Opinião

Novo CPC entrará em vigor com controvérsias sobre sua forma de aplicação

Autor

  • Guilherme Rizzo Amaral

    é doutor em Direito pela UFRGS e mestre em Direito pela PUCRS árbitro e sócio do escritório Souto Correa Advogados foi visiting Scholar na Queen Mary University of London-Centre for Commercial Law Studies.

28 de dezembro de 2015, 15h41

Mesmo antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, já se controverte sobre a interpretação de inúmeros de seus artigos. Nem sequer o próprio dispositivo que trata de sua vigência tem escapado ao debate.

O tema é da maior relevância. Para ficarmos num exemplo, basta pensar que a lei que define o cabimento de um recurso é aquela vigente à época da prolação da decisão[1].  Assim, para saber se embargos infringentes — extintos pelo novo CPC — serão cabíveis de acórdão prolatado em 16 ou 17 de março, é crucial definir se, em tais datas, estaria ou não em vigor o novo diploma.

Prevê o artigo 1.045 do novo CPC que “este código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. Sua publicação oficial se deu em 17 de março de 2015.

Não obstante, são três as posições doutrinárias a respeito do tema.

Para alguns autores, a entrada em vigor dar-se-ia em 16 de março de 2016[2]. Para outros, a entrada em vigor somente ocorreria em 18 de março de 2016[3].

Curiosamente, a base legal buscada para amparar tais entendimentos está no mesmo diploma. Trata-se da Lei Complementar 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis e que prevê, em seu artigo 8º, parágrafo 1º: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral (incluído pela Lei Complementar 107, de 26.4.2001)”.

A divergência entre tais posições está na circunstância de que, para os que entendem entrar em vigor o CPC em 16 de março de 2016, dever-se-ia converter o prazo de um ano, previsto no artigo 1.045, em 365 dias, sendo que assim o prazo da vacatio legis contar-se-ia dia a dia. Considerando que o ano de 2016 é bissexto, teríamos o esgotamento do prazo de vacância em 15 de março de 2016, e a entrada em vigor no dia seguinte.

Já para aqueles que sustentam a entrada em vigor somente em 18 de março de 2016, dever-se-ia conjugar a aplicação do artigo 8º, parágrafo 1º da Lei Complementar 95/98 com o artigo 1º da Lei 810/49, que define o ano civil e prevê: “Considera-se ano o período de 12 meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Portanto, o decurso do prazo de um ano dar-se-ia no dia subsequente ao mesmo dia no ano subsequente (17 de março) em que publicado o novo CPC, ou seja, em 18 de março de 2016.

Entendemos que nenhuma das duas posições se mostra a mais adequada.

Como visto, a celeuma toda decorre do fato de o legislador do novo CPC não ter observado a determinação do parágrafo 2º do artigo 8º da Lei Complementar 95/98, de que os prazos de vacância deveriam ser fixados em dias, e não em anos.

Não se desconhece que a doutrina[4] e o próprio Superior Tribunal de Justiça aventaram, noutras oportunidades, como solução para a divergência entre a determinação da LC 95/98 (fixação da vacatio legis em dias) e norma concreta fixando a vacatio em anos, a conversão do período de um ano em 365 dias[5]. Tal se deu, inclusive, para apurar a data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, cujo artigo 2.044 igualmente não observou o disposto na LC 95/98 e fixou a vacatio legis em um ano, em vez de 365 dias.

No entanto, os prazos em anos não podem ser contados dia a dia, não só por falta de base legal, mas pela própria aplicação da lei vigente, qual seja, o artigo 1º da Lei 810/49, que prevê “considera-se ano o período de 12 meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Também se pode cogitar da aplicação, por analogia, do artigo 132, parágrafo 3º do Código Civil, segundo o qual: “Parágrafo 3º. Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência”[6].

Ainda, como ressaltado anteriormente, o ano de 2016 será bissexto, de modo que a transformação do prazo de um ano em 365 dias traria impacto significativo na contagem do prazo (não fosse bissexto, tanto a contagem de um ano quanto de 365 dias — esta aplicando-se a Lei Complementar 95/98 — resultaria na entrada em vigor do novo CPC em 17 de março de 2016).

Entendemos, assim, inviável sustentar a entrada em vigor no dia 16 de março de 2016.

