LOA 2015

Falsidade orçamentária mostra falta de planejamento

Autor

7 de fevereiro de 2015, 6h28

Trava-se no país uma verdadeira guerra contra o direito financeiro, em detrimento das finanças públicas nacionais. Basta lembrar que a Lei federal de Diretrizes Orçamentárias, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015, foi sancionada e publicada em 2 de janeiro de 2015 e não em 15 de julho de 2014, como manda a Constituição — artigo 35, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O orçamento propriamente dito ainda sequer foi votado (LOA 2015 – Projeto de Lei nº 13/2014-CN), mas deveria ter sido aprovado até o fim da sessão legislativa de 2014 (artigo 35, inciso III, do ADCT).

O planejamento “determinante para o setor público e indicativo para o setor público” (artigo 174 da Constituição) aparentemente inexiste, nem pode ser sério num ambiente normativo esgarçado e corrompido como o acima descrito. Não há campanha eleitoral nem sucessão de mandato que justifique a fraude legislativa que se está protagonizando.

Nesse ambiente hostil à cidadania fiscal, noticiam-se cortes ou contingenciamentos de gastos em três áreas fundamentais, que dizem de perto à tranquilidade e à vida das pessoas: segurança, saúde e educação são as vítimas de sempre nos ajustes em reação tardia à “crônica do desequilíbrio fiscal anunciado”. No Rio de Janeiro, a previsão de maior bloqueio orçamentário é para as polícias (R$ 1,37 bilhão de um total de R$ 6,5 bilhões em cortes anunciados, de acordo com edição do jornal O Globo do dia 27 de janeiro de 2015).

A primeira razão de ser do Estado é precisamente prover a segurança pública, da qual dependem os direitos fundamentais, como a igualdade, a liberdade, a propriedade. Se um território está em paz, ainda assim é preciso investir em segurança para que esta não se deteriore e o caos não se instale. E sem a dignidade a vida humana vale nada.

A declaração de direitos fundamentais cede à sua ilegítima postergação financeira. A segurança dos cidadãos, ponto de partida do Estado de Direito, cede à maquiagem das contas públicas. Legislativo e Executivo parecem dar-se as mãos em desfavor do povo que mantém a estrutura de poder desviada de suas funções primordiais.

E os “cidadãos-contribuintes” se perguntam: qual o retorno social dos impostos que pagam? Mais importante lei votada anualmente, o orçamento deveria ordenar (não apenas autorizar) a despesa, pois à carga tributária obrigatória corresponde o gasto justo e necessário para prover às políticas públicas, tudo objeto de lei.

Então, o represamento ou “contingenciamento” de verbas no Brasil traz o debate acerca da legitimidade do Judiciário para fazer cumprir a Constituição (artigo 102), também pela via do controle jurídico do orçamento, que não tem sido ensejado aos Tribunais de Contas, malgrado o mandato do artigo 70 da Carta Magna. A conexão íntima entre tributo e despesa se intensifica no caso das receitas tributárias legitimadas em função de gastos específicos. Tributação e orçamento são vertentes imprescindíveis da mesma ordem jurídico-financeira em nome da proteção dos direitos fundamentais da sociedade. A repartição equitativa do gasto público decorre entre nós da conjugação do objetivo de construção de uma sociedade justa e solidária (artigo 3º, I) com a determinação de graduação da carga tributária conforme a capacidade econômica da cidadania (artigo 145, parágrafo 1º). E a CF/88 manda que a Administração Pública obedeça à eficiência e à moralidade, entre outros princípios (artigo 37).

Desde os julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.925 sobre contingenciamento da CIDE-combustíveis, até a Medida Cautelar na ADI 4.048 (fiscalização da constitucionalidade das leis, inclusive orçamentárias) o Supremo Tribunal Federal procede à fiscalização concentrada do orçamento. Na Suspensão de Tutela Antecipada 175 foram mantidas decisões pelo fornecimento de medicamentos e tratamentos não oferecidos pelo SUS, reposicionando o controle judicial de políticas públicas, com potenciais consequências no plano tributário, já que é o contribuinte que as sustenta.

Recentemente (ADI 5.160 e outras), as Defensorias Públicas têm batido às portas do STF para ver cumprida a regra constitucional que lhes garante iniciativa orçamentária própria (artigo 135, parágrafo 2º) sem a qual não podem exercer a advocacia (função essencial à Justiça) em favor da população pobre, que é expressiva no país.

As opções decididas pelos poderes competentes do Estado estão na lei para serem cumpridas. O ajuste entre o Executivo e o Legislativo há de ser sério, responsável, jurídico, legal e não pode ser inflado nem comportar contingenciamentos logo no início do ano; se ambos se compõem para iludir o contribuinte, então cabe ao Judiciário intervir quando provocado pela cidadania desatendida. O mal das finanças públicas brasileiras não é apenas de gestão, mas sobretudo de desrespeito ao Direito.

Vive-se no Brasil um contexto de reiterado descumprimento da Constituição e das leis orçamentárias (casos de crime de responsabilidade, artigo 85 e numero VI), que é o que está na raiz dos problemas atuais de gestão da coisa pública. Isso para não falar dos atentados à segurança interna (artigo 85, IV) que já não se provê e agora sofre do risco de mais incerteza.

Incerteza financeira e insegurança jurídica: é do que se trata.

O contingenciamento unilateral de verbas pelo governo, em claro desvio de rota, funciona como mais desvio de gasto e atrai a legitimidade do Judiciário para seu controle jurídico, garantindo respeito ao Legislativo e mediando a justiça da tributação e a garantia do cumprimento da finalidade constitucional da Despesa, que é servir à população, máxime quando se vê o estado das polícias, escolas, estradas e hospitais do País, para não falar de risco habitacional, de mobilidade e de insegurança energética que assolam os brasileiros, que pagam a conta.

Impõe-se respeito ao objetivo fundamental de construção de uma sociedade soberana, justa e solidária, através de políticas públicas probas, com eficiência e moralidade, sem o que não há repartição equitativa dos recursos públicos. Com a insinceridade orçamentária e contábil vêm à luz a falta de planejamento público no Brasil e o desrespeito subreptício à lei, e surge a incerteza jurídica tão necessária ao que é mais urgente: o investimento que garanta o desenvolvimento, sem desvios, sem superfaturamentos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!