Combate à corrupção

Só com planejamento Estado resgatará segurança jurídica em licitações públicas

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  • Giuseppe Giamundo Neto

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) advogado e sócio do Giamundo Neto Advogados professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) em Brasília e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Direito da Infraestrutura da OAB.

15 de fevereiro de 2015, 6h30

O setor de infraestrutura no Brasil enfrenta, talvez, o momento mais crítico — especialmente na área de obras públicas. Muito antes da Operação Lava Jato, que atingiu em cheio as maiores empreiteiras do país e travou grandes empreendimentos, já era perceptível certa saturação do modelo de relacionamento estabelecido entre o setor público e o privado.

A histórica cultura governamental de iniciar e entregar obras, dentro de um mesmo mandato eletivo para cumprimento de prazos políticos e eleitoreiros, sempre levou a Administração a agir sem planejar, a dar atenção à execução das obras em detrimento da elaboração detalhada dos respectivos projetos de engenharia que as antecedem e das providências prévias necessárias para que haja o mínimo de interferências possíveis em seu curso (licenciamentos, desapropriações etc.).

Amparados por uma legislação permissiva, grandes e complexos empreendimentos são licitados com projetos precários, de baixíssima qualidade, cujo aprimoramento no decorrer da execução contratual impõe a necessidade de aditamentos por atrasos, paralisações, alteração de serviços e de quantidades, dentre outras contingências que, por certo, implicam aumento de custos.

Por muito tempo, essa sistemática funcionou para as empresas e para o governo. De um lado havia a necessidade de a Administração realizar de imediato determinada obra ou serviço. De outro, o empresário, que mesmo ciente das dificuldades que teria em decorrência da falta de planejamento adequado, assumia os riscos com a certeza de que regularizaria as deficiências mediante aditivos contratuais e, em caso de prejuízos comprovados, pelo ressarcimento por recomposição do ajuste.

Em função do fortalecimento e aprimoramento dos órgãos de controle na última década, contudo, a fiscalização exercida sobre as contratações públicas, além de pari passu, passou a ser cada vez mais firme e sofisticada. Especial destaque, nesse sentido, ao trabalho do Tribunal de Contas da União, cujas posições e entendimentos passaram a ter forte influência na Administração Pública, em todos os níveis, levando inclusive a algumas mudanças legislativas voltadas à positivação de seus julgados.

É clássica, por exemplo, a metodologia de aferição de sobrepreço mediante análise comparativa dos preços dos itens contratuais com aqueles constantes das tabelas SICRO e SINAPI, mesmo antes de a Lei de Diretrizes Orçamentárias empregar oficialmente o SICRO como limitador. Também é paradigmática a interpretação do TCU em relação à possibilidade de superação do limite legal de 25% para alterações qualitativas, bem como a sua metodologia própria de apuração de tal percentual, que desconsidera a possibilidade de compensação entre acréscimos e supressões.

De outro lado, inovações legislativas tornaram mais restritivas as hipóteses de celebração de aditivos de valor, a exemplo do artigo 9º, § 4º, da Lei Federal nº 12.462/2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações – “RDC”, que os limita às hipóteses de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito e de força maior e necessidade de melhor adequação técnica. E, ao mesmo tempo, apesar do melhor aparelhamento dos órgãos de controle e evolução do quadro legislativo, permaneceu flexível a possibilidade de a Administração Pública licitar sem planejamento adequado. Tal hipótese foi até ampliada com o advento da contratação integrada do RDC, que permite a contratação apenas com anteprojeto de engenharia, ainda menos detalhado que o projeto básico, repassando toda a responsabilidade pelos projetos ao contratado.

É esse o cenário que formou aquilo que parece ser a tempestade perfeita para as empresas que executam obras públicas. A insegurança jurídica das contratações chegou ao seu nível máximo. Não basta vencer a concorrência apresentando o menor preço tendo como balizador o orçamento da Administração. O preço pode ser revisto supervenientemente no curso da execução contratual por uma fiscalização do Tribunal de Contas. E mais: pode haver inclusive determinação de retenções cautelares de pagamentos com base em suposto sobrepreço tirado de fiscalização ainda preliminar, em que pese a flagrante ilegalidade da medida. Como se não bastasse, os prejuízos decorrentes de projetos de baixa qualidade, que deveriam ser suportados pela Administração, passaram a ser integralmente do particular contratado ante as recentes limitações legais para aditamentos e recomposições.

O risco da empresa, portanto, é altíssimo. Ainda que execute bem o seu trabalho, cumprindo com rigor os compromissos assumidos, não há qualquer garantia de preservação do legítimo lucro estabelecido em sua proposta comercial. Nesse contexto, é improrrogável uma mudança comportamental da Administração Pública referente ao melhor planejamento de suas ações. Alterações simples na legislação de contratações públicas seriam capazes de mudar ou ao menos melhorar esse quadro. A permissão irrestrita de licitar apenas com projeto básico merece ser revista. O argumento de que o atual modelo agiliza o processo e dá mais velocidade às obras é míope. Serve apenas ao administrador ineficiente com pensamento de curto prazo, pois desconsidera os atrasos e aumentos de gastos gerados pela precariedade dos projetos.

A obrigatoriedade de um bom planejamento determina maior precisão do objeto licitado, permitindo, a um só tempo, uma competição mais sadia e isonômica entre as empresas e reduzindo a perspectiva de alterações e existência de sobrepreço, fatores estimulantes da corrupção.

Os órgãos de controle reafirmam a sua autonomia e maturidade no combate à malversação dos recursos públicos e à corrupção, afastando por completo a ideia de impunidade que prevalecia. A legislação é cada vez mais severa e rigorosa na punição aos agentes privados, na toada da recente Lei 12.846/13, a Lei Anticorrupção. Por isso, é fundamental, para que haja uma evolução efetiva e sintonizada do setor de infraestrutura, o resgate da segurança jurídica das contratações públicas, o que passa necessariamente pelo dever de a Administração melhor planejar as suas ações.

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