Opinião

Controle externo da administração pública está evoluindo satisfatoriamente

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11 de dezembro de 2015, 6h06

Bertalanffy, no seu livro Teoria Geral dos Sistemas, e Luhmann, no seu livro Introdução ao Estudo dos Sistemas, afirmam que as ciências sociais apresentam-se como sistema tal como acontece em relação às ciências biológicas. Observe-se que tanto os objetos de ambas as ciências quanto as próprias ciências em si mesmas devem ser estudadas como conjunto de elementos e circunstâncias que se relacionam para formar um todo diverso da mera soma das suas partes.

Luhmann foi quem primeiro apresentou tal forma de pensamento como algo aplicável ao Direito e à Ciência do Direito, demonstrando a necessidade de estudo holístico (integrado), a fim de que todos os problemas ou temas fossem pensados a partir de aspectos gerais do sistema até chegar-se ao elemento querido.

Não há dúvida que a visão sistêmica não prescinde do método dedutivo, pois seria mais eficaz tratar de um tema específico de determinado ramo do Direito sem colocar à margem o seu histórico, a sua posição no Direito Comparado, nas normas de Direito internacional, na Constituição e nas normas infraconstitucionais.

O Controle da Administração Pública deve ser estudado de acordo com os preceitos acima descritos.

Mesmo antes do surgimento do État Legal ou da The Rule of Law, o Controle da Administração Pública já fazia parte de uma das funções do Estado.

Ao contrário do que pode parecer, nos regimes despóticos, havia rígido controle das contas públicas, pois o titular do interesse público, o rei ou o imperador, não tolerava qualquer desvio do patrimônio do Estado que, em última razão, existia para satisfazer as suas necessidades e desejos individuais.

Mesmo em Roma ou no Egito antigo, os governantes tinham funcionários encarregados do controle dos gastos e patrimônio públicos (gastos dos reis), portanto a ideia de controle é inerente ao surgimento do Estado qualquer que seja a sua configuração.

As tribos que, em época remota, substituíram o poder familiar como célula inicial de agregação tinham membros encarregados da verificação da gestão racional dos haveres.

Dessa forma, o Controle da Administração Pública pode ser classificado de duas formas, quais sejam, o antigo e o moderno. O antigo dispensa a existência de Estado de Direito, já o moderno somente passou a existir juntamente com as garantias apresentadas pelo État Legal.

O Parlamento da Inglaterra, desde 1215, já possuía a dupla função finalística de editar normas gerais e abstratas e de fiscalizar a administração pública de todos os Poderes instituídos. Ressalte-se que o conceito de administração pública aqui apresentado não se limita ao Poder Executivo, posto que os demais Poderes do Estado exercem como função meio a administração pública[1].

O Poder Judiciário tem como função principal aplicar a lei ao caso concreto de maneira definitiva, porém exerce como atividade-meio função administrativa. O Poder Legislativo tem como funções principais a de legislar e de fiscalizar, mas desempenha como atividade meio função administrativa. O Poder Executivo tem como atividades principais a função de governo, que decorre da máxima discricionariedade constitucional, e a função de administrar.

A outorga histórica da função de controle (fiscalização) da administração pública ao Poder Legislativo tem clara relação com a sua legitimação direta, pois os seus membros decidem de maneira colegiada e são todos escolhidos diretamente pelo povo através de sufrágio universal, consagrando-se, dessa maneira, a norma do parágrafo único do artigo 1º da CF/88. Assim, são os representantes diretos do titular do Poder estatal e do interesse público primário e secundário que exercem o controle sobre os haveres públicos.

O Poder Executivo, apesar de ser também diretamente legitimado, tem somente o seu chefe escolhido pelo povo, os demais gestores públicos são escolhidos através de sistemas meritórios ou de confiança. Portanto, o presidente da República pode exercer a discricionariedade constitucional, mas os agentes públicos inferiores, bem como as administrações públicas dos demais poderes, legitimam os seus atos com a motivação, com a legalidade e com a possibilidade de controles interno e externo.

O Poder Judiciário é indiretamente legitimado, vez que busca a sua legitimação no Poder Constituinte Originário (CF/88), na motivação das suas decisões e na participação das partes interessadas na decisão final através do contraditório e da ampla defesa assegurados no inciso LV do artigo 5º da Carta Maior.

Consequentemente, apesar da possibilidade de todos os Poderes Constituídos instituírem controles internos, as suas contas estão sujeitas, salvo em relação ao Poder Legislativo, a controle externo. Em relação às Casas Legislativas o controle externo tem natureza de controle interno, visto que os tribunais de contas fazerem parte da estrutura do Legislativo.

