Opinião

Teoria da confiança restringe vícios de consentimento em contratos

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20 de dezembro de 2015, 13h00

A tecnologia da inteligência artificial não é apenas objeto de ficção cientifica e já é amplamente adotada em diversos campos de atuação humana na atualidade. Nesse contexto, o seu uso no campo negocial implica relevantes reflexos no campo do direito, sendo certo que a ausência de soluções legislativas específicas para tratar dessas situações no direito pátrio torna imperativo interpretar essas novas situações à luz da legislação vigente.

Constata-se, na investigação promovida sobre os reflexos do emprego de sistemas de inteligência artificial nos contratos, que a formação desses por meio eletrônico já foi objeto de ampla análise, tanto na doutrina pátria como na estrangeira, havendo razoável consenso sobre o seu conceito, forma, consequências do controle de conteúdo, regramento aplicável, as especificidades envolvendo a proposta e aceitação, os casos em que há contrato entre presentes e aqueles quais a contratação se dá entre ausente, o local de formação contrato e como ele é provado.

Dessa forma, a crescente popularização de tecnologias digitais, especialmente do uso de computadores e aparelhos pessoais de processamento de dados (laptops, smartphones, tablets, etc.), aliada à consolidação no âmbito doutrinário e jurisprudencial do uso do contrato eletrônico como instrumento fundamental para a expansão da aplicação comercial dessas tecnologias, estabeleceram as bases para a introdução e aceitação da inteligência artificial no âmbito da formação dos contratos.

Contudo, a inteligência artificial representa tecnologia especial em relação à automatização existente anteriormente, uma vez que causa ruptura da previsibilidade entre o que é programado e os resultados da autuação desse sistema. Enquanto a automatização tradicional significava apenas a programação prévia de possíveis alternativas e as respectivas condutas a serem adotadas caso ocorressem os eventos antevistos, o sistema de inteligência artificial implica ruptura dessa previsibilidade, na medida em que é programado para alcançar determinados objetivos e, para esse fim, é capaz de aprender com novos fatos e propor soluções diferentes.

Dessa forma, em razão dessa especialidade, nos casos em que o contrato é formado por meio do uso de sistemas dessa natureza, denominou-se a declaração de vontade de “declaração de vontade eletrônica”. Ocorre que essa especialidade da tecnologia da inteligência artificial causou dúvidas na doutrina estrangeira acerca do melhor regramento a ser aplicado à declaração de vontade eletrônica, debatendo-se sobre a aplicação de teorias subjetivas ou objetivas do negócio jurídico, bem como propondo soluções legislativas pouco ortodoxas, como a atribuição de personalidade jurídica a esses sistemas.

Contatou-se, no entanto, que grande parte dos questionamentos poderiam ser resolvidos por meio da aplicação da análise estrutural do negócio jurídico aos contratos formados por meio de uso se sistemas de inteligência artificial. Assim, ao se analisar o negócio jurídico formado por meio de declaração de vontade eletrônica, há que se examinar, primeiramente, o plano de existência de negócios jurídicos, para depois se passar ao estudo do plano de validade e, por fim, o da eficácia.

No que tange ao plano da existência, a análise se focou na ampla difusão e adoção de equipamentos de processamento de dados, e no crescente uso de contratos eletrônicos – inclusive no âmbito do mercado consumidor -, os quais levaram à plena aceitação de declarações de vontade realizadas meios eletrônicos, independentemente de perquirições sobre a formação da vontade da parte. Consequentemente, existe o reconhecimento social de que a declaração de vontade eletrônica possui efeito jurídicos, concluindo-se que nos casos envolvendo a formação de contratos por meio de sistema de inteligência artificial os elementos constitutivos da existência no negócio jurídico – tanto os intrínsecos quanto os extrínsecos – mostram-se presentes.

Na análise do plano de validade desses negócios, foi possível constatar que o código Civil de 2002 adotou a teoria da confiança no que tange ao negócio jurídico, razão pela qual o escopo de aplicação dos vícios de consentimento mostra-se mais restrito. Não obstante a maior restrição a sua aplicação, constatou-se que os institutos do erro e do dolo podem ser aplicados em casos envolvendo os sistemas de inteligência artificial. Assim, muito embora parte da definição do objeto do contrato seja feita por meio de sistema automatizado, o regramento vigente não impõe como condição- assim como ocorre no caso da coação e da lesão – que a vítima do erro ou da coação seja uma pessoa.     

Ademais, tendo em vista que o Código Civil de 2002 adotou a teoria da confiança, mais do que tutelar a vontade interna do declarante, os institutos do erro e do dolo visam a garantir o equilíbrio contratual, de forma que há casos em que se vislumbra a possibilidade de anulação de contratos formados por sistemas de inteligência artificial, uma vez que esses sistemas podem ser vítimas de erro ou dolo, segundo o regramento vigente desses institutos.

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