Senso Incomum

Que o mundo foi e será porquería, ya lo sé... Mas dá tudo no mesmo?

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17 de dezembro de 2015, 7h00

Spacca
Caricatura Lenio Luiz Streck (nova) [Spacca]Abstract: A coluna trata da (in)tolerância e usa como pano de fundo um tango argentino feito em 1934. Uma das frases do tango está no título. E, no fundo, a coluna é uma ironia profunda com Pindorama. Tudo o que estamos passando…

Um filósofo liberal (por favor, não vamos brigar com — e por causa — [d]esse epíteto, porque, como verão na sequencia, a coisa começa por aí) como Karl Popper disse:

"A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, então, os tolerantes serão destruídos, e a tolerância juntamente com eles. […] Devemos, portanto, em nome da tolerância, reivindicar o direito de não tolerar os intolerantes.” "

Esse enunciado de Popper serve para muitas coisas. Penso que pode ser aplicado às relações entre articulistas da ConJur e os leitores. E aos frequentadores das redes sociais. E às relações entre os poderes da República.

Vamos lá, então. Os artigos e as colunas da ConJur não devem ser o espaço para o extravasamento da intolerância dos leitores. Devemos defender os articulistas do ataque dos intolerantes. Críticas podem ser feitas de forma respeitosa. E, mais: se o articulista-colunista escreve sobre “fazendas”, não ponha comentários sobre igrejas, sexo, automóveis ou impeachment. E também não faça comentários sobre “roupas”, porque leu rapidamente e achou que o escrito era sobre outro tipo de… fazenda.

Com efeito, lendo as colunas e artigos publicados na ConJur constato uma coisa simples e prosaica: não importa o conteúdo do que se escreve. O que importa é o ódio de uma parcela de leitores que goza com a raiva contra os colunistas. Há um tipo de leitor que fica esperando algumas colunas para… gozar. Como a raposa no Pequeno Príncipe: se tu vens as quatro da tarde, desde as três sou feliz… Algo como “desde quarta à noite já sou feliz porque gozarei na quinta a partir das oito”. Li um comentário à coluna de Jacinto Coutinho do último sábado e fiquei pensando: quem é o fulano-comentador que se arvora no direito de dizer que o texto de Jacinto é falacioso ou outros adjetivos? Lendo a coluna de Ingo Sarlet dia desses, verifiquei que um leitor disse que atiraria fora os livros de Sarlet. Poxa. Por que esse ódio na internet?

Poucos suspendem os seus pré-juizos. Escrevem a partir do seu senso comum mais comum possível. Alguns se escondem atrás de acusações genéricas aos colunistas. Li na última semana um comentarista insinuando inópia ou apedeutice do colunista (ou dos colunistas da ConJur), algo como “oh, como eu sei as coisas e os colunistas da ConJur são burros; que injustiça eu não estar nesse rol”). Meu conselho ao “pedeuta” (sic) já que os colunistas são Apedeutas: Mande uma carta para o Papai Noel pedindo uma coluna de presente.

Veja-se o nível: No artigo em que escrevi com Cezar Bitencourt, um comentarista, para esculhambar com o que escrevemos, fez uma ode à China e o fato de que lá, há dias atrás, tinham executado um corrupto com um tiro na cabeça. Para o comentarista, assim é que se combate a criminalidade. Viva, não? Quem sabe adotamos isso em Pindorama?

Alguns comentaristas se especializaram em hate speeches. Por exemplo, a coluna de Jacinto deveria ser recortada e colocada nas portas dos fóruns e tribunais de Pindorama. Mas, não. É objeto de preconceitos e de um discurso de várzea que cai na dicotomia bem pindoramense: ou você é petista ou você e anti-petista. Quanto desperdício de energia. Deveriam ler livros. Sim. Ler é uma atividade interessante. Na minha página do face, um leitor escreveu acerca de meu comentário sobre a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin (voto aberto): chamou a ambos (Fachin e a mim) de petralhas. Genial, não? Grande comentário. E se Fachin mudar o voto? Ele se torna um coxinha?

Com relação à coluna que tratou do TCC e o tal “direito dos manos” (sic), ocorreu a mesma coisa. Na verdade, a coluna foi um teste. As colunas sofisticadas sobre temas reflexivos não chegam a mil recomendações ou 3 mil acessos. Esta sobre o TCC recebeu mais de 9 mil recomendações e mais de 18 mil acessos. Que tal? O que interessa mais aos leitores, afinal? Não, não é preciso responder. A pergunta foi retórica.

