Direito Civil Atual

A Responsabilidade Civil na VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal

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21 de dezembro de 2015, 7h01

Ocorreu em Brasília, durante os dias 28 e 29 de setembro, a VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. O tradicional encontro de civilistas contou, mais uma vez, com a presença de grande número de professores, magistrados, promotores e advogados, divididos em comissões temáticas, com a incumbência de avaliar algumas centenas de propostas de enunciados enviados de todas as partes do país. 

O evento encontra-se em sua fase de maturidade. Se os participantes das primeiras edições aprovaram um número considerável de enunciados, premidos pela necessidade de urgentes encaminhamentos hermenêuticos para o novo Código Civil que acabara de ser aprovado, na última edição mostraram-se mais seletivos, efetuando profunda reflexão sobre a conveniência e real necessidade de novos enunciados.

O novo regimento adotado pela Comissão Científica, competentemente coordenada pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em muito contribuiu para essa realidade. A necessidade de um quórum qualificado para a aprovação dos enunciados nas comissões temáticas e a não publicação do nome do proponente do enunciado, fato observado desde a VI Jornada, contribuíram para a sobriedade do trabalho. Doravante, não há mais autoria pessoal de enunciado, dado que os textos aprovados resultam de discussões, emendas e supressões realizadas durante os trabalhos na respectiva comissão e, posteriormente, são ratificados em plenário.

A comissão de Responsabilidade Civil recebeu 44 propostas de enunciados para avaliar.  Destas, apenas 10 foram aprovadas, a saber:

Proposição 1.9
O dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida deste bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do referido dano, por se tratar de modalidade de dano in re ipsa.

Proposição 1.10
O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial.

Proposição 1.11
A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio.

Proposição 1.13
A responsabilidade civil do provedor de Internet pelos danos à pessoa humana nas redes sociais é objetiva, por envolver atividade de risco.

Proposição 1.19
O artigo 931 aplica-se aos produtos com periculosidade inerente em qualquer relação jurídica, independentemente de haver defeito nos referidos produtos postos em circulação no mercado pelos empresários individuais e pelas sociedades empresárias.

Proposição 1.24
A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores prevista no artigo 932, inciso I, do Código Civil, não obstante objetiva, pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor, caso o fosse a um agente imputável, seria hábil para a sua responsabilização.

Proposição 1.28
O direito de regresso previsto no art. 934 do Código Civil não se restringe às hipóteses do artigo 932.

Proposição 1.30
A responsabilidade civil tratada pelo art. 938 do CC é objetiva.

Proposição 1.36
A responsabilidade civil por dano ambiental tem natureza bifronte ou ambivalente. A indenização do dano ambiental pode assumir caráter punitivo, com finalidade pedagógica e dissuasória.

Proposição 1.43
A interpretação do art. 953, parágrafo único, do Código Civil não pode conduzir à conclusão de que a reparação extrapatrimonial exclui a material, sendo cabível a cumulação de ambas nos casos de crimes contra a honra. 

A plenária da VII Jornada de Direito Civil acabou por ratificar apenas quatro enunciados, rejeitando a maioria das propostas aprovadas pela Comissão de Responsabilidade Civil. Nem todas as reprovações da plenária ocorreram por contrariedade ao conteúdo dos enunciados, pois em algumas hipóteses o repúdio teve como causa a possível dubiedade da redação. Outrossim, outros enunciados foram afastados por representarem lições bem assentadas na doutrina e na jurisprudência, tornando despicienda a sua aprovação.

Portanto, após a votação em plenário, os únicos enunciados de Responsabilidade Civil considerados aprovados pela VII Jornada de Direito Civil foram os seguintes:

Enunciado 587
O dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida desse bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do referido dano, por se tratar de modalidade de dano in re ipsa. Parte da legislação: art. 927 do Código Civil – Da obrigação de indenizar

Enunciado 588
O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial. Parte da legislação: art. 927 do Código Civil – Da obrigação de indenizar

Enunciado 589
A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio. Parte da legislação: art. 927 do Código Civil – Da obrigação de indenizar

Enunciado 590
A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores, prevista no art. 932, inc. I, do Código Civil, não obstante objetiva, pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor, caso o fosse a um agente imputável, seria hábil para a sua responsabilização. Parte da legislação: art. 932, inc. I, Código Civil.    