Por outro lado, não vemos como se aplicar a Lei Complementar 95/98 para interpretar o dispositivo de vigência do novo CPC e, contando-se o prazo da vacatio de um ano, atribuir a data de entrada em vigor em 18 de março de 2016. Isso porque aquela lei é concebida justamente para vacatio fixada em dias, conforme prevê o parágrafo 2º de seu artigo 8º: “Parágrafo 2º. As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’ (Incluído pela Lei Complementar 107, de 26.4.2001)”. Sendo a vacatio legis do novo CPC fixada em um ano, não nos parece aplicável o artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei Complementar 95/98.

É fato que a redação do artigo 1.045 do novo CPC não é feliz ao referir-se à entrada em vigor após decorrido um ano da data de sua publicação oficial. Melhor teria sido se adotasse a redação do artigo 2.044 do Código Civil, mais simples, que dispõe: “Este código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação” (ou, melhor ainda, se tivesse seguido a Lei Complementar 95/98 e fixado a vacatio em dias). No entanto, entendemos que essa imprecisão não deve influenciar a interpretação do referido artigo.

Assim, temos que se aplica, aqui, tanto o artigo 1º da Lei 810/49 quanto, por analogia, o artigo 132, parágrafo 3º do Código Civil, de modo que, publicado o novo CPC em 17 de março de 2015, entrará em vigor no dia de igual número no mesmo mês do ano subsequente, ou seja, em 17 de março de 2016[7].

De todo modo, dada a representatividade daqueles que sustentam posições diversas, bem como a relevância prática do tema, seria de todo recomendável que o legislador, já ocupado de reformar o novo CPC antes mesmo de sua entrada em vigor, editasse lei que resolvesse em definitivo a controvérsia.


[1] Como já expusemos em Guilherme Rizzo Amaral. Estudos de Direito Intertemporal e Processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 88.
[2] Por todos, veja-se Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo Civil Comentado. SP: Revista dos Tribunais, 2015. p. 991.
[3] Por todos, veja-se Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. SP: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2033.
[4] Maria Helena Diniz. Comentários ao Código Civil. SP: Saraiva, 2003. V. 22, p. 516; Sílvio de Salvo Venosa. Código Civil Interpretado. SP: Atlas, 2010. P. 1842.
[5] Vide REsp 1038032/RJ, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 19/10/2010, DJe 24/11/2010 e AgRg no AREsp 707.784, relator ministro Mauro Campbell Marques, decisão monocrática proferida em 05/11/2015 e publicada em 10/11/2015.
[6] Em interessante artigo, Luiz Henrique Volpe Camargo defende, assim como nós, a entrada em vigor no dia 17 de março de 2016, porém com fundamentos distintos. No entanto, o autor chama a atenção para acórdão em que o STJ claramente estabeleceu que “os dias são dias, os meses são meses e os anos são anos, independentemente da quantidade de dias que tenham” e que, por essa razão, “a contagem dos meses pelo calendário comum significa dizer que o prazo de um mês tem início em determinado dia e termina na véspera do mesmo dia do mês subsequente” (REsp 116.041/BA, relator ministro Vicente Leal, 6ª Turma, julgado em 22/09/1997, DJ 20/10/1997, p. 53144). Tal precedente conforta a tese esposada em nosso artigo.
[7] Como, aliás, foi anunciado nos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal quando da sanção do novo CPC: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/483606-SANCIONADO-NOVO-CODIGO-DE-PROCESSO-CIVIL,-QUE-ENTRA-EM-VIGOR-DAQUI-A-UM-ANO.html; http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/20/novo-codigo-de-processo-civil-abre-portas-para-uma-justica-mais-agil-e-descomplicada. É sintomático, ainda, que no Projeto de Lei do Senado 414, cujo objetivo era semelhante Projeto de Lei da Câmara 168, de 2015 (reformar o novo CPC no tocante ao juízo de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial), previa-se de forma expressa, no artigo 2º: “Esta lei entra em vigor na data de 17 de março de 2016”. O Projeto de Lei da Câmara 168 foi aprovado no Senado e vai à sanção presidencial com a seguinte redação: “Artigo 4º Esta Lei entra em vigor no início da vigência da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”. A entrada em vigor em 17 de março de 2016 também foi referida no site oficial do Superior Tribunal de Justiça (http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/%C3%9Altimas/Novo-C%C3%B3digo-de-Processo-Civil-amplia-efeitos-do-recurso-repetitivo). De nossa parte, já sustentamos em outra oportunidade a entrada em vigor do novo CPC no dia 17 de março de 2016 (Comentários às Alterações do Novo CPC. SP: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.077).

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