Ideias do milênio

"O jornalismo funciona quando é direcionado a um público muito específico"

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28 de dezembro de 2015, 16h01

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Entrevista concedida pelo jornalista e escritor Michael Wolff ao jornalista Marcelo Lins, para o programa Milênio — um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).

Nos últimos anos o mundo mergulhou de cabeça na revolução digital. A internet, com seu gigantesco e ininterrupto fluxo de dados, vem afetando profundamente as relações entre as pessoas, e dessas com o entretenimento, o jornalismo e toda a produção cultural. Embaralhou de vez os papéis da comunicação e espalhou muitas perguntas ainda sem respostas. Esses tempos interessantes também abalaram as certezas sobre os setores que vêm construindo a história da comunicação de massa no mundo. A indústria musical ainda luta para se reinventar. Jornais e revistas experimentam modelos híbridos para sobreviver. O rádio parece o mais adaptado, talvez por ser mais adaptável. E a televisão? Bem, a televisão que se acostumou a ser a ponta mais avançada da inovação segue inquieta. Não quer jogar fora o passado, para se manter relevante no presente e necessária no futuro. E há quem duvide da capacidade da TV de se reconfigurar mais uma vez. Mas há também quem enxergue um cenário muito promissor para a TV, entendida aqui não apenas como um veículo ou uma plataforma, mas um jeito de contar histórias e divulgar  informações, além de um modelo de negócios sem rival até agora. Para o jornalista e escritor americano Michael Wolff não há dúvida: a televisão não apenas não será vencida pelos novos atores digitais, como já começou a atraí-los. Para esse colunista de mídia, consultor de startups e biografo do polêmico magnata das comunicações Rupert Murdoch, o potencial da TV é tão grande que o mais recente livro dele ganhou o título sugestivo: A televisão é a nova televisão. Em uma breve passagem pelo Brasil, Michael Wolff falou ao Milênio.

Marcelo Lins — Por que você é tão otimista em relação à TV?
Michael Wolff —
Acho que é porque, se a gente para um instante para pensar, percebe que todo mundo assiste à TV. Nos Estados Unidos, as palavras mais pronunciadas hoje nas conversas são: “O que você está assistindo?” As pessoas, no trabalho, em lojas, onde quer que as encontre, perguntam isso. E querem saber ao que assistimos na TV. Estou profundamente envolvido em questões digitais e de todos os meios de comunicação, e me ocorreu, há não muito tempo… Há cerca de um ano e meio, pensei: “Espere um pouco. Entendemos tudo errado. A TV não está morta, ela é tão central para a cultura quanto sempre foi, e é tão lucrativa para a indústria da mídia quanto sempre foi.

Marcelo Lins — E se analisarmos o incrível sucesso dos seriados de TV no mundo inteiro, principalmente os americanos, mas também ingleses e até brasileiros, você parece ter razão.
Michael Wolff —
E acho que uma coisa fascinante que aconteceu foi… Durante muitas décadas, a televisão foi considerada um meio de comunicação inferior. Nas famosas palavras de um presidente da Comissão Federal de Comunicações, a televisão era uma terra estéril. E, da noite para o dia, por volta de 1997, 1998, a televisão começou a ficar ótima, realmente fabulosa. Ela se tornou o novo romance, a nova literatura… Passou a ser o lugar aonde as pessoas iam para ver sua época e sua cultura refletidas. A indústria digital chegou e hoje já tem vinte anos. E ela chegou com um discurso muito impressionante: “Nós somos o futuro e vocês são o passado.” E não havia base nenhuma para o argumento de que eles seriam o futuro. Não havia nenhum modelo de sucesso, nada para o qual poderiam apontar, principalmente nos meios de comunicação, e dizer: “Isto funciona melhor do que o que vocês têm.” E, vinte anos depois, só existem dois modelos de sucesso: o Google e o Facebook, que não são empresas de comunicação, são agregadoras. E o resto do cenário da mídia digital é uma espécie de deserto. Ninguém fez muito sucesso. O que vimos foi o preço da publicidade caindo e o engajamento do público… Melhor dizendo, o que vimos foi a falta de engajamento do público, o que chamamos de “tráfego” no mundo digital e de “audiência” na TV. A audiência vale muito, o tráfego vale pouco, e acho que isso não poderia ser mais nítido…

Marcelo Lins — Porque os números são impressionantes. Às vezes, fala-se em milhões ou até um bilhão de visualizações disso ou daquilo. Mas o que isso significa no fim das contas em termos financeiros?
Michael Wolff —
Acho que o fato de o BuzzFeed estar conquistando o mundo é um sinal de um sucesso digital teórico. O BuzzFeed diz que tem uma audiência de 200 milhões de visitantes únicos por mês, ou seja, a população inteira do Brasil, versus o SuperBowl, que é o maior evento televisivo do calendário americano, que tem uma audiência de cerca de 100 milhões de espectadores e gera uma receita de US$ 1 bilhão. O BuzzFeed, com o dobro da audiência do SuperBowl, gera US$ 10 milhões. Essa é a ilustração perfeita da diferença entre essa audiência de 100 milhões de pessoas que vale US$ 1 bilhão e essa audiência teórica de 200 milhões de pessoas que vale US$ 10 milhões.

