ganharão as editoras e os escrevinhadores repetitivos, como sempre. Sobre isso, não há mais o que escrever originalmente em matéria de processo civil no Brasil. Salvo as honrosas exceções – a exemplo da genialidade de Ovídio Batista -, tudo acaba sendo repetição, a despeito das linguagens empregadas nos compêndios, manuais e livros de "autoajuda" para concursos públicos que enchem, todavia, as Universidades do lixo que eles contém e na forma de sistematização desses manuais, no palavreado sinonímico com que se postam as editoras a vender aquilo que o mercado exige. 

A produção científica e original, esta, lamentavelmente, rareia por aqui. Boas obras, realmente originais, como que só indo buscá-las noutros centros editoriais. 

Além disso, o cenário de efetividades continua a desejar, somente por causa de uma cultura de hipossuficiências que a autonomia dos Tribunais não tem sido capaz de erradicar, exatamente pelas razões ideológicas nas quais vivem enredados ao longo da concepção e do desenvolvimento de suas próprias políticas corporativas, muito em função dos interesses de suas cúpulas. O Poder Judiciário ainda é um poder hermético e majestático, insuscetível de democratização interna. Em face desse histórico, compreende-se bem que as composições das carreiras sofrem estagnação seletiva e os profissionais de outras áreas se especializam comumente em agradar julgadores. Para muito além, ou aquém, das diretivas da Teoria Processual. O ciclo é vicioso e não se divisa paradeiro, porque as composições são as mesmas. Apenas mudam os personagens, mas a lógica do sistema não se altera. Tampouco se altera em função da mudança meramente cosmética do padrão normativo posto, pressuposto ou ainda proposto.

Com efeito, "sangue novo nos tribunais iria revitalizar a Justiça", diria Franklin Delano Roosevelt, o pai do "New Deal" norte-americano. 

Para disfarçar, o sistema intenta a mudança da lei como apanágio para todos os males da administração da Justiça. O novo CPC tem pérolas que vai arrepiar até os cabelos de quem não os tem. Por isso mesmo, penso ser bem mais prudente que a presidente da República vete tudo de uma só vez, antes que o desapontamento social se densifique ainda mais, e as pessoas deixem de acreditar de vez na Instituição da Justiça e nas leis do país.

Essa é uma responsabilidade histórica que o destino reservou à presidente Dilma Rousseff.

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