Desequilíbrio no processo

Ao focar em acusações, imprensa exerce poder punitivo do Estado, diz Nilo Batista

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19 de dezembro de 2015, 5h42

O interesse pelo crime não é novo, mas, pelo processo, parece ser recente. O advogado e professor de Direito Penal Nilo Batista, ex-governador do Rio de Janeiro, conta que até a Idade Média, o “espetáculo” era a execução da pena: degolamentos, castrações, amputações, chibatadas, entre outros castigos físicos e humilhações públicas. Já no capitalismo moderno, como a pena passou a ser a reclusão, que é sempre igual, longe dos olhos do povo e diluída em vários dias, o interesse “migrou” para o processo de formação de culpa.

Esse interesse fica claro quando contabilizamos que um terço das manchetes dos três maiores jornais do país na última semana (Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo) foram sobre processos judiciais (envolvendo políticos). De busca e apreensão na casa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o rito de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O que pode ser visto como uma maior transparência do Judiciário, também traz a preocupação de os processos estarem se desenvolvendo pela imprensa, em vez de nos tribunais.

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Já que o processo passou a se desenvolver na imprensa, ele precisa ter garantias nela, diz criminalista Nilo Batista.
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Estudioso do assunto, Nilo Batista vê claramente um problema: “Como há casos em que todo o processo se desenvolve pela mídia, era preciso exigir as mesmas garantias do Judiciário: observância do contraditório e direito à ampla defesa”.

O exemplo mais gritante do problema apontado são os programas policiais exibidos de tarde em canais abertos de TV. Não é raro que suspeitos e indiciados sejam exibidos para as câmeras dentro de delegacias e achincalhados pelos apresentadores dos programas. “Está no inciso XLIX do artigo 5º da Constituição que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, mas acho que nenhum membro do Ministério Público liga a TV à tarde, já que eu nunca vi irem contra isso.”

Ele explica a disparidade entre o tratamento dado pela imprensa e o dado pela Justiça: “Quando vão interrogar um acusado na delegacia, são obrigados a explicar que ele tem direito a um advogado e que ele pode permanecer em silêncio. Já em frente às câmeras, o repórter coloca um microfone na frente daquela pessoa sem qualquer explicação, de forma que ela pode dizer ali uma frase que a comprometerá pelo resto da vida”.

O princípio da publicidade do processo não pode se confundir com o “direito à abelhudice”, diz o criminalista. A publicidade, explica, é um direito do acusado, não do público em geral. Serviu para combater os processos fraudulentos, intermináveis e sigilosos, onde o réu não consegue se defender por não conhecer bem a acusação.

Ao divulgar acusações com mais peso do que as defesas e formar a convicção da população contra os réus, a própria imprensa está exercendo um poder punitivo, segundo Nilo Batista, que, a princípio, é um poder do Estado. “Mas ninguém votou na mídia. Esse poder não foi concedido a ela pela população”, reclama.

Um dos resultados desse apreço pela acusação é o aumento do apelo por punições mais duras. Crítico da criminalização como solução, Batista alerta: “A história mostra que o fascismo avança pelo sistema penal e por ele se implanta”.

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