Jurisprudência Fiscal

Carf, PJ prestando serviço para clube de futebol e outras questões tributárias

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

12 de fevereiro de 2015, 7h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]A atuação de pessoas jurídicas prestadoras de serviço, em atividades que tradicionalmente eram desempenhadas por assalariados, tem causado um conflito entre fisco federal e contribuintes, com autuações enxergando simulação de prestação de serviço para reduzir a tributação.

Todavia, no caso abaixo, Turma do Carf, apreciando Auto de Infração que considerou empregados os componentes de comissão técnica de um clube de futebol, afasta a desconsideração da PJ desses prestadores de serviço, não aceitando a mera alegação de simulação sem provas e aplicando o artigo 129 da Lei 11.196/05; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 2403-002.721 (publicado em 04.02.2015)
COMISSÃO TÉCNICA. TÉCNICO. TREINADOR DE CLUBE PROFISSIONAL DE FUTEBOL. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA PARA EXERCÍCIO E PAGAMENTO DOS SERVIÇOS. CARÁTER PERSONALÍSSIMO. POSSIBILIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DOS NEGÓCIOS FIRMADOS.

É lícita a constituição de pessoas jurídicas tendo por objeto a atribuição de direitos patrimoniais relacionados com a atividade profissional de atletas, técnicos e comissão técnica, bem como relacionados com a cessão de direito ao uso de imagem, nome, marca ou som da voz.

Voto (…)
No presente caso, percebe-se que a fiscalização não buscou os fatos que enquadrariam os pagamentos efetuados à comissão técnica e ao treinador de futebol, naquelas elencadas no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, que define quando está caracterizada a relação de emprego, in verbis: (…)

Quanto às informações da fiscalização de que constam pagamentos aos técnicos e sua comissão a título de aluguel de imóveis/condomínios, auxílio moradia, nas contas de Notas Fiscais de Prestação de serviços, estas afirmações carecem de provas, não havendo nos autos cópia da contabilidade da empresa que pudesse confirmar tais fatos.

Analisando as notas fiscais emitidas pelas empresas, bem como dos contratos juntados, fls. 355/423, que os valores representam apenas a contrapartidas para os serviços técnicos de futebol e direito de imagem.

Outrossim, cumpre esclarecer que o serviço em análise, é de natureza intelectual, possuindo previsão expressa acerca da possibilidade de sua prestação por meio de pessoas jurídicas, para tanto, dispõe o art. 129 do Lei 11.196/2005, in verbis: (…)

É inegável a característica intelectual dos serviços prestados por estes profissionais, conclusão diversa seria o mesmo que excluir, por exemplo, a finalidade da existência de cursos superiores de educação física das universidades deste país.

Por tais razões, entendo que a fiscalização não demonstrou, conforme lhe é obrigado, nos termos do art. 333 do Código de Processo Civil, a inidoneidade e a suposta simulação efetuada pelo autuado e as empresas descritas no relatório fiscal como substitutivas dos treinadores e da comissão técnica, devendo os valores creditados à estas pessoas jurídicas serem excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sob exigência.


Pagamento sem prejuízo
A CSRF do Carf, analisando a ocorrência de decadência de créditos tributário, estabeleceu que a compensação de prejuízo fiscal não equivale a pagamento, e portanto impede a contagem decadencial pelo artigo 150, parágrafo 4º do CTN; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 9101-002.081 (publicado em 09.02.2015)
COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZO FISCAL E BASE NEGATIVA NÃO CONFIGURA PAGAMENTO PARCIAL

A compensação de prejuízo fiscal e base negativa atua na formação do lucro real tributável, não se equiparando a pagamento parcial de imposto.

Voto (…)
Noutras palavras, de acordo com o teor do julgamento proferido no recurso repetitivo, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, depreende-se que será aplicável a regra do art. 150, § 4, do Código Tributário Nacional para efeito da contagem do dies a quo do prazo decadencial sempre que, cumulativamente: (i) tratar-se de tributo sujeito ao lançamento por homologação; (ii) não houver acusação de dolo, fraude ou simulação (iii) houver declaração prévia do contribuinte e/ou pagamento parcial.

