Fato inverídico

Advogado que criticou juiz no Twitter é absolvido do crime de injúria

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3 de fevereiro de 2015, 20h01

A tipificação do delito de injúria diz respeito à chamada honra subjetiva; ou seja, ao conceito, em sentido amplo, que o ofendido tem de si mesmo, com a imputação de atributos pejorativos. O fundamento levou a Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul a absolver um advogado que criticou, via Twitter, a postura de um juiz durante palestra para estudantes no interior gaúcho.

No primeiro grau, ele foi condenado pelo delito de injúria, por afirmar que o juiz teria praticado "tremendo abuso de autoridade" ao mandar apreender duas menores que faziam bagunça no local da palestra. Ficou provado, no entanto, que o juiz apenas pedira ao guarda que "tomasse as medidas cabíveis" exigidas naquela situação, tanto que não aconteceu a apreensão.

Para o relator do recurso-crime no colegiado, juiz Edson Jorge Cechet, a conduta do advogado é atípica, pois não atribuiu ao magistrado nenhuma qualidade pejorativa capaz de ofender sua dignidade e decoro. Ao contrário, a conduta resumiu-se, tão somente, a noticiar fato que entendia injusto.

Citando a doutrina de Rogério Greco, o relator escreveu no acórdão que, na injúria, ‘‘não se imputa fato determinado, mas se formula juízos de valor, exteriorizando-se qualidades negativas ou defeitos que importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio de alguém’’. O doutrinador exemplifica: ‘‘chamar alguém de ‘bicheiro’ configura injúria, mas dizer, à terceira pessoa, que a vítima está ‘bancando o jogo do bicho’, caracteriza difamação’’.

Cechet, no entanto, concordou com a juíza de que o réu deveria se inteirar melhor dos fatos antes de opinar. ‘‘Certo é que o acusado poderia, ou, quiçá, deveria abster-se de emitir sua opinião, pois, segundo ele próprio, não possuía conhecimento real do fato e pronunciou-se com base em informações de terceiros’’, escreveu no acórdão. A decisão foi tomada na sessão de 26 de janeiro.

O caso
As informações do processo dão conta de que tudo começou no dia 30 de junho de 2011, por volta das 10 h, quando o juiz Luís Filipe Lemos Almeida, então titular da Comarca de São Francisco de Assis, ministrava palestra a estudantes do ensino fundamental no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) ‘‘Negrinho do Pastoreio’’. Num dado momento, incomodado com a ‘‘perturbação da tranquilidade’’ por duas meninas, ele pediu ao guarda que as identificasse, bem como adotasse os ‘‘procedimentos legais’’. As menores foram, então, retiradas do recinto e encaminhadas para o Conselho Tutelar.

Quatro dias depois, o advogado José Amélio Ucha Ribeiro Filho, que tem escritório na Comarca de Santiago, comentou o fato em sua conta no Twitter. Se expressou exatamente nestes termos: ‘‘Ato do magistrado de São Chico em apreender menores por perturbação em palestra sua, se for realmente isso, é tremendo abuso de autoridade’’.

Em face deste post, o advogado acabou denunciado pelo Ministério Público estadual perante a Vara Criminal de Santiago, pelo crime de injúria. Como o crime, segundo o MP, foi praticado contra funcionário público e por meio que facilitou a divulgação da injúria, o advogado acabou incurso nas sanções do artigo 140, caput, combinado com o artigo 141, incisos II e III, ambos do Código Penal.

Ouvido em juízo, o advogado disse que publicou sua opinião no Twitter para que outras pessoas se manifestassem sobre o caso, já que não concordava com a atitude do julgador. Esclareceu que não teve a intenção de denegrir a imagem de ninguém, nem esperava que este comentário causasse tamanha repercussão.

Sentença condenatória
A juíza Cecília Laranja da Fonseca Bonotto se convenceu, com base na prova testemunhal, que o juiz não determinou a apreensão das menores que perturbavam sua palestra, como replicou o advogado também em seu blog.

Em face deste entendimento, o teor do texto publicado, segundo ela, torna certa a caracterização do tipo penal apontado pelo MP. Afinal, ‘‘escancara’’ o visível propósito de injuriar o decoro e a dignidade da vítima, ferir a sua reputação e deflagrar sua imagem perante à comunidade.

Para a titular da Vara Criminal de Santiago, as palavras empregadas pelo advogado atingiram o apreço e o conceito social do magistrado, sendo indiscutível a intenção de emitir juízo de valor depreciativo. É que o acusado, durante o interrogatório, admitiu que sequer checou a veracidade da informação que lhe foi passada sobre o episódio. Ou seja, não conhecia tudo sobre os fatos e, já de ‘‘plano’’, comentou sobre o suposto ‘‘abuso’’ praticado.

Por fim, a julgadora lembrou que o réu goza de elevado prestígio na comunidade e escreve em um jornal de grande circulação na região, circunstâncias que o obrigariam a ter mais zelo nas informações que divulga, pois é formador de opinião. ‘‘Ainda, sendo um profissional da área jurídica, tinha o conhecimento mais aprofundado sobre as consequências de uma publicação indevida e irresponsável, fato que aumenta o seu dever de cuidado e que aumenta o seu grau de culpabilidade’’, arrematou.

Julgada procedente a demanda, o réu foi condenado à pena de dois meses e 20 dias de detenção, em regime inicial aberto. Na dosimetria, a pena foi substituída por prestação pecuniária no valor de dois salários-mínimos.

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