Preservação dos costumes

Castigos infligidos a indígenas, dentro da aldeia, não afrontam a lei

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2 de fevereiro de 2015, 11h00

A aplicação de sanções penais e disciplinares, pelo cacique da aldeia, não se constitui crime aos olhos da lei. Isso porque, o artigo 231 da Constituição Federal reconhece a organização social, os costumes e as tradições indígenas. E a Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), em seu artigo 57, diz que estas sanções são toleradas, desde que não se revistam de caráter cruel ou infamante. Os fundamentos levaram a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a manter, na íntegra, sentença que negou indenização a uma índia caingangue castigada no interior da Aldeia Toldo Chimbangue, localizada em Chapecó (SC).

O caso envolveu uma índia que revoltou-se porque um dos filhos foi chamado a esclarecer alguns atos de vandalismo e pequenos furtos no local. Ao tirar satisfações, ela mordeu e ofendeu o cacique. Como punição, o cacique mandou amarrá-la num tronco de árvore por 15 minutos. Ele disse que este tipo de castigo é aplicado desde a formação da comunidade e que foi insignificante diante da gravidade da conduta.

Além destes dispositivos, o juiz Guilherme Gehlen Walcher, da 1ª Vara Federal de Chapecó, citou, especialmente, o artigo 2º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No item ‘‘b’’, este diz que deve haver respeito pela identidade social e cultural, pelas instituições e pelos costumes e tradições dos indígenas.

Walcher ressaltou, entretanto, que o princípio da autonomia das comunidades indígenas não é absoluto, podendo ser afastado quando atentar contra o princípio da dignidade da pessoa humana. Neste caso, observou com base na doutrina de Edilson Vitorelli Diniz Lima, o conceito de dignidade humana deve ser analisado sob o ponto de vista da comunidade indígena — e não da sociedade dominante na qual está inserida. ‘‘O Estado vai apenas até esse ponto, até o ponto de avaliar se há ou não intolerável violação de um parâmetro mínimo constitucional. Esse mínimo deve ser interpretado restritivamente, uma vez que, se a ideia for extensiva, tudo fere a dignidade humana, que é um conceito extremamente aberto’’, minucia Vitorelli.

Nos dois graus de jurisdição, ficou evidenciado que as atitudes da autora forçaram o cacique a tomar esta atitude, imobilizando-a até arrefecer seu estado de ânimo, a fim de evitar maiores transtornos. Tudo em conformidade com as regras consuetudinárias da aldeia — ou seja, fundadas em práticas e condutas já sedimentadas naquele grupo social.

‘‘Se houvesse má-fé ou intuito de machucar, prejudicar, abusar, presumo que a autora teria sido mantida por maior período de tempo. O curto período é fato indiciário de que a liderança procurou aplicar a penalidade pelo tempo mínimo necessário para arrefecer os ânimos’’, escreveu Walcher na sentença. O acórdão que confirmou a decisão foi lavrado na sessão de 16 de dezembro.

Clique aqui para ler o acórdão.

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