Marcelo Lins — Nós enfrentamos o desafio de avaliar qual é o público da TV hoje em dia. Os executivos estão preocupados com a queda da audiência, que ainda é medida como era há dez anos. O que está havendo com a medição de audiência?
Michael Wolff —
Nós na verdade temos um desafio duplo, porque as medições da TV são hoje comparadas às medições das mídias digitais. E outra promessa da indústria digital foi dizer: “Nós podemos medir tudo. Nada vai ficar de fora. Nós representamos a medição absoluta.” Eu argumentaria que a indústria digital se tornou a Volkswagen das medições. Nada é real, tudo é ilusório. 30% da audiência digital sequer existe. São robôs ou pessoas simplesmente clicando. É uma fraude. 20% dos anúncios no contexto digital sequer são vistos. Você sai da página antes de o anúncio carregar. Todos os envolvidos nas medições digitais dizem: “Divulgamos isso, mas nossas medições internas são estas.” Cada um tem uma medição diferente. Já a televisão tem um conjunto muito rígido de medições padronizadas, medições essas que são problemáticas porque ainda não medem com sucesso a mudança no comportamento da audiência. Ou seja, elas basicamente medem o que acontece num eletrodoméstico na sua sala de estar. Elas não medem todas as outras telas e todo o comportamento que surgiu por causa da forma como assistimos a TV nessas outras telas.

Marcelo Lins — Há outra questão nessa equação: a televisão, que dependia basicamente dos anunciantes, hoje não depende somente deles. Há outras formas de gerar receita e fazer o negócio prosperar.
Michael Wolff —
Foi uma revolução extraordinária, porque a maioria de nós cresceu acreditando que a televisão era gratuita. E o que aconteceu em meados da década de 1990 foi que as pessoas começaram a pagar pela TV fechada. E aprendemos duas coisas: que as pessoas estão dispostas a pagar e a pagar caro para ter TV. E, quando pagamos, a TV se torna ainda melhor e mais gente paga ainda mais por ela. E aconteceu o contrário no cenário digital, que hoje é 100% bancado pelos anunciantes, isso num momento em que as duas palavras que mais ouvimos nas mídias digitais são “bloquear anúncios”. A indústria digital está enfrentando uma crise existencial. Sua receita com anúncios vai sumir. A televisão está passando por outra era de ouro, quando cada vez mais pessoas pagam cada vez mais para ver TV.

Marcelo Lins — Sabemos que na ficção isso está acontecendo, se pensarmos nos seriados que são vistos no mundo todo, mas acha que o mesmo acontece com o telejornalismo ou temos novos desafios a enfrentar?
Michael Wolff —
O telejornalismo tem novos desafios a enfrentar. Essa pergunta é mais complicada de responder. A natureza das notícias, a forma como as pessoas recebem suas notícias e as convenções do jornalismo mudaram de forma profunda, fundamental e irreversível. Não sei qual é a resposta. Acho que é hora de fazermos experiências para descobrir o que funciona.

Marcelo Lins — Ainda não sabe qual será o futuro do telejornalismo, mas sabe o que não funciona. O que não funcionou para você nessa área? O que foi que fracassou?
Michael Wolff —
O que fracassa, pelo menos no contexto americano, o que não dá certo, é o jornalismo para todo mundo. E isso incomoda um pouco quem vem de uma tradição jornalística que prega que as notícias são para todos, que o jornalismo representa a verdade. E se você de repente se vê num mundo onde cada um tem uma verdade diferente, onde cada um que ver uma notícia diferente, saber o que exatamente é notícia fica difícil. Hoje, sem dúvida, a realidade é que o jornalismo funciona quando é direcionado a um público muito específico.

Marcelo Lins — Não faz tanto tempo assim, quando usávamos a palavra “televisão”, sabíamos exatamente do que estávamos falando. Havia o televisor e a sala onde a família se reunia para assistir a um programa. Hoje, quando você fala em televisão, está falando do conteúdo, da forma de contar histórias, do aparelho? O que é televisão?
Michael Wolff —
Tem dois significados: é um sistema de distribuição, a tela em nossa sala da estar, e um modelo de negócio. E esse modelo de negócio tem muitas receitas ligadas a ele, muitos comportamentos diferentes, você pode trabalhar na TV, ganhar muito dinheiro nessa indústria e ter pouco a ver com o aparelho em sua sala de estar. Então a televisão se torna a produção de ativos. Você produz programas de qualidade que podem ser monetizados de várias formas diferentes: através de taxas de licenciamento, de exportação, de anunciantes, claro, através de novos relacionamentos com empresas digitais… Então, se você tem um conteúdo de muito valor, acho que podemos continuar chamando de indústria da TV ou de mina de ouro.