Voltando ao presente caso, temos que não houve pagamento parcial, tampouco declaração em DCTF do tributo efetivamente devido ou quitação por compensação, já que a compensação de base negativa de CSLL não é a compensação, enquanto forma de quitação parcial, mas pertence à própria formação da base de cálculo do tributo devido.

De fato, se de compensação de tributo se tratasse, para efeito de extinção do crédito tributário, então se estaria em situação equiparada a de pagamento parcial. Ocorre que a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa acumulados não se equipara a uma compensação de tributo, porquanto pertence à própria formação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, compondo, antes, a formação do lucro real tributável.

Com efeito, a compensação a que se refere o art. 156, II, do Código Tributário Nacional, é, por exemplo, a compensação de saldo negativo de imposto, ou de imposto pago a maior, com tributo a pagar, não se assemelhando à utilização de prejuízo fiscal e base de calculo negativa, que simplesmente participam da formação do lucro real tributável.


Planejamento reprimido na via administrativa e judicial
O fisco federal, ao defrontar-se com planejamentos tributários, tem produzido autuações muitas vezes mantidas na discussão administrativa perante o Carf, sendo também importante conhecer as razões do Poder Judiciário quando igualmente analisa com severidade os negócios privados.

Foi o que ocorreu em apreciação de Agravo de Instrumento, que objetivou a reforma de indeferimento de medida liminar em ação de rito ordinário. A causa no 1º grau combatia uma glosa de despesa de um contribuinte, feita pela Receita Federal, o que gerou Auto de Infração.

A parte glosada se referia a despesas do contribuinte, em contrato de prestação de serviço em barcos para empresa petroleira, estando vigorando no mesmo momento outro contrato de afretamento dos mesmos barcos pela empresa petroleira, dessa vez com empresa vinculada ao contribuinte no exterior. Segundo a Receita Federal, o contrato de afretamento não era tributado, pois com alíquota zero; e o outro contrato, de prestação de serviço do contribuinte, gerava baixa receita e redundava em prejuízo ante as despesas; e assim, a empresa sem tributação ficava com a receita e, a tributada, com a despesa, portanto gerando apenas prejuízo.

Dessa forma, a situação foi enquadrada como um contrato único, de agenciamento pelo contribuinte, sem possibilidade de deduzir a despesa do lucro, pois a despesa seria da empresa que afretou, não do contribuinte que teria sido um mero agenciador do afretamento. Como se vê, uma ampla desconsideração de contratos e lançamentos contábeis.

Pois bem, houve uma decisão monocrática no TRF-2 também negando liminar, por visualizar que teria havido um planejamento tributário indevido para gerar prejuízo, e portanto não teria ocorrido a despesa, sendo endossada a alegação da autuação, e mantida pelo Carf, de que o contrato de afretamento, e concomitante contrato de prestação de serviço, seria uma dissimulação para criar a despesa.

Mas o ponto importante para destacar, que mostra o rigor com que vêm sendo tratados os arranjos empresariais tanto na via administrativa quando na judicial, reside no fato de ter existido uma alteração de lei justamente para disciplinar a situação do contribuinte; mas mesmo assim a decisão afastou a retroatividade para beneficiar o contribuinte, pois o caso seria de regime de tributação e não de sanção; e, na verdade, a nova lei foi usada contra o contribuinte, apontando que se houve uma alteração de lei é porque antes a construção contratual era ilegal. Decisão assim fundamentada:

Agravo de Instrumento 0108785-73.2014.4.02.0000 (publicada em 19.01.2015)
Com efeito, a conexão de contratos de afretamento e prestação de serviços empreendidos pelos atores do palco contratual descrito nos autos, tem sido objeto de suspeita de dissimulação por parte do fisco, com eventual perda de considerável receita de IR e CSSL.

No caso, a “XX” exige dos licitantes para participação de afretamento e prestação de serviços de manutenção das embarcações fretadas, a entabulação de planejamento tributário que redunda na criação de subsidiária brasileira de empresa estrangeira, sendo esta remunerada diretamente pela “XX”, pelo afretamento, gozando de benefício fiscal, ao passo que a empresa brasileira, suporta todos os ônus da manutenção e, por conseguinte, das despesas de operação, não gerando lucro, mas, ao que pareceu à Fazenda, senão prejuízos.

