Opinião

Decisões que violam precedentes judiciais dificultam o "cálculo do risco econômico"

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14 de dezembro de 2015, 5h52

Muito se tem discutido sobre a polêmica opção principiológica no novo Código de Processo Civil de uniformização jurisprudencial. Contudo, o debate não deve ser travado apenas pela dogmática processual tradicional. Outros campos do saber devem ser ouvidos nesse debate, já que o Direito não é um fim em si mesmo.

Até porque há uma triste tradição da dogmática brasileira de buscar o problema, de achar os defeitos da lei. É como se o seu papel fosse dar subsídios teóricos ao advogado que busca em determinado processo não dar cumprimento a um dispositivo legal. Em resumo, a teoria jurídica brasileira perdeu o hábito de discutir os porquês não jurídicos da criação de novas leis; entretanto, leis são produzidas a fim de resolver problemas reais da sociedade, e de não solver disputas dogmáticas. E os grandes reais problemas a serem resolvidos na sociedade são de natureza econômica e política.

No campo da Ciência Política, já foi dito que o século XXI é o século do Poder Judiciário. A política (leia-se representação parlamentar indireta) estaria se mostrando incapaz de resolver os principais dilemas sociais, e o parlamento estaria transferindo ao Poder Judiciário o ônus de sua solução, uma vez que juízes não ficariam sujeitos ao escrutínio do voto, dadas suas maiores garantias constitucionais. Eis o que muitos politólogos chamaram de “judicialização da política”. O Poder Judiciário estaria então vendo “cair sob seu colo” os mais complexos conflitos da sociedade brasileira.

Se essa radiografia é correta, o Poder Judiciário somente cumprirá sua missão se for capaz de efetivamente resolver as contendas complexas de modo igualitário (mesma regra para todos) e de modo minimamente eficiente (menor custo possível). Decisionismos individuais (assim entendimentos posicionamentos embasados em ideologia ou convencimento pessoal do juiz) em conflito com precedentes judiciais apenas serve para estimular novas ações judiciais, distorcer a regra comum que deve vigorar para toda a sociedade e aumentar o custo social com a solução do dilema.

De outra parte, a literatura de análise econômica do Direito há muito reconhece o judiciário como uma “instituição”, que é capaz que produzir regras que condicionam os incentivos comportamentais no mercado. Como dizia Coase, decisões judiciais produzem efeitos de “segunda ordem”, uma vez que, além da decisão de um conflito, criam expectativas normativas dos demais agentes econômicos. Nesse sentido, determinadas atividades econômicas serão promovidas e outras serão banidas ou desincentivadas.

E é por isso que se pode dizer que a Justiça é um bem público (desde Adam Smith), já que a decisão judicial afeta indiretamente toda a sociedade. E é justamente por esse motivo que o processo judicial (mesmo cível) é subsidiado pelo contribuinte de impostos.

Assim, o juiz, ao produzir sua decisão (norma individual e concreta) deve ponderar os efeitos que ela gerará. A decisão judicial não é, portanto, espaço para manifestações de opinião ou de ideologias.

A percepção de “politização” do Poder Judiciário brasileiro foi mensurada por Castelar Pinheiro em conhecido estudo, o que é negativo para o ambiente econômico. Nesse sentido, o juiz deve aplicar a lei e os princípios jurídicos dentro dos entendimentos já compartilhados pela comunidade jurídica, especialmente nos precedentes de tribunais superiores que servem justamente para uniformizar a interpretação da lei federal e da Constituição.

Decisões judiciais que violam precedentes de tribunais superiores afetam então a disposição de investimento dos agentes econômicos, prejudicando o ambiente de negócios, em razão da insegurança jurídica que trazem. Elas dificultam o “cálculo do risco econômico”.

Em adição, esse “decisionismo” acaba instigando (geração de incentivos) à litigância cível, dada a alta dose de subsídio da Justiça brasileira. Vale dizer, baixo é o custo de acesso e baixo é o risco de acessar o sistema público judicial. Assim, novas ações são propostas considerando a decisão judicial. Não é novidade a incapacidade do Poder Judiciário de nosso país dar conta da avalanche de processos — que aumenta a cada ano, diga-se de passagem —, gerando um estoque de casos e, portanto, um custo ainda maior para a sua solução.

Portanto, sabendo que decisão judicial (i) gera expectativas na sociedade, (ii) pode estimular ou desestimular o ingresso de novos casos, os quais (iii) impactam no orçamento do Estado e (iv) afetam o ambiente de negócios, há fortes argumentos econômicos para reforçar a principiologia do novo CPC, para além daqueles desenvolvidos no âmbito da dogmática jurídica processual. E essa principiologia pode ser observada desde já, a despeito do novo CPC ainda não ter entrado em vigor.

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