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Demora em julgamentos torna inócua ferramenta de demandas repetitivas

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20 de fevereiro de 2015, 5h38

Um dos principais fatores pela morosidade na prestação da tutela jurisdicional no Brasil e, consequentemente, pela não observância do princípio da celeridade processual previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal e no artigo 4º do atual Código de Processo Civil, é justamente a propositura repetitiva de milhares e milhares de demandas que possuem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir, diferenciando-se apenas quanto à sujeição ativa ou passiva da relação jurídica processual.

Especialmente na Justiça Federal, observa-se que determinada matéria de direito público, tributário, previdenciário ou mesmo administrativo, desencadeia diversas demandas idênticas ou similares, congestionando o órgão jurisdicional, além de acarretar o desperdício   de tempo de servidores e de juízes altamente qualificados na resolução de casos meramente repetitivos.

O acúmulo de demandas repetitivas ou idênticas, além de prejudicar a celeridade do exercício da atividade jurisdicional, põe em risco o princípio da isonomia que deve permear a decisão judicial diante de casos idênticos. É muito comum, por exemplo, que aquele que promoveu uma das primeiras demandas repetitivas tenha a sorte de seu processo não chegar aos tribunais superiores, transitando em julgado a decisão que lhe foi favorável. Porém, outros que não tiveram a mesma sorte, podem sofrer revezes se a sua demanda chegar aos tribunais superiores, invertendo-se a solução que até então era favorável.

Além da quebra da isonomia, a solução diversa para demandas idênticas também pode ensejar a existência de decisões conflitantes e contraditórias, exigindo-se das partes posturas diametralmente opostas em situações similares, ensejando insatisfação e desconfiança no exercício da função jurisdicional. Por isso, "em muitos casos, porém, o réu está ainda mais interessado em uma solução única e uniforme da controvérsia do que o grupo-autor. E isso não acontece somente quando o réu espera sair vitorioso no processo coletivo. Ainda que a ação coletiva seja julgada procedente, ela pode ser uma solução muito mais econômica e menos desgastante para o réu do que ter de enfrentar as despesas com as inúmeras ações individuais semelhantes relacionadas à mesma controvérsia. Isso acontece principalmente no campo das 'mass tort class actions', em que os valores dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo justificam financeiramente a propositura de ações individuais".[1]

O legislador do novo CPC. brasileiro, ciente e consciente dos prejuízos que podem gerar as demandas meramente repetitivas, procurou introduzir na atual legislação processual civil institutos jurídicos que impeçam a proliferação de processos idênticos ou similares.

A existência de técnicas processuais jurisdicionais para aglutinar demandas repetitivas em um único procedimento pode servir à realização de inúmeros objetivos, os quais podem ser sintetizados em três grandes grupos: a) economia processual; b) acesso à Justiça; c) tratamento isonômico;[2]

A economia e a eficiência processual são valores há muito perseguidos pelo direito processual civil norte americano nas classe action. Na Rule 1 das Federal Rules of civil Procedure encontra-se estabelecido que 'estas normas devem ser interpretadas e aplicadas para proporcionar a justa, rápida e econômica solução de cada controvérsia". Portanto, o objetivo imediato dessas técnicas de unificação de julgamento de demandas repetitivas é justamente proporcionar isonomia, eficiência e economia processual, ao permitir que uma multiplicidade de ações individuais repetitivas, que tenha por objeto a mesma controvérsia, seja substituída por uma técnica jurídica processual que possa resolver a questão num único processo, ou seja, mediante técnicas de julgamento unificado, permitindo uma economia de tempo, esforço e despesas, promovendo uniformidade das decisões entre pessoas em situação semelhante, sem sacrifício do justo processo ou formação de outros resultados indesejáveis.[3]

Pode-se considerar esse tipo de técnica processual como sendo, nas palavras de Stephen Yeasel: "aspirador de pó judicial".[4]

O princípio da ubiguidade, como um dos fundamentos de técnica de solução de demandas repetitivas, visa a assegurar o efetivo acesso à justiça de pretensões que, se não fosse por essa abrangência de solução, dificilmente poderiam ser postuladas diante do Poder Judiciário, especialmente por fatores externos intransponíveis. Por vezes, se a solução fosse ditada apenas numa demanda particularizada, a parte não teria tempo nem condições financeiras para poder fazer chegar sua pretensão aos tribunais de apelação, muito menos aos tribunais superiores. Diante da técnica de solução de demandas repetitivas, esse obstáculo seria muito atenuado.