Os enunciados aprovados englobam várias facetas da responsabilidade civil, como a caracterização de hipóteses autônomas de danos, modalidades de reparação de danos, critérios para quantificação de dano moral e responsabilidade por fato de terceiro.       

O primeiro enunciado garante a autonomia do dano à imagem, seguindo a linha argumentativa encontrada no enunciado 278, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, que assim dispõe, “a publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade”.

Ressalte-se que o enunciado aprovado não impõe restrição absoluta à utilização de imagem alheia, pois se proíbe apenas a utilização indevida da imagem, como já assentado pela jurisprudência pátria[1].

Apesar da condição econômica do ofendido ser critério bastante utilizado pelos tribunais brasileiros e respaldado por grande parte da doutrina, o segundo enunciado aprovado ressalta o seu caráter secundário, reafirmando, por consequência lógica, que o princípio da reparação integral, retratado no caput do art. 944 do Código Civil, detém primazia absoluta como critério de quantificação, não podendo ser colocado em segundo plano por outros critérios não positivados.

O terceiro enunciado aborda as modalidades de reparação de danos. A reparação in natura como meio natural e preferencial é consagrado em muitos países, como em Portugal[2], onde é  afastado somente quando não seja adequado para reparar integralmente os danos ou seja excessivamente oneroso para o devedor.  Em outros ordenamentos, como o espanhol[3], entende-se que existe um direito de escolha por parte do devedor, apenas relativizado pela impossibilidade fática ou excessiva onerosidade da reparação in natura, na mesma linha dos Princípios Europeus de Responsabilidade Civil[4].

No Direito Brasileiro, apesar da reparação in natura não ter uma utilização prática preponderante, a melhor doutrina aponta para a sua irrestrita consagração em nosso ordenamento, muito especialmente por intermédio do art. 947 do Código Civil atual, inclusive para os casos de dano extrapatrimonial[5]. Portanto, o enunciado é bastante útil para chamar a atenção da doutrina e de jurisprudência nacional para as amplas possibilidades de reparação específica ou in natura[6].

Por último, o quarto enunciado aprovado pela Comissão de Responsabilidade Civil da VII Jornada de Direito Civil aponta para a necessidade de se avaliar de forma adequada a conduta causadora de danos por parte de filhos menores, na esteira de grande parte da doutrina brasileira[7]. Como lembra Mariano Yzquierdo Tolsada, citando Fernando Pantaleón, não seria lógico que os pais tivessem que responder por um ato objetivamente diligente de seu filho ou  responder por um ato que, se praticado pelos próprios  pais, não geraria o dever de indenizar[8].

A riqueza e a pluralidade dos debates realizados pelos integrantes da VII Jornada de Direito Civil, na parte de Responsabilidade Civil, produziu os enunciados comentados, cumprindo a sua missão de oferecer caminhos seguros para a aplicação jurisprudencial do ordenamento jurídico nacional e consagrando esse evento como um dos mais importantes em nosso país.

* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).


[1] Confira-se o recente REsp 1.432.324/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 04.02.2015.
[2]MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito  Civil português. Coimbra: Almedina. 2010. v. 2, t. 3.P. 724 e seguintes. 
[3] Essa é a lição recente de YZQUIERDO TOLSADA. Mariano. Responsabilidad Civil Extracontratual: Parte General. Madrid: Dydinson. 2015. p. 564
[4] Art. 10:104. Restoration in kind Instead of damages, restoration in kind can be claimed by the injured party as far as it is possible and not too burdensome to the other party.
[5]SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral: Indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 37 e seguintes.
[6] Excelente exemplo de reparação in natura foi talentosamente explorado por Rodrigo Xavier Leonardo, nesse mesmo espaço, quando comentou sobre a recente lei 13.188/2015.
[7] RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade  Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.106
[8] YZQUIERDO TOLSADA, 2015, p. 281

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