Justiça Tributária

Star Wars salva! A desordem 
também se instalou nesta República

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

14 de dezembro de 2015, 7h00

A desordem instalou-se na
República Galáctica. A
cobrança de impostos das
rotas de comércio para
sistemas remotos está sendo
contestada.

Esperando resolver a questão
com um bloqueio de
poderosas naves de guerra,
a gananciosa federação de
comércio suspendeu toda
remessa para o pequeno
planeta Naboo.

Enquanto o Congresso
da República discute
indefinidamente essa
alarmante sequência de
eventos, o Chanceler Supremo
enviou, secretamente, dois
Cavaleiros Jedi, guardiões da
paz e da justiça na galáxia,
para porem fim ao conflito…”

Spacca
Nesta semana, entra em cartaz nos cinemas a nova versão da série cinematográfica Star Wars, em seu sétimo episódio, denominado O  Despertar da  Força. Quem assistiu ao primeiro capítulo cronológico da saga (A Ameaça Fantasma) deve lembrar-se da mensagem que abria a película, acima transcrita. Tal guerra teve início quando se instalou uma disputa pela cobrança de impostos, e o Congresso era consumido por uma discussão sem fim. Parece que voltamos ao futuro, mesmo que seja na ficção.

Por aqui, só falta o Estado ceder ao Lado Negro da Força e construir sua própria Estrela da Morte. De senador Palpatine a Darth Vader, não nos faltam vilões. E não temos nenhuma Aliança Rebelde para garantir sua destruição.

Sem a ajuda de nenhum Jedi nestas plagas terrestres, resta-nos contestar a cobrança dos tributos não só porque o governo é ganancioso, mas também porque o produto de sua arrecadação não reverte em benefícios para o povo na mesma proporção. Estamos ameaçados como os habitantes de Naboo e à míngua como quem vive em Tatooine, à mercê de todo tipo de rapinagem.

A tributação deve ser razoável e justa, a cumprir o artigo 3º da Constituição: construir uma sociedade livre, justa e solidária, com desenvolvimento social  e erradicar a pobreza e a marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

No futuro de ficção científica que os filmes da série nos trazem, vislumbramos a guerra nas estrelas em busca de uma justiça proporcionada por forças esotéricas, comandadas por seres fantásticos e membros de uma ordem mística ou iniciática de cavaleiros.

Pode o leitor surpreender-se com a ligação que se faz entre o filme de ficção e a realidade tributária. Há vários pontos em comum, a começar pela figura dos baluartes da Justiça, os Cavaleiros Jedi, cujas capas esvoaçantes remetem-nos às imagens das togas dos nossos magistrados nas cortes superiores, onde a Justiça deste país se faz.

Se procurarmos em nosso passado desde muitos séculos até a nossa realidade atual, vemos uma sucessão de guerras tributárias desgastantes, sem efeitos especiais ou mágicas misteriosas, mas sempre com grandes perdas e enormes sofrimentos.

A questão mais evidente é o limite da carga tributária. Não podemos sofrer uma tributação que coloque em risco nossa capacidade de sobreviver com dignidade e com o conforto que seja proporcional aos nossos esforços.

Quando o poder público aplica uma carga além do limite do razoável, estimula a sonegação, favorece a corrupção e prejudica a prosperidade. Vale aqui lembrar Margareth Tatcher: “Nenhuma nação jamais se tornou próspera por tributar seus cidadãos além de sua capacidade de pagar” (Londres, Convenção do Partidor Conservador, 1983).

Além de uma carga tributária que nos estimule a produzir e nos afaste da vocação de Macunaíma que muitos possuímos, também é imprescindível que tenhamos um sistema fiscal eficiente, onde haja segurança jurídica.

Esse sentimento de não sabermos a regra do jogo é uma vergonha, especialmente nesta época de tanta tecnologia. Nesse sentido, pronunciou-se a então ministra do STF Ellen Gracie: “Neste país, nunca se sabe quanto tem que se pagar de impostos. E isso causa infelicidade nos cidadãos e atrapalha o crescimento" (XXI Simpósio Nacional de Estudos Tributários, 12/11/2010).

O mais recente exemplo da ineficiência de nosso sistema fiscal é o ridículo episódio das informações e emissão de guias dos encargos sociais dos trabalhadores domésticos. Chega a ser inacreditável que a Receita Federal, com todo o aparato tecnológico e humano de que dispõe, não consiga, na forma e tempo apropriados, disponibilizar meios eficazes de cumprimento de normas tão singelas. Tem-se a impressão que encarregaram estagiários semianalfabetos para implantar o sistema!

A cobrança exagerada de tributos já deu origem a muitas reações por parte dos explorados. A Inconfidência Mineira surgiu da “derrama”, quando Portugal aumentou o imposto que cobrava da então colônia de 10% para 20% (o quinto). Isso ocorreu também em colônias mantidas por outras metrópoles.

Monteiro Lobato já disse: “A história da civilização cabe dentro da história do fisco. Grandes convulsões sociais, como a revolução francesa, tiveram como verdadeira causa as iniquidades do fisco” (Monteiro Lobato em Mundo da Lua).

No Brasil, vemos que o “Congresso da República discute indefinidamente essa alarmante sequência de eventos” e perde seu tempo com assuntos sem importância, deixando de cuidar dos direitos dos contribuintes.

Até sexta-feira (11/12) foram sancionadas nada menos que 18 leis aprovadas pelo Congresso, todas elas com a única finalidade de instituir datas  comemorativas! Da série, a primeira foi a Lei 13.082, que instituiu o Dia Nacional do Humorista, e a mais recente, a 13.187, que criou o Dia da Amazônia Azul. Pintar toda a floresta de azul vai dar muito trabalho e custar muito caro. Espero que mudem de ideia. No meio disso tudo, tem a Lei 13.117, que manda comemorar em 12 de novembro o Dia Nacional da Liberdade, talvez a insinuar que todos os demais sejam de escravidão.

Na quarta-feira (9/12), o Senado aprovou o texto do PL 77/2015, que institui o Código de Ciência, Tecnologia e Inovação. Até aí, tudo bem: projeto aprovado no mesmo ano. Enquanto isso, porém, está parado na Câmara o PL 2557/2011, cujo objetivo é criar o Código de Defesa do Contribuinte. Ao que parece, nossos legisladores odeiam os contribuintes, essas pessoas que pagam seus salários e fazem o país funcionar.

Como a desordem está instalada na República, e a cobrança de impostos deve ser contestada, só nos resta a alternativa de procuramos o fim do conflito. Isso só podemos fazer perante o Poder Judiciário, já que os órgãos administrativos de julgamento fazem parte da gananciosa federação que ignora os nossos direitos. Ou então emigrar para outra galáxia, conseguir um sabre de luz e tentarmos ser um Jedi. Que a força esteja conosco!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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