Haters gonna hate
Cada semana se repete a ladainha da raiva. O leitor Alexandre (que na verdade, inspirou-me a escrever este texto) foi no âmago da coisa, ao escrever “haters gonna hate”, verbis: Acho que é esse o espírito de alguns comentaristas aqui, que acham que faz sentido um TCC feito em 4 dias cujo, segundo a própria autora, reflete posicionamento de matérias de jornais e revistas”. O leitor Victor do Nascimento disse: “Até aqui Fla-Flu?: A principio, já achei bastante assustadora a notícia sobre o TCC, denunciado pelo Profº Streck. Mas, quando tive a curiosidade de ler os comentários, o episódio do TCC deixou de parecer tão grave, na medida em que foi superado pelas substanciosas ponderações prestadas em alguns comentários. Como um artigo tratando sobre a má-qualidade do ensino jurídico — ilustrado pelo TCC que foi aprovado "com louvor" — em nossa querida pátria educadora ganhou esse viés político? Essa parece ser uma nova tendência, também no meio "jurídico". Bingo, Victor. Binguíssimo. O advogado Bruno Roso também chama a atenção para o que está ocorrendo, verbis: “O nível dos comentários ilustra com perfeição a crítica do Professor Lênio”. E, pronto. E, vejam: a minha preocupação com os haters vem acompanhada por vários comentários, como o de Thiago, que, corretamente, alerta para o fato de que estes (os haters) estão aumentando em número, gênero e grau. Exato, Bruno. De todo modo, homenageio aqui a leitora Lanaira, que finalizou bem o seu comentário respondendo a uma (gratuita) crítica de um promotor de Justiça: “que criticazinha”. Bingo, Lanaira. Matou a pau, sendo intolerante com um intolerante (Lanaira foi popperiana, por assim dizer). Portanto, vejam: os próprios leitores respondem aos haters.

Por favor, paremos com esse discurso de ódio. Essa várzea tem de acabar. Não queria dar razão a Umberto Eco, mas acho que ele estava certo quando disse que a internet é o lugar em que os idiotas perderam a timidez. Bingo, Umberto. Pelo menos no caso concreto, das colunas de Jacinto, Ingo e as minhas (e as do Diário de Classe). Ah: a expressiva maioria dos leitores da ConJur são militantes da área do Direito. Sofrem — e como sofrem — no dia a dia com as idiossincrasias forenses (estou sendo generoso e eufemístico). Não se dão conta — me refiro, é claro, aos epistemical haters — que, se eles fazem assim, ideologizando e flafuzando tudo, por que esperar conduta diferente de juízes e promotores nos seus processos? Claro: não quero que os leitores da ConJur ou os que escrevem nas redes sociais ajam por princípio; não há problema em fazer ações estratégicas; mas, por favor, há que colocar um mínimo de racionalidade nos dizeres. Por que ideologizar tudo?

A coluna é curtinha. Encerro com um tango composto em 1934 por Enrique Santos Discépalo, com o qual meu amigo Ernildo Stein me homenageou por ocasião de meu cumpleaños no dia 21 de novembro: “Vamos, amigo Lenio pensar juntos no teu aniversário com a musicalidade do tango Cambalache” (ouça aqui o tango):

Que el mundo fue e será / una porquería, ya lo sé. … Hoy resulta que es lo mismo / ser derecho que traidor,/ ignorante, sabio, chorro,/generoso o estafador…/ todo es igual!/Nada es mejor!/ Lo mismo un burro/ que un gran profesor./No hay aplazaos ni escalafon,/ los ignorantes nos han igualao./……Que falta de respeto,/ qué atropello a la razón! Cualquiera es un señor,/cualquiera es un ladrón…/…… Siglo vinte, cambalache/problemático y febril…El que no llora no mama/y el que no afana es um gil……..No pienses más; sentate a un lao,/que a nadie importa si nasciste honrao…/ Es el mismo el que labura/ noche y día como un buey,/ que el que vive de los otros, /que el que mata, que el que cura,/ o está fuera de la ley…1

Obrigado, querido amigo Ernildo Stein. Foi muito bom nos encontrarmos na Dacha no dia 12 último, juntamente com os meus orientandos que labutam no Dasein-Núcleo de Estudos Hermenêuticos (ver aqui a foto).

Sigamos todos na luta, sem discursos raivosos. Saludo! Vamos separar o joio do trigo. E não fiquemos com o joio. Se alguém gosta de insultar, deveria ler pelo menos um cara sofisticado sobre o assunto. Falo de um livro famoso de Henry-Louis Mencken chamado O Livro dos Insultos. Só que era um primor de crítica ao establishment e ao senso comum. Sobre a fragilidade humana e a possibilidade do erro, não dizia: o homem é um imbecil. Dizia assim: “Se a verdade é sempre mal recebida pelo homem, o erro é recebido de braços abertos”.

E para quem gosta de ficar dizendo “ah, o colunista sofistica…; ah, isso tudo é muito filosófico; ah, na prática a teoria é outra” e outras simplificações desse jaez, o mesmo Mencken tem uma frase lapidar: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. Bingo, Henry-Louis Mencken!

Post scriptum: a coluna é fechada no início da tarde de quarta; tudo o que ocorre depois não pode ser incorporado.


1 Que o mundo foi e será / porcaria, eu já sei. … Hoje dá no mesmo / ser correto e traidor, / ignorante, sábio, punguista,/ generoso ou estelionatário / tudo é igual! / Nada é melhor ! / São o mesmo um burro e um grande professor. / Não há notas ou mérito, / os ignorantes nos igualaram. /… Que falta de respeito, / que atropelou a razão! Qualquer um é um cavalheiro, / qualquer um é ladrão… /…… Século vinte, cambalacho/problemático e febril … Quem não chora não mama / e quem não engana é um trouxa…. Não penses mais; senta-te ao lado que ninguém se importa se nasceste honrado/ É o mesmo àquele que trabalha / noite e dia como um boi, / que àquele que vive às custas dos outros / é o mesmo aquele que mata e aquele que cura, / ou o que está fora da lei… 

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