Retrospectiva 2015

Em meio a instabilidade, ano foi ativo no setor de fusões e aquisições

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23 de dezembro de 2015, 6h24

O ano de 2015 começou impregnado de pessimismo. No ano anterior, as previsões mais negativas para a economia do país tinham se materializado e terminamos o ano com um aumento do Produto Interno Bruto de 0,1% e uma percepção de que o ano de 2015 seria de recessão. Uma inflação crescente, os altos juros e um persistente déficit fiscal reforçavam a falta de confiança e o sentimento geral de que o ano que se iniciava seria pior do que o que passou. O resultado da eleição presidencial recém-concluída contribuía para esse ambiente e poucos acreditavam que o governo iria mudar radicalmente e corrigir os erros que tinham levado a economia do país àquele estado.

Nesse momento, os profissionais da área de fusões e aquisições se perguntavam o que fariam ao longo do ano, já que um cenário de incerteza e baixo crescimento costumam impactar negativamente o ambiente de negócios. Foi então que o governo surpreendeu a todos e nomeou para o Ministério da Fazenda o senhor Joaquim Levy, professional identificado com a linha ortodoxa da economia e um especialista em controle de gastos. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma sinalizou que iria preparar um pacote de corte de gastos visando equilibrar o déficit fiscal, que vinha alimentando a inflação, o aumento dos juros e o endividamento público.

Como observamos ao longo do ano, muito do que foi prometido acabou não se materializando mas, aparentemente, serviu para alimentar uma certa esperança nos empresários e investidores de que as coisas poderiam melhorar no médio prazo. A impressão que ficou é que o governo, ao ser pressionado pelo Tribunal de Contas da União, finalmente percebeu que precisava mudar a forma como vinha gerindo as finanças públicas. Os sucessivos rebaixamentos pelas agências de rating também funcionaram como um choque de realidade e forçaram o Governo a reduzir seus gastos.

Em paralelo, a depreciação acentuada do real em relação ao dólar nos meses anteriores e a desvalorização persistente das ações brasileiras (naquele momento o Ibovespa estava na casa dos 48 mil pontos) deixaram os ativos brasileiros em preços bastante atrativos, especialmente para investidores estrangeiros, criando uma série de oportunidades interessantes de investimento. Foi surgindo então um sentimento de que era o momento certo para comprar. O fato de que vários fundos de private equity tinham acabado de concluir um ciclo bem sucedido de captação de recursos reforçou a pressão compradora.

Este movimento ganhou força principalmente em investidores que já tinham uma longa experiência de fazer negócios no Brasil e já tinham passado por crises anteriores. Tinham, portanto, a percepção de que a economia do País continuava bastante dinâmica e diversificada e o mercado consumidor estava entre os maiores do mundo. Tão logo o país emergisse da crise política e desatasse os nós que estavam travando a economia, as possibillidades de retorno para seus investimentos seriam altas.

Do lado vendedor, uma conjunção de fatores, incluindo a recessão da economia brasileira, a crescente restrição do crédito bancário e uma bolsa de valores praticamente fechada para ofertas de novas companhias, contribuiu para aumentar a oferta de empresas à venda e destravar o ambiente de negócios.

Reforçando esse quadro, veio a operação “lava jato” que deixou em dificuldades financeiras as maiores construtoras do país, obrigando-as a colocar à venda vários de seus negócios não relacionados às operações objeto das investigações, especialmente nos segmentos de infraestrutura. Esse processo afetou igualmente toda a indústria de petróleo, especialmente a Petrobras, que optou por vender ativos para reforçar seu caixa.

Essa combinação de fatores resultou em um ano surpreendentemente ativo em operações de fusões e aquisições e bastante diversificado, que incluiu uma série de operações envolvendo companhias abertas e ativos em diferentes segmentos. Entre as indústrias que despertaram maior interesse dos investidores estão o setor de saúde, de educação, de energia, de infraestrutura, de varejo e de tecnologia.

Alguns exemplos de operações envolvendo companhias abertas estão a venda da divisão de cosméticos da Hypermarcas para a multinacional francesa Coty, a venda do controle da Abril Educação para a Tarpon e a aquisição indireta do controle da Providência. Vimos ainda as aquisições de controle da BHG pela GP Investimentos e a aquisição do controle da Tempo pelo Carlyle.

A queda no preço das ações estimulou ainda uma tendência de operações de fechamento de capital de companhias abertas, como a Souza Cruz, a BR Properties e a Tereos. Muitas dessas ofertas desagradaram os acionistas minoritários, pois aproveitavam um momento atípico de baixa das ações para retirar a companhia do mercado. Em consequência, disputas envolvendo acionistas minoritários dessas companhias foram levadas à Comissão de Valores Mobiliários, o que resultou em atrasos desses processos, mas não impediu que as ofertas fosse concluídas com sucesso.

Os fundos de private equity estiveram bastante ativos, especialmente no setor de saúde, como demonstram a aquisição da Rede D’Or pelo Carlyle e o investimento do Advent no Laboratório Fleury. Outros setores, como tecnologia, também atraíram a atenção dos fundos, como ocorreu na venda da empresa de torres de celular T4U para o fundo americano Blackstone.

Mais recentemente, a venda da Alpargatas pela Camargo Corrêa para a J&F confirmou a percepção de que a dificuldade financeira das empresas brasileiras de construção em decorrência da operação Lava Jato forçou o processo de venda de empresas bastante atrativas. A venda de ativos hidrelétricos da Triunfo para a chinesa Três Gargantas foi parte da mesma tendência.

