Processo Familiar

Fundamental direito de amar e ser amado deve valer de qualquer maneira

Autor

  • Giselle Câmara Groeninga

    é psicanalista doutora em Direito Civil pela USP diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família professora da Escola Paulista de Direito.

27 de dezembro de 2015, 12h35

Spacca
A família posa no porta retrato das redes sociais compartilhando a desejada felicidade que reflete muito do que se quer ser, ter e mostrar. Da família arrumadinha pelo autoritarismo, presa na moldura dos desbotados retratos em branco e preto (e para quem conhece, nos negativos todos pareciam caveiras…), agora é a vez das lentes das expressões dos sentimentos — o que dá sentido e colore as relações.

Expressões que despertam nos voyeurs, por vezes, a idealização e mesmo a sensação de exclusão e até de inveja. Dinâmica própria das redes sociais, também, mas felizmente não só, permeadas pelas relações de consumo.

E, de um modo ou de outro, as famílias que nas redes exibimos também disseminam o sagrado ideal da família. Mas, sem mais, com o aval do direito, sacralizar algumas famílias e excomungar outras para resguardar tal ideal. E, progressivamente o ideal abriga o plural e o real.

Tal evolução não se deu sem o sacrifício das famílias que passaram, e passam, pelo calvário das demandas judiciais, e que com o sofrimento em carne viva acabam por criar jurisprudência e modificar a legislação. Uma luta pelo direito em verem reconhecidos seus direitos individuais e, em última instância, o direito mais fundamental — o de amar e ser amado.

E nesta demanda dos direitos a ter este direito, do direito a ter e ser em família, três eixos se entrecruzam. Um diz respeito à conjugalidade, nos divórcios, mas também quanto às uniões, inclusive dos direitos a transcender o sexo e o gênero.

Outro diz respeito a amar o que transcende à própria vida — as relações materno e paterno filiais. E, ainda outro, diz respeito ao direito a ter mãe e pai, e à parentalidade — o direito a ter um casal de pais que cumpra a responsabilidade que, por definição, é compartilhada. Eixos do direito a ter e ser em família o que inclui, em segundo plano, também o horizonte dos avós na inserção genealógica que forja as famílias.

Eixos todos pautados pela igualdade e pelo reconhecimento dos estados — mãe, pai, filho, avós, e das diferenças. Diferenças que também se pautam pelas formas de expressão dos afetos. 

A imagem do fogo sagrado a ser mantido nos lares, desde os romanos, hoje metaforicamente tem o sentido de manter o amor a despeito de todos os outros sentimentos que também integram a vida familiar. E o direito de que tratamos é o de amar e ser amado.

E quase que num ato falho conceitual, falamos hoje no direito ao afeto, confundindo-o com o amor. Mas, não devemos esquecer que no dito direito ao afeto está incluído o direito não só ao amor, e suas diversas formas (feminino, masculino, o que transcende o gênero, o de mãe, o de pai, o de filho, o de avós) e ao seu inverso — a indiferença —, e o direito a se separar, mas todos os outros sentimentos, não só de amor, que pautam o cotidiano da expressão dos afetos na família.

Por incluir a vivência real e cotidiana da família , esclarecedor é pensar que o direito ao afeto abriga, na verdade, sentimentos não tão nobres como o amor e a solidariedade, e outros não tão sagrados como a agressividade, as raivas e mesmo ódios.

E o direito ao relacionamento familiar e convivência trata do direito a vivenciar, na segurança do amor que deve prevalecer nos sagrados laços familiares, também esta outra gama de sentimentos.

É esta a segurança que nos traz a família: o direito a ser sujeito e a assujeitar-se às nuances de sentimentos que traduzem também conflitos, desavenças, diferenças, mantendo a continuidade do amor. E tudo isto a despeito de mudanças na configuração do casal que dá origem à família, garantindo o lugar e o exercício da função de cada qual — mãe, pai, filhos.

As famílias que vivemos no cotidiano das demandas judiciais são diferentes das exibidas nas redes sociais, bem o sabem aqueles que acompanham as tristes cores dos sentimentos de mães, pais e crianças em verem reconhecidos lugares, funções e direitos.

E a função do direito em dar a cada um o que é seu demanda agora que se considere o direito ao afeto. Afinal, é desta matéria prima que se formam e têm continuidade as famílias.

O ano de 2015 foi um ano pautado por discussões que, de forma geral, envolvem o afeto e sua expressão em sentimentos. Não são questões novas, mas as lentes agora são outras, sensíveis à outras cores.

Este foi um ano de diversidades em que a multiparentalidade, uniões poliafetivas, e mesmo a monogamia foram colocadas em discussão. São, é verdade, exceções e talvez excessos em apaixonadas discussões que balançam o que acreditávamos serem alicerces de nossa cultura. E estes são questionamentos que estão por vir. Do meu ponto de vista, são discussões que tendem, como tantas já havidas, a fortalecer ainda mais a família e, sim, em suas formas plurais.

E, num balanço deste ano, acredito que foi a guarda compartilhada que ocupou de forma consistente, mas não uniforme, o centro das discussões.

Fruto de desdobramentos do declínio da autoridade, e autoritarismo, exercida com exclusividade pelo pai de família, dos desdobramentos do movimento feminista e, também, da revolução trazida pelo direito ao afeto reivindicada pelos pais, a dinâmica do exercício do poder familiar tem, felizmente, se modificado.

Antes de mais nada, a importância da função paterna está não só na imposição de limites, inclusive quanto ao poder afetivo muitas vezes indevidamente exercido pelas mães, sobretudo quando pretensamente suficiente para a criação dos filhos, com a alienação das funções, mas também, e sobretudo, nas possibilidades de expressão dos afetos, dos sentimentos que contemplem o poder afetivo paterno.

Verdade que a guarda compartilhada representa um antídoto quanto à alienação parental, tanto dos pais como das próprias mães, mas, sobretudo, ela representa um antídoto contra o abandono afetivo na medida em que reconhece a importância do poder afetivo exercido pelos pais.

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    é psicanalista, doutora em Direito Civil pela USP, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família, professora da Escola Paulista de Direito.

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