Segunda Leitura

Ministro Gilmar Mendes é exemplo de administrador no Judiciário brasileiro

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

15 de fevereiro de 2015, 7h00

Spacca
Os juízes tem por função decidir os conflitos que lhes são submetidos. Todavia, entre suas atribuições encontra-se também a de administrar. Um juiz administra o processo, a fim de que ele tenha direção certa e decisão no menor prazo possível. Também administra sua vara (primeira instância) ou o gabinete (tribunal, segunda instância). Tais atribuições são tão importantes quanto a de julgar, muito embora não sejam valorizadas.

Administrando o processo, civil, penal ou trabalhista, o juiz pode dar decisões que impedem o tumulto nos autos, encaminhando a decisão sem perda de tempo, ou podem dar despachos que em nada contribuem para o desfecho da demanda como “especifiquem provas em 5 dias”, quando, na verdade, tal especificação deve ser feita na inicial e na contestação (CPC, artigos 282, VI e 300).

Administrando a vara o juiz pode criar um ambiente de cooperação, de esforço conjunto, de busca de efetividade, ou originar um desânimo contagiante que leva todo o grupo à inércia. Uma frase sua (como: “isto aqui é uma loucura, não tem jeito”) pode ser suficiente para que os servidores se sintam desestimulados e não se empenhem. No desenvolvimento de sua carreira, naturalmente, surgem oportunidades do juiz tomar decisões administrativas mais importantes, por exemplo, como diretor do Foro.

Na segunda instância, atualmente há várias funções administrativas importantes, como diretor da Escola da Magistratura, coordenador dos Juizados Especiais, de núcleo de conciliação, ouvidor, corregedor e, evidentemente, a maior de todas, que é a de presidente do Tribunal.

Acima destas, há nos tribunais superiores corregedorias nacionais, entre as quais se sobressai a do Conselho Nacional de Justiça. Mas, o cargo da mais alta importância é o de ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, que é cumulativo com o de presidente do CNJ. Em matéria de administração da Justiça não há no Brasil nada que a ele se compare.

O presidente do STF, pela relevância de suas funções, tem o poder de tornar qualquer ideia realidade. Para ele, todas as portas estão abertas. Por exemplo, se quiser promover o maior congresso do mundo em administração da Justiça, ser-lhe-á fácil obter absoluto apoio interno e também trazer ao Brasil as maiores autoridades do planeta. Por outro lado, como presidente do CNJ, pode instituir políticas públicas da mais alta importância, sugerir, induzir e cobrar medidas de todos os órgãos judiciários do país.

Todos estes poderes não significam, necessariamente, que todos os presidentes do STF e do CNJ provoquem profundas reformas e avanços. Uns gostam mesmo é de julgar e não tem aptidão para tarefas administrativas. Exercem a presidência de forma mais rotineira.

A análise da administração do STF pós-Constituição de 1988 e, do CNJ cuja criação é recente (2004), leva-nos à conclusão que foram do ministro Gilmar Mendes as mais marcantes inovações. Evidentemente, não foi o único, outros presidentes também deram passos importantes. Mas, dele, é que vieram as medidas mais audaciosas.

A primeira característica de sua forma de administrar é a obstinação. Qualquer pessoa de mediana inteligência sabe que dirigir órgãos colegiados, introduzir mudanças e superar obstáculos é tarefa para os fortes. A mais simples das medidas administrativas gera dúvidas, reclamações, insatisfações. Imagine-se a mudança de uma vara. Uns dirão, ofendidos, “não fui consultado”, como se disto dependesse o destino da humanidade. Outros reclamarão da vista no novo gabinete, do calor ou do frio. Partindo desta premissa é possível imaginar o que significa conduzir o órgão de cúpula do Judiciário, liderar 91 tribunais, cerca de 18 mil juízes e manter boas relações institucionais com os demais Poderes da República e com órgãos institucionais, Procuradoria Geral da República, Ordem dos Advogados do Brasil, Advocacia-Geral da União e outros.

Só mesmo a perseverança, o desejo absoluto de promover mudanças benéficas levará o gestor a um resultado positivo. E este é uma das características da personalidade do ministro Gilmar Mendes. Contam os juízes que o assessoram na presidência do CNJ que era comum receberem telefonemas às 5 ou 6 horas da manhã, inclusive aos domingos, cobrando esta ou aquela providência.

Sabendo que ninguém muda nada sozinho, soube ele cercar-se de pessoas competentes. Este é um segredo do sucesso. Mas, ainda que óbvio, nem todos têm perspicácia para distinguir as virtudes e defeitos das pessoas. Na sua gestão, juízes auxiliares e servidores eram escolhidos a dedo e integravam-se rapidamente ao sistema de produzir muito no menor tempo possível. Só podia dar certo.

