Enxugando gelo

Sistema processual brasileiro pouco se preocupa com as causas

Autor

  • Dierle Nunes

    é advogado doutor em Direito Processual professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara Rodrigues Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.

6 de fevereiro de 2015, 5h24

A prevenção quase sempre é a melhor opção na vida uma vez que esperar que um dano ocorra para dimensioná-lo costumeiramente é mais dispendioso e complicado.

Percebam que esta obviedade já foi “descoberta” até por alguns planos de saúde que vêm criando programas de monitoramento domiciliar, em perspectiva preventiva, para diminuir seus próprios gastos com a cura de doenças que já eclodiram.

E o leitor deve estar se indagando, qual a pertinência destas assertivas para o sistema processual em época de novo CPC…

Pontue-se que a cada dia se torna mais comum (e repetitivo) o argumento de que temos processos demais[1] e uma taxa de congestionamento das maiores do mundo[2], no entanto e estranhamente as soluções apresentadas para dimensionar esta situação insistem em ser tão somente legislativas, de gestão e de organização do poder judiciário.

Ou seja, ainda não percebemos que o sistema processual brasileiro trabalha unicamente com as consequências e em pouco se preocupa com as causas.

As demandas aumentam ano a ano em decorrência do descumprimento de direitos e pouco se fala e se preocupa com os mecanismos de fiscalidade.

Se já sabemos que o Poder Público e os bancos [3] são os maiores litigantes brasileiros seria mais que imperativo ampliar-se os órgãos e instrumentos de sua fiscalização.  As agências reguladoras deveriam ser reestruturadas e, em especial, os diálogos institucionais entre os poderes constituídos deveriam ser fomentados e aprimorados. Na verdade tanto uns como outros acabam por transferir para o Judiciário questões de relacionamento com os cidadãos ou os clientes (respectivamente), se desonerando do custo de manutenção de serviços de atendimento, e, logo, onerando o Judiciário.

Paradoxalmente, o mais recorrente são os não-diálogos ou pseudo-diálogos entre os atores envolvidos na litigiosidade brasileira; se preocupando mais com o litígio após sua eclosão do que se buscando a resolução preventiva, que seria certamente mais barata e, substancialmente, melhor para o cidadão.

Tudo é judicializado e pouco se pensa em como solucionar os gatilhos da litigiosidade.

Há se rememorar o que já dissemos em outra oportunidade, em ótima companhia: "o deslocamento das questões políticas e de efetivação dos direitos sociais no Poder Judiciário não pode olvidar da percepção do último grande legislador processual do século XX, Lord Woolf, que na monumental reforma inglesa de 1998, afirmou que um enorme numerário financeiro era usado pelo sistema judicial para resolução de um contencioso decorrente do não cumprimento de direitos fundamentais sociais e que seria melhor direcionar esses valores no gasto e asseguramento de políticas públicas de saúde, habitação (na situação inglesa) e aos quais se poderia agregar, no Brasil, a inúmeros outros direitos fundamentais não assegurados minimamente a nossos cidadãos; geradores de milhões de ações em nosso sistema judiciário". [4]

Sei e já confessei que o aqui falado é óbvio. Mas me parece que suplantada e etapa legislativa de criação e aprovação de um novo código (capítulo altamente relevante, mas ineficaz sozinho para o dimensionamento da situação que nos encontramos) é hora de se promover uma abordagem profunda dos problemas das litigiosidades no Brasil. Sem isto, continuaremos a enxugar um enorme cubo de gelo com guardanapos.

Como em tudo na vida é hora de se levar a sério a prevenção, agora  de litígios, sem que com isto se restrinja o acesso à justiça. Tratar das causas, assegurando direitos e melhorando os diálogos institucionais e a fiscalidade mediante o devido processo constitucional, e não impedindo o auferimento dos direitos. Criar órgãos internos de relacionamento com as pessoas envolvidas, de forma a solucionar consensualmente os problemas, evitando que todos venham a ser geridos pelo Judiciário, o que vem se tornando insustentável. Que sejamos responsáveis.


[1] Quase 100 milhões.

[2] De cada 10 novas demandas ajuizadas na justiça comum, sete não são julgadas no mesmo ano de ajuizamento. Esta situação já antiga: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/15587-taxa-de-congestionamento-fica-em-70

[3] Segundo pesquisa do próprio CJJ: http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf

[4] THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil Law e o common Law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo. RePro 189, ano 35, novembro 2010. Revista dos Tribunais. p.16.

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    é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.

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