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Hiper tributação de setor mais produtivo pode ampliar desigualdade

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13 de fevereiro de 2015, 8h08

No final do século XVIII, em Londres, o Primeiro Ministro britânico, William Pitt, persuadiu o parlamento a aprovar a tributação sobre a renda dos mais abastados. A oposição dizia que tal atitude iria quebrar a indústria e seu legado, bem como encorajar um espírito de migração. Quatro séculos depois, aqui estamos nós.

O grande tema econômico atual é o aumento da desigualdade. Governantes têm tentado reverter esse quadro, incluindo a China. Na América, o mais recente anúncio de Barack Obama é uma prova do que está por vir.

No recente “State of the Union”, o presidente dos Estados Unidos anunciou uma escalada tributária contra os mais ricos, limitando seus lucros com investimentos e tornando mais severa a vida de quem amplia ganhos e dividendos por meio de herança e doações familiares.

Os $320 bilhões com a medida possibilitariam a abertura de crédito para a educação superior e cuidados com as crianças por meio de programas sociais.

A média de tributação sobre ganhos de capital e dividendos nos Estados Unidos pulou de 23.8% para 28%. Em 2009, quando Barack Obama assumiu, era 15%. Tributar pesadamente os mais ricos é, sem dúvida, a bola da vez.

O importante é saber se essa marcha é um exercício de demagogia ou uma saída inteligente para combater o aumento da concentração de renda. Para começar, vamos recordar a mais recente proposta tributária de caças às bruxas.

“Acho que ele sinceramente acredita que é mais eficiente do que o governo e, você sabe, talvez ele seja” – afirmou Thomas Piketty, economista francês autor best seller da obra “Capital no Século XXI”, referindo-se a Bill Gates numa conferência em Boston, no começo do ano. Piketty afirmou que Bill Gates foi enfático: “Não quero pagar mais impostos!”. Gates é uma figura mundial conhecida pelos projetos sociais que banca e por tentar pavimentar soluções sustentáveis para problemas contemporâneos.

As propostas de Piketty visam reduzir desigualdades. Contudo, se olharmos o que tem ocorrido na sua terra, França, veremos uma sucessão de desencantos.

Em 2012, a França se uniu para eleger um representante da esquerda. O então candidato François Hollande prometeu combater o desemprego e lutar pela desoneração fiscal das famílias de baixa e média renda.

Eleito, uma de suas primeiras medidas foi uma elevada alíquota de Imposto de Renda aos contribuintes com renda anual superior a 1 milhão de euros. A ideia foi considerada inconstitucional pela Corte Constitucional, que definiu o “super imposto” como uma medida punitiva. A alíquota proposta batia na casa dos 75%.

O Governo não desistiu. Após alterar a proposta, veio uma versão prevendo a mesma alíquota, contudo, estabelecendo que a empresa contratante deveria arcar com os 75% incidente sobre os rendimentos daqueles empregados que ganhassem mais de 1 milhão de euros, obedecendo o teto de 5% do faturamento da empresa.

A intenção, além de obter fôlego para bancar políticas sociais, era corresponder à pressão do déficit fiscal enfrentado pela zona do euro. Previa-se uma receita de aproximadamente 210 milhões de euros por ano com o novo imposto.

Não tardou para aparecer o primeiro rebelde. “Estou deixando o meu país porque ele considera que sucesso, criação e talento têm que ser punidos”, escreveu o ator Gerard Depardieu – quando a primeira versão do imposto foi criada -, após garantir sua cidadania e partir para a Rússia, onde a alíquota gira em torno de 6%.

Políticas como o “super imposto” colocaram a França na lista negra do mundo empresarial. O Primeiro Ministro da Inglaterra, David Cameron, chegou a dizer que estenderia um tapete vermelho aos empresários franceses em fuga, oferecendo um tax exile àqueles que buscam nações com alíquotas de impostos reduzidas.

Dois anos se passaram, e o “super imposto” teve o seu fim no último 1º de fevereiro. De acordo com o governo francês, ele não será renovado.

François Hollande sabe do impacto. Buscando alternativas para reverter o quadro, ele se comprometeu a lançar um pacote de recuperação. Ano passado, indicou dois liberais para assumirem postos no governo. Manuel Valls preencheu a vaga como Primeiro Ministro e o ex-banqueiro Emmanuel Macron virou Ministro da Economia.

Mesmo assim, o cenário é ruim. Prevê-se uma fraca reação do mercado. O crescimento está estimado em apenas 0.3% para o primeiro semestre de 2015.

Gerard Ramond, representante do setor de pequenas e médias empresas, declarou à Bloomberg que, somente em 2014, 70.000 empresas foram à falência, representando um corte de 110.000 empregos. A estatística é desastrosa.

Richard Brooks, em sua recente obra, The Great Tax Robbery, afirma, em crítica à teoria neoliberal, que a História pode comprovar que níveis elevados de impostos sobre a fortuna coincidem com uma performance positiva da economia.

Isso porque benefícios fiscais concedidos aos detentores de grandes fortunas não retornam como investimentos, mas implicam em redução dos investimentos públicos, aumento da desigualdade e diminuição da produtividade.

Com um recorde na taxa de desemprego, seguido de um desequilíbrio fiscal, além de engessar o esforço na redução do déficit público nos limites da União Europeia, a situação atual da França também desafia Richard Brooks.

No Brasil não foi diferente. O economista Paulo Rabello de Castro, em “O mito do governo grátis”, aponta que o governo “tributa os mais ricos numa parte de suas rendas e promete, com isso, distribuir a receita do imposto aos mais pobres, realizando transferências de quem tem mais a quem tem menos, por meio de diversas formas de programas”.

Para ele, o resultado, contudo, é um “declínio inapelável da capacidade de trabalho e de contribuição dos elementos mais produtivos da sociedade”.

Não é exagero. Em 2013, o gasto total do governo brasileiro cresceu quase 15%, enquanto o PIB tributável aumentou cerca de 8%. O tamanho do setor público, medido pelos gastos, atinge 40% do PIB.

Agora, fazendo nos trópicos o que fizera a França, o governo anunciou Joaquim Levy como ministro da Fazenda, tentando se mostrar “friendly” aos investidores que partiram.

O mundo tem tentado reduzir as desigualdades. É uma justa aspiração. Todavia, a fórmula que apela à hiper tributação do setor mais produtivo também gera efeitos que podem ampliar o fosso entre os mais pobres e os mais ricos. Essa realidade estabelece a necessidade de um cuidado adicional por parte de líderes mundiais como Barack Obama, François Hollande e Dilma Rousseff.

Quanto ao Brasil, não é impossível imaginar que alguém levantará a mão, em breve, sugerindo copiar as iniciativas de hiper tributar os mais ricos. Daí a importância desse tema que precisa ser maturado entre nós. 

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