Observe-se que, no estado da Bahia, há situação peculiar, pois o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) são órgãos estaduais. Consequentemente, o TCM é órgão externo em relação às Câmaras de Vereadores dos Municípios baianos.

O sistema de controle externo atual é o sistema possível, não representando o sistema ideal, posto que há uma pequena falha na sua essência em relação aos atos e contratos administrativos do Poder Legislativo, qual seja, a inexistência em relação a tal Poder de controle externo extrajudicial. Não obstante, pode haver controle externo judicial limitado à legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Assim, não serão sindicáveis por órgão externo certos aspectos meritórios que, por força dos artigos 70 e 71, podem ser analisados.

Os aspectos meritórios dos atos e contratos do Poder Legislativo serão sindicados pelas Cortes de Contas, mas, como já foi dito, não se pode falar em controle externo e sim controle interno.

A primeira e mais conhecida norma que tratou de controle externo nos tempos modernos foi a do artigo 15 da Declaração de 1789. Eis o seu texto:

La sociètè a le droit de demaner compte à tout agent public de son administration.”[2]

O direito de exigir contas dos administradores públicos foi elevado a direito fundamental de primeira geração, segundo a classificação tríplice do lema da Revolução Francesa — liberté, egalité e fraternité —, e a um dos alicerces das liberdades públicas.

Adotando os ideais revolucionários, Napoleão, em 1807, criou a Cour de Compte francesa, sendo tal órgão a primeira Corte de Contas com feições atuais. Os seus julgamentos eram colegiados, os seus membros gozavam de garantias instrumentais para o bom exercício das suas atribuições e havia independência em relação aos agentes públicos fiscalizados.

Apesar do vanguardismo de Napoleão, nem todas as nações que adotam o Estado Democrático de Direito como fundamento da sua existência escolheram as Cortes de Contas como mecanismo de controle externo da administração pública.

Muitas adotaram sistemas de órgão unipessoal de controle externo, denominados Auditores-Gerais ou Controladores-Gerais, dando-lhes grande autonomia e possibilitando-lhe um controle eficaz. Exemplos: Argentina e Inglaterra.

O Brasil adotou o sistema de Corte de Contas, tendo criado um órgão pluripessoal dotado de garantias da magistratura para o bom exercício das suas funções.

O sistema de Corte de Contas, mesmo não sendo o único possível nos Estados Democráticos de Direito, revela-se mais coerente, pois o formato de colegiado permite que as decisões sejam proferidas após a reflexão de diversos membros e, por vezes, após intensos debates de convencimento que geram consenso da maioria. Ainda que não haja unanimidade, a possibilidade de divergência denota que vários pontos de vista foram expostos e considerados.

Já a decisão unipessoal pode esbarrar no subjetivismo próprio do ser humano sem que a objetividade heterônoma defendida por Kant seja devidamente preservada. O colegiado tende a indicar legitimidade, a singularidade pode ensejar desvios pessoais.

Em relação ao Brasil, a Constituição de 1824 já previa a existência de uma corte de Contas, porém estava em vigor o sistema de monarquia constitucional. O poder da daquele órgão de controle externo era extremamente limitado pela possibilidade do monarca exercer o seu poder moderador que se encontrava acima dos demais poderes constituídos.

Com os ares da República, as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e de 1988 conceberam Cortes de Contas compatíveis com os desejos populares de legitimação e independência.

A Constituição atual, nos seus artigos 70 a 75, apresenta o Tribunal de Contas da União e os tribunais de Contas dos estados, proibindo a criação de tribunais ou cortes de Contas de municípios, ressalvando a possibilidade de manutenção dos já existentes.

O Estado de São Paulo, por exemplo, tem o seu Tribunal de Contas Estadual e o município de São Paulo tem a sua corte municipal de Contas.

Ficou estabelecido que as cortes de Contas são órgãos auxiliares do Poder Legislativo. Observe-se, porém, que não há relação de subordinação, pois as Casas Legislativas e as de Contas têm competências estabelecidas na própria Carta Maior, não sendo possível avocação pelos legisladores.

Ante o exposto, nota-se que o controle externo da administração pública é, historicamente, mais um valioso instrumento de preservação do Estado Democrático de Direito e deve ser conhecido e utilizado pelo cidadão para, inclusive, representar contra qualquer tipo de ilegalidade que entrar na sua esfera de cognição.


1 COUTO, Reinaldo. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015.
2 A sociedade tem o direito de demandar contas de todo agente público de sua administração.”

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