Já a Petrobras, que já vinha com problemas de caixa por conta do subsídio da gasolina, dentre outros fatores, se viu no meio de uma tempestade por conta da operação “lava jato”,  que a obrigou a reconhecer grandes perdas em seu balanço. Em consequência, a administração da companhia iniciou verdadeiro processo de liquidação visando a reforçar o caixa da companhia e permitir a redução do seu elevado endividamento. Dentre as operações anunciadas estão a venda de 49% da Gaspetro para a Mitsui e a tentiva de venda de participação minoritária na BR Distribuidora.

No setor elétrico, a combinação de um marco regulatório estável com preços elevados da energia, fruto das secas recorrentes dos últimos anos, atraiu um grande número de investidores estrangeiros interessados nos ativos de geração, especialmente na área de energia renovável, incluindo usinas eólicas, solares e PCHs. Um exemplo dessa tendência foi a operação envolvendo a SunEdison, Inc., líder mundial no setor, e a Renova S.A., líder brasileira. A operação foi inovadora, pois envolveu a troca de ações da SunEdison, empresa aberta americana, por ações da própria Renova e ações das empresas operacionais.

Na área de educação, apesar dos problemas resultantes da redução dos recursos disponíveis para o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), notamos uma movimentação bastante intensa envolvendo a aquisição de universidades, escolas e cursos de linguas, sendo a mais recente a aquisição do IBMEC pela americana Devry.

Nesse ambiente extremamente dinâmico, o desafio para compradores e vendedores era equilibrar a atratividade das oportunidades com os riscos envolvidos. A grande oscilação da moeda americana frente ao real foi motivo de preocupação nas operações que envolviam investidores estrangerios e mecanismos contratuais tiveram que ser concebidos para reduzir os impactos negativos de uma grande oscilação no resultado das operações. Nesse contexto, o pagamento escalonado do preço foi um mecanismo bastante utilizado.

Os problemas enfrentados pelas empresas de construção representavam ao mesmo tempo uma oportunidade e um risco, já que os compradores receavam adquirir ativos potencialmente contaminados pelos passivos resultantes das investigações em curso. Isso levou os profissionais envolvidos a realizarem uma análise profunda dos potenciais impactos da nova legislação anticorrupção brasileira e a da abrangência da FCPA americana. Grande ênfase foi dada também às auditorias legais, que ganharam o reforço de escritórios estrangeiros e empresas de investigação. No final, a impressão que ficou é que a incerteza quanto à possibilidade de passivos relacionados à legislação anticorrupção virem a contaminar outras empresas do grupo acabou impedindo a conclusão de alguns negócios.

No âmbito das companhias abertas, um dos principais pontos de atenção foi a parte de estruturação de ofertas que garantissem um fechamento de capital bem sucedido, já que,  para tanto, é necessária a adesão à oferta pública de 2/3 das ações em circulação. Vimos ainda uma nova forma de oferta de aquisição de ações para fechamento de capital, que envolvia a criação de veículos controlados pelo atual controlador da companhia aberta e financiados por um novo investidor.

Ainda no contexto das ofertas públicas de aquisição, uma nova questão surgiu envolvendo o papel dos conselhos de administração durante o trâmite dessas ofertas: a regulamentação do Novo Mercado da BM&Fbovespa exige que membros do conselho de Administração emitam um parecer sobre a oferta em curso e sua atratividade aos acionistas. O problema é que essa regra tinha sido pouco aplicada desde sua criação, o que resultou em muita discussão sobre o conteúdo desse parecer e que tipo de assessores o conselho deveria contratar para lhe assessorar no seu processo de análise.

As tentativas de aquisição de companhias abertas com controle pulverizado esbarraram novamente nas restrições estatutárias que ficaram conhecidas como “poison pills”, que obrigam ao adquirente a realizar uma oferta pública para todos os acionistas mediante o pagamento de um prêmio. Muito se discutiu novamente sobre os potenciais impactos da exclusão dessas cláusulas estatutárias.

Na área de mercado de capitais, a alteração da Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permitiu a estruturação de um novo tipo de operação, que consiste na entrada de novos investidores em companhias abertas sem a necessidade de registro da operação com a CVM. Esta inovação garantiu celeridade e confidencialidade a este tipo de investimento.

Outra inovação legal que teve forte impacto na área de fusões e aquisições foi a alteração da legislação que impedia o controle por estrangeiros de empresas da área de saúde. A mudança nessa legislação, que passou a permitir este tipo de acionista controlador, resultou em um grande volume de operações de aquisições por estrangeiros. A área de hospitais, por exemplo, ainda está bastante pulverizada no Brasil e essa mudança na legislação deu início a um forte processo de consolidação liderado por investidores estrangeiros.

Um movimento interessante que observamos foi o aumento do número de operações de aquisições no exterior por empresas brasileiras. Com a desaceleração da economia local, as empresas brasileiras buscaram oportunidades de crescimento por meio da expansão para novos mercados.  A JBS e a Valid anunciaram aquisições nos Estados Unidos e na Europa e o Itaú continuou sua expansão pela América Latina. O BTG, por sua vez, anunciou a aquisição de um banco na Suiça.

Ao chegarmos ao final do ano, muito se especula sobre o ano de 2016. É difícil fazer uma projeção, mas pelo ritmo acelerado do final do ano, é possível que o atual ambiente favorável às fusões e aquisições perdure pelos próximos meses.

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    é sócio da área de mercado de capitais do Veirano Advogados e Robert Ellison, sócio do escritório americano Shearman & Sterling.

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