Outro fator do sucesso foi ir aos locais e participar diretamente como administrador judiciário. Certa ocasião, no município de Laranjal do Jarí, no sul do estado do Amapá, pude ver seu estilo de governar. O juiz de Direito promovia casamentos comunitários, centenas de pessoas em um ginásio de esportes, um calor de 40 graus. Sem hesitar, ele participou da cerimônia, estimulando aquela louvável iniciativa, dando o prestígio do STF à atuação do magistrado de primeira instância. Perfeito.

Na sua gestão, Gilmar Mendes deu total apoio aos Encontros Nacionais do Poder Judiciário, eventos estes que já se encontram na oitava edição. Assim, no 2º Encontro Nacional do Judiciário, realizado em fevereiro de 2009 em Belo Horizonte, por sua iniciativa, foram fixadas 10 metas e no 3º Encontro, realizado em São Paulo em 2010, foi apresentado o relatório do desempenho dos Tribunais no cumprimento. Por exemplo, a Meta 2 que cobrava o julgamento de processos distribuídos até o final de 2005 e que resultou na definição de litígios que tramitavam há décadas.

O sistema carcerário também recebeu total apoio. Assunto recorrente, sem solução à vista, dele recebeu atenção prioritária. Juízes auxiliares da presidência percorreram presídios de todo o Brasil velando por melhores instalações, exame de requerimentos de progressão das penas e tratamento com dignidade aos presos. Nos casos mais graves o ministro intercedia pessoalmente junto ao governador do estado e a solução era dada com presteza.

Na sua presidência empenhou-se na criação da Lei Nacional da Defensoria Pública, que acabou sendo editada (Lei Complementar 132/2009) e mudou o perfil da defesa dos carentes no Brasil. Outras tantas medidas foram tomadas, como avanço na informatização dos Tribunais, criação de cadastros nacionais para processos de adoção e de bens apreendidos, estímulo ao programa de conciliação instalado pela ministra Ellen Gracie e o combate ao nepotismo.

Bem, mas porque estamos a falar do passado, de realizações de 2008 a 2010? Porque agora, no exercício da jurisdição, o ministro Gilmar Mendes dá uma contribuição inestimável para a administração da Justiça Criminal. Explico. No último dia 10 de fevereiro, ele sinalizou que o STF poderá rever o entendimento de que a prisão de um condenado só pode ocorrer depois do trânsito em julgado da sentença.

Como se sabe, o STF, interpretando a Constituição, entendeu que a pena só pode ser executada depois de transitada em julgada a decisão condenatória (HC 84.078-7/MG, rel. Eros Grau, j. 5/2/2009). Isto deu aos réus de ações penais no Brasil o direito de estenderem seus processos por décadas.

Um exemplo concreto entre milhares de casos: em 2014 o STF, depois de todos os recursos possíveis, manteve a condenação do senador Luis Estevão a 3 anos e 6 meses de reclusão. O motivo da prisão relaciona-se com irregularidades na construção do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), junto com o juiz Nicolau dos Santos Neto (Lalau), nos anos de 1995 e 1996.  Ele foi preso em setembro, a prescrição ocorreria em 3 de outubro. Resultado: a) não faz sentido uma pena ser cumprida quase 20 anos depois; b) se não fosse o acusado um ex-senador, pessoa conhecida,  a prescrição ocorreria.

Este é um exemplo. Há milhares de casos semelhantes, todos mostrando a ineficiência da Justiça Criminal do Brasil, que aguarda o trânsito em julgado da sentença condenatória para ser executada. Único país do mundo a adotar tal prática, o Brasil é modelo de ineficiência. Se uma tese de doutorado promover pesquisa a respeito deste tema a situação calamitosa ficará exposta e o STF com sua imagem arranhada. Sem falar da sociedade que, assustada, ficaria sabendo que o autor de um homicídio na  sua família pode levar 15 a 20 anos para ser julgado em definitivo. Isto se for julgado e não desaparecer durante este longo tempo.

Administrar a Justiça é, também, administrar os processos, dar efetividade ao sistema. Se as instituições não funcionam as pessoas procuram outros meios para dar solução aos seus conflitos. O México vive este processo no seu último estágio. O filme El Infierno, do diretor Luis Estrada, merece ser assistido pelos que preferem discussões teórico-abstratas à realidade. Fica o registro da oportuna iniciativa do ministro Gilmar Mendes e pelo que fez a favor da administração da Justiça no mais alto cargo do Judiciário brasileiro.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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