Exercício de direito

Advogado que ameaça processar alguém não comete crime de extorsão

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20 de fevereiro de 2015, 15h30

Pode ser um desvio de etiqueta e até ato abusivo dizer a uma pessoa que, se não cumprir determinada condição, ela será processada. Mas a ameaça de ingressar com ações ou de fazer cumprir decisões judiciais é um direito do advogado e, por isso, não configura o crime de extorsão. Assim entendeu a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao trancar Ação Penal contra dois advogados de São Paulo por um episódio ocorrido em 2002.

O pedido levou quase dez anos para ser julgado. Entrou na corte em dezembro de 2012, chegou a passar os anos de 2008 e 2010 sem nenhuma movimentação processual e foi analisado pelos ministros no início deste mês, com a publicação do acórdão nesta sexta-feira (20/2).

A história começou quando uma indústria de metais em São Paulo ganhou um leilão público de toneladas de aço e tubos de ferro. Os dois advogados, contatados por um concorrente que apontava irregularidades na disputa, procuraram o dono da empresa por telefone e, segundo os autos, solicitaram a entrega de parte do material para não ingressarem com processo para cancelar o leilão.

Sem acordo, ambos apresentaram Mandado de Segurança na 4ª Vara da Fazenda Pública da capital e conseguiram liminar que proibia a retirada dos bens arrematados. Os advogados foram então à indústria de metais e sinalizaram que poderiam desistir do processo em troca de um acordo. O encontro foi gravado pelo sistema de filmagem da empresa e fez a dupla ser denunciada sob a acusação de ter feito grave ameaça para obter vantagem econômica.

Armadilha
Os acusados foram defendidos pelo escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados, que levou Habeas Corpus ao STJ dizendo que eles foram alvo de constrangimento ilegal ao virarem réus na 2ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos. Enquanto a denúncia alega que os profissionais praticaram extorsão, cobrando mil toneladas de tubos de aço de carbono avaliados em R$ 300 mil, a defesa afirma que eles na verdade caíram em uma “armadilha”, pois o encontro havia sido marcado pelo próprio dono da empresa que depois apareceria como vítima.

“Os pacientes agiram como advogados e de forma absolutamente profissional. Jamais se utilizaram de qualquer expressão ou frase intimidadora ou constrangedora. Tampouco agiram na surdina, na calada da noite, imprimindo temor ao proprietário da empresa”, afirmou o advogado Alberto Toron, um dos signatários do pedido. Ainda segundo o documento, não fazia sentido acusar profissionais que buscavam uma “composição amigável para resolução da demanda judicial”, que poderia durar anos.

O andamento da Ação Penal foi suspenso em 2006 pelo ministro Paulo Gallotti, então relator do caso e hoje aposentado. Neste ano, ao retomar o tema, o ministro Nefi Cordeiro afirmou que “a pretensão de acordo para entrega de material de leilão com irregularidades acolhidas por decisão judicial não configura vantagem indevida”.

“Não é mal injusto a ameaça de ingressarem com ações judiciais ou de cumprirem ordem judicial após vigente, mas exercício de direito que, mesmo abusivo, não configura o crime de extorsão”, afirmou o novo relator do caso. Ele apontou ainda que, conforme a transcrição pericial da conversa, os réus não fizeram nenhum constrangimento nem usaram palavras intimidadoras que pudessem impedir a liberdade do empresário. A decisão foi unânime.

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HC 51465

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