Tal procedimento contratual, embora possa ser defendido à luz do princípio da autonomia da vontade, na entabulação de contratos atípicos, conexos, ou mesmo união de contratos (Antunes Varela e Mário Júlio de Almeida Costa), empolgando o princípio constitucional da livre iniciativa, não é de molde a afastar a incidência da legislação tributária.

Nesse passo, revela notar que no ano de 2014, em 13/11, veio à lume a Lei nº 13.043/14, cujo art. 106, inseriu novos parágrafos no art. 1º da Lei nº 9.481/97, com a seguinte redação:

“Art. 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses:

I – receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras ou motores de aeronaves estrangeiros, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem como os pagamentos de aluguel de contêineres, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias; (…)

§ 2o No caso do inciso I do caput deste artigo, quando ocorrer execução simultânea do contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e do contrato de prestação de serviço, relacionados à prospecção e exploração de petróleo ou gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si, do valor total dos contratos a parcela relativa ao afretamento ou aluguel não poderá ser superior a: (…)”

Veja-se que a construção contratual utilizada pela recorrente, somente encontrou amparo na legislação tributária no final do ano de 2014, induzindo à conclusão segundo a qual os negócios jurídicos não guardavam consonância com a legislação de regência, devendo, desse modo, prevalecer a conclusão da maioria, vazada no julgamento pelo CARF.

Destaco que a nova legislação não pode ser aplicada retroativamente por não se tratar de lei mais benéfica, lex mitior, mas legislação que inaugura novo regime jurídico, com caráter prospectivo.

Apenas se se tratasse de legislação que penalizasse a autora com nova dosimetria da pena ou sua subtração é que se poderia falar de retroatividade benéfica.


Decisões variadas
a) No Acórdão 9303-003.108 (publicado em 22.01.2015), a CSRF do Carf, apreciando causa em que originariamente houve uma autuação com multa de ofício, depois substituída por multa de mora na 1ª instância, que por sua vez foi cancelada na 2ª instância, recompõe o quadro jurídico indicando a impossibilidade de inovação do lançamento por ambas as instâncias; assim ementado: “as instâncias julgadoras administrativas não têm competência para efetuar qualquer tipo de lançamento, o que pode fazer é decotá-lo para o adequar aos limites da legalidade. Entretanto, se é verdade que os órgãos julgadores não podem lançar, também é verdade que eles não podem excluir penalidades que não foram lançadas, pois, é da lógica das coisas que não se pode excluir o que ainda não existe”.

b) No Acórdão 9202-003.524 (publicado em 30.01.2015), a CSRF do Carf apreciou autuação de contribuição previdenciária incidente sobre remuneração paga via salário indireto (despesas médicas e odontológicas); mas como, para a caracterização de salário indireto, houve a invocação de norma do Imposto sobre a Renda (art. 74 da Lei nº 8.383/91), foi decidido que a autuação seria inepta, pois o tributo foi exigido com fundamento baseado em analogia; assim ementado: “considera-se inepta a autuação que exige Contribuições Previdenciárias com fundamento, por analogia, em tipificação relativa a Imposto de Renda, mormente quando a verba em tela tem tratamento específico na legislação previdenciária”.

c) No Acórdão 2803-003.710 (publicado em 29.01.2015), Turma do Carf, apreciando autuação de contribuição previdenciária sobre valor de plano de previdência tido como remuneração, mantém a linha de que não desnatura a isenção a possibilidade de haver planos e aportes diferentes; assim ementado: “a LC n°109/2001 alterou a regulamentação da matéria antes adstrita à Lei n. 8.212/1991, admitindo que, no caso de plano de previdência complementar em regime aberto, a concessão pela empresa a grupos de empregados e dirigentes pertencentes a determinada categoria não caracteriza remuneração sujeito à incidência de contribuições previdenciárias. A aportes diferentes para trabalhadores com salário distintos não desnatura as características do benefício, um vez que quem ganha mais terá motivos para pagar mais, pois poderá pretender mais se aproximar de seu salário real quando se aposentar”.

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    é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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