O legislador do novo CPC, visando a aplicar os objetivos da class action também no âmbito do processo civil individual, informa a nova legislação com técnicas processuais para a solução pragmática da propositura de demandas repetitivas.

A primeira técnica de solução é o notificação da demanda individual.

A segunda técnica de solução é o incidente de resolução de demandas repetitivas.

A terceiro técnica de solução é o recurso especial ou extraordinário repetitivo.

Porém, não é suficiente inserir no âmbito da legislação processual diversas técnicas para combater a multiplicação geométrica de demandas repetitivas, se os tribunais superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não cumprirem com suas atribuições, ou seja, não julgarem com celeridade os recursos repetitivos e a repercussão geral.

Não obstante o CPC de 1973 já previa os institutos dos recursos repetitivos no âmbito do STJ e da Repercussão Geral no STF, o certo é que a demora na resolução dessas técnicas processuais somente prolonga a angústia daqueles que tentam se socorrer do Poder Judiciário para a solução de suas pretensões.

Numa pesquisa feita, no período de outubro de 2014 a janeiro de 2015, com o inestimável auxílio dos servidores da biblioteca do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, constata-se que a demora na resolução dos recursos repetitivos no STJ e da Repercussão Geral no STF, somente faz crescer o número de processos sobrestados ou suspensos na Presidência ou Vice-Presidência dos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais brasileiros, tornando esses institutos inócuos em relação à finalidade para qual foram criados.

Eis o número de processos suspensos ou sobrestados em alguns dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais do país, entre agosto de 2014 a janeiro de 2015:

Tribunal Recurso Repetitivo Repercussão Geral
TJ-AM 7.400 294
TJ-AC 17 600
TJ-BA 2.165 436
TRF-2 4.994 1.144
TJ-CE 100 652
TJ-MT 306 579
TJ-RR 411 935
TJ-PR 32.064 7.355
TJ-MS 8.072 2.724
TJ-SP 132.837 270.330
TJ-SC 10.487 1.699
TJ-ES 874 64
TJ-AL 452 87
TRF-3 22.446 11.206
TRF-4 67.550
TJ-MG 2.441 (incluindo repercussão geral)
TJ-RS 109.732 (incluindo repercussão geral)

No site do Supremo Tribunal Federal há uma informação de que em todos os Tribunais brasileiros há aproximadamente 692.286 sobrestados, aguardando julgamento de Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal.

Verifica-se pelos dados estatísticos acima indicados que as técnicas de resolução de demandas repetitivas existentes sob a égide do CPC não surtiram efeitos, justamente pela demora do STJ e do STF no julgamento, respectivamente, dos recursos repetitivos e da repercussão geral.

Portanto, não basta a inserção de técnicas de resolução de demandas repetitivas no seio de um código de processo civil, sem que haja também uma profunda mudança no comportamento e na postura institucional dos órgãos do Poder Judiciário no sentido de dar efetiva preferência ao julgamento desses meios de resolução de conflitos, a fim de que se possa desaguar os processos que até então estão represados (suspensos e sobrestados) nos tribunais brasileiros.


[1] GIDI, Antonio. A classe action como instrumento de tutela coletiva dos direitos – ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 26

[2] NEWBERG, Herbert; CONTE, Alba. Newberg on class actions. 3. ed. 1º Vol.  Rochester: Lawyers Cooperative Publishing, 1992. p. 153 e 154.

[3] GIDI, Antonio. A classe action como instrumento de tutela coletiva dos direitos – ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 25 e 26.

[4] YEAZEL, Stephen. From group litigation to class action. University of California los Angeles Law Reviwew 514, 1067 (1980). 

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