Defeito ético

Honorários de sucumbência no novo CPC é maldade para os jurisdicionados

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11 de fevereiro de 2015, 6h37

A mídia independente criticou certeiramente o desvio dos honorários de sucumbência institucionalizado no novo Código de Processo Civil (Lobby eficaz — mordida nos chamados honorários de sucumbência, Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo, 27/12/14). É muito triste ver um dos mais importantes diplomas legais do país ser aparelhado em detrimento dos jurisdicionados, consumidores de serviço público, parte frágil no processo judicial. Em tempo de transparência, lealdade e proteção aos hipossuficientes, o novo CPC entra para história com um medonho retrocesso, como o código que preteriu os jurisdicionados brasileiros.

O CPC em vigor determina que o vencido automaticamente pague ao vencedor todas as despesas do processos (honorários, custas, viagens, diárias, remuneração e outras despesas necessárias – art. 20). Quantos aos honorários do advogado, para evitar que o vencido fique atrelado ao valor combinado entre o vencedor e seu advogado, o CPC atual determina que o juiz arbitre na sentença o valor razoável a ser indenizado, indicando critérios. É obrigação do procurador judicial, além da pretensão principal, comprovar e pleitear integral indenização das despesas do processo em favor de seu cliente, assim realizando os princípios da reparação integral, devido processo legal substantivo e o ideal de justiça.

O novo CPC, aproveitando espaço de desinformação e fragilidade dos jurisdicionados, transfere a verba indenizatória dos honorários, de titularidade natural e funcional do vencedor do processo, para o advogado do vencedor do processo. Com o novo CPC, o advogado do vencedor recebe os honorários contratuais que costumeiramente combina com seu cliente e mais a verba indenizatória do vencedor fixada automaticamente pelo Judiciário (art. 85), inconstitucionalmente transformada em taxa corporativa progressiva por instância e incidentes, podendo chegar a total superior a 40% do crédito.

Em um caso típico de ação previdenciária de um trabalhador cobrando auxílio-doença do INSS, por exemplo, com condenação no valor total de R$20 mil, processo de baixa complexidade, correntes na Justiça Federal e Estadual, com honorários contratuais de 30% (como costuma acontecer na imensidão do Brasil) e mais honorários corporativo do novo CPC em 20% (por hipótese, considerando a progressividade por instância e incidentes), o advogado poderá receber até R$ 10 mil (R$ 6 mil + R$ 4 mil, respectivamente),  chegando a 50% do crédito reconhecido judicialmente.

Por outro lado, o trabalhador segurado, no exemplo posto, recebe apenas 70% do seu sagrado direito. Caso pretenda receber o valor gasto com honorários de seu advogado (30%), tem que propor nova demanda, depender novamente de advogado, honorários contratuais novamente, criando uma insana e demorada ciranda de processos para receber despesa de processo anterior. A nova regra dos honorários de sucumbência é um contra-senso, uma maldade para os milhões de jurisdicionados, em milhões de processos, mais uma distorção do serviço público, nas "barbas da Justiça", mais "custo Brasil".  Como melhorar a funcionalidade e credibilidade no Judiciário com estruturas jurídicas distorcidas?

Não é ojeriza ou perseguição contra os honorários dos advogados, mas sim uma resistência cívica contra essa distorção legislativa, que prejudica os jurisdicionados e impossibilita a realização de processo judicial justo. Assim como os demais profissionais, os respeitáveis advogados devem ser dignamente remunerados. Expertos em direito, combinam os seus honorários por contrato, não havendo justificativa para lei expropriadora contra os jurisdicionados, destinatários do processo e tecnicamente dependentes, merecedores de especial proteção legal.

O novo CPC carrega defeito ético ao preterir os jurisdicionados, sujeitos principais do processo. Carrega também defeito técnico, pois não resolve completamente o litígio. Paradoxalmente, confirmando desconformidade lógica, o novo CPC manda ressarcir automaticamente as despesas menores (custas, diárias, honorários de assistentes, despesas de viagem), deixando sem indenização a despesa de maior valor, os honorários pagos pelo vencedor do processo ao seu advogado. O código de processo, que deveria ser uma barreira contra avanços e distorções, agasalha desvio contra os cidadãos que são obrigados a buscar o Judiciário para realizar seus direitos.

A leitura do poderoso artigo 85 (19 parágrafos e vários incisos) do novo CPC confirma o lamento do jurista Nelson Nery Jr, por outro motivo: "faltou ouvir o povo sobre o novo CPC" (Jornal O Estado de S. Paulo, 17/12/14). O sábio grego Anachase já falava de uma tendência dos fortes mudarem a lei em benefício próprio. Cabe aos órgãos de defesas dos mais frágeis e promoção da justiça – Ministério Público, Ministério da Justiça, Procons, sindicatos, ongs, juristas e magistratura – lutar contra o estabelecimento de injustiças.

Não bastasse, a nova regra, por contrariar a lógica do sistema processual, vai trazer novas complicações em sua  aplicação. Por exemplo: 1) o artigo 85 busca fixação de honorários justos. Como o julgador vai chegar ao valor justo sem considerar o que o advogado vai receber de honorários contratuais? Será necessário a juntada do contrato de honorários no processo para correta avaliação? 2) considerando que os honorários fixados passam a ser direito autônomo do advogado, quem tem legitimidade de recorrer quanto ao valor ou destinação diversa dos honorários de sucumbência? 3) em caso de mudança de advogado no correr do processo (direito do cliente), como fica a legitimidade para recorrer dos honorários judiciais? 4) supondo (o que não tem acontecido) que o advogado faça pedido de ressarcimento dos honorários contratuais no mesmo ou em novo processo (artigo 389 do Código Civil), o vencido vai pagar duas vezes honorários de sucumbência? e 5) caso haja recurso somente para elevar os honorários e seja improcedente, quem paga os honorários recursais? 

O panorama é de grave injustiça para o jurisdicionado e mais confusão processual. O novo CPC, nesse ponto, está contra o espírito de seu tempo e entra para história com uma cruel virada contra o povo brasileiro.  É uma pena.

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