Marcelo Lins — Porque não importa se essa mina de ouro é consumida num tablete, num telefone ou num televisor. Continua sendo televisão.
Michael Wolff —
Exatamente.

Marcelo Lins — Falamos há pouco sobre modelo de negócio. Passando para negócios, você mergulhou nas histórias e na história de um homem que simboliza parte desse negócio, que é Rupert Murdoch. Escreveu a biografia dele. O que aprendeu sobre ele, sobre sua importância e sua figura controversa? Você foi criticado por ter escrito a biografia dele. O que pode dizer que aprendeu ao estudar Rupert Murdoch tão profundamente?
Michael Wolff —
Em primeiro lugar, Rupert Murdoch é um homem de imprensa. E seu amor mais profundo, tirando a família, são os jornais. Os jornais físicos. Ele também é um grande oportunista. E viu uma oportunidade na TV. Ele nunca se interessou muito por TV. É impaciente, não gosta de ver TV. Mas ele entendeu o poder único da televisão. E acho que o que mais aprendi com ele, ou com a forma como pensa, foi que ele age de acordo com a oportunidade do momento. O mundo muda de repente aos olhos de Rupert Murdoch. Ele vê uma oportunidade e a agarra.

Marcelo Lins — Vimos o que aconteceu com a indústria da música quando a revolução tecnológica chegou e a indústria não estava preparada para ela. Acha que a TV enfrenta os mesmos riscos?
Michael Wolff —
No caso das indústrias editorial e de música, o pessoal da tecnologia também chegou dizendo: “Nós somos o futuro e vocês são o passado. E, por causa disso, têm de fazer o que mandamos, que é nos dar seu conteúdo de graça.” Com isso, as editoras e a música morreram. Literalmente. Por que fizeram isso? Por que pareceu uma boa ideia essa abordagem mais idiota possível? “Tome a nossa propriedade valiosa de graça.” Acho que isso aconteceu por conta do medo, porque nenhuma das duas indústrias tinha sido desafiada antes. Já a televisão sempre teve que lutar por espaço, desde seu início, desde os anos 1950. Houve problemas entre a indústria do cinema e da TV, entre o rádio e a TV, depois vieram o cabo, o satélite, o home theater… E ela se tornou uma indústria de negociações. Os executivos de televisão têm a má fama de serem negociadores cruéis. Eu diria que foi isso que os salvou até agora. A Netflix pagará à indústria da TV no ano que vem US$ 6 bilhões em licenciamentos. Quanto o Google paga à indústria editorial pelo conteúdo que divulga? Nem um centavo.

Marcelo Lins — Você espera ver cada vez mais fusões entre empresas digitais e empresas de TV, acha que a força da TV ainda está com as empresas históricas do setor ou acha que haverá joint ventures e iniciativas do tipo?
Michael Wolff —
Tenho certeza de que haverá. Acho que a força está nas empresas do setor. A força existe porque são empresas cujo negócio é contar histórias, é o show business. O que elas fazem é televisão. A última coisa que as empresas de tecnologia fazem é contar histórias. O ramo delas não é o show business, não são as estrelas. É muito claro que as empresas de tecnologia querem entrar na indústria da TV, e acho que elas vão se envolver em certos aspectos da indústria, mas serão dependentes… Como a Netflix, que está gastando US$ 6 bilhões, acho que serão dependentes das pessoas que sabem fazer programas e contar histórias.

Marcelo Lins — Pode-se dizer que tudo o que você falou sobre a terra dos sonhos da televisão é verdade para uma geração específica, para os mais velhos, mas talvez não seja verdade para os mais jovens, para gerações que preferem games e que aparentemente não veem tanta televisão. O que dizer a elas?
Michael Wolff —
Vale lembrar que essas pessoas também amadurecem. E, quando você amadurece, uma das coisas que procura são histórias. Nós já somos maduros e percebemos o quanto essas histórias são importantes em nossa vida. E também sabemos como elas nos dão prazer. Então eu acho que a distinção que foi feita aqui, e que foi provocada pela indústria digital, é a de que o digital é novo, é gerado pelo usuário, é engajador ou o que quer que digam… Mas acho que voltamos à ideia de audiência e tráfego. A audiência presta atenção, o tráfego passa batido.

Marcelo Lins — Pelo que viu e ouviu falar do mercado brasileiro de TV, o que acha do que está acontecendo neste mercado e das possibilidades dele?
Michael Wolff —
Eu queria ser brasileiro. Trata-se de um mercado de TV muito impressionante. Houve um momento nos EUA, há umas duas gerações, no qual a televisão era a voz mais singular e poderosa. A TV ainda é uma voz poderosa, mas não tem a singularidade que parece ter aqui. Então, eu vou ficar no Brasil.

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