Opinião

Estamos vivenciando o fenômeno da hipercorreção no sistema judicial

Autor

9 de dezembro de 2015, 10h10

[Editorial do jornal Folha de S.Paulo publicado nesta quarta-feira (9/12) com o título Perigos na Lava Jato]

Em outros tempos a circunstância se aproximaria do inimaginável, mas, no Brasil de hoje, representantes de variadas corporações da elite política e econômica encontram-se ao alcance das mais rigorosas decisões judiciais.

Levando-se em conta apenas o âmbito da operação "lava jato", que investiga o esquema de corrupção na Petrobras, foram presos alguns dos principais empreiteiros do país, um dos maiores banqueiros, um ex-ministro da Casa Civil e um senador da República — ninguém menos que o líder do governo nessa Casa legislativa.

Os benefícios dessa nova realidade são inquestionáveis; a diferença de peso na balança da Justiça constitui dimensão especialmente cruel da desigualdade.

Há sinais muito claros, contudo, de que está em curso o fenômeno da hipercorreção no sistema judicial. Procurando sanar uma evidente distorção, responsáveis pelas investigações e sobretudo magistrados têm incorrido em outro erro de grandes proporções.

Muitos dos investigados têm sido mantidos atrás das grades sem que exista nada parecido com um julgamento definitivo. A opção pelo encarceramento provisório, no entanto, só deve ser evocada quando a aplicação de medidas alternativas — suspensão da função e tornozeleira eletrônica, por exemplo — se mostrar incabível.

O problema, como a Folha de S.Paulo já afirmou diversas vezes, é generalizado. Em torno de 40% da população carcerária (que atualmente passa de 600 mil pessoas) não recebeu condenação inapelável.

No caso específico da "lava jato", alegações vagas sobre a possibilidade de que os réus insistam na prática dos crimes ou interfiram nas investigações têm bastado para privá-los da liberdade.

Pior: vários deles têm a prisão provisória decretada com base em simples testemunhos, que qualquer estudante de Direito sabe classificar como a mais frágil das provas.

Tais exageros não podem continuar. Vale destacar o que disse Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), em entrevista a este jornal: "Fico incomodado com esse discurso de caça às bruxas, de que corrupção deve ser combatida de qualquer forma e a qualquer preço".

Assinalando que a corrupção naturalmente precisa ser enfrentada, Botelho reiterou que "esse combate deve ser sempre feito no estrito respeito aos direitos".

É surpreendente, e no fundo preocupante, que o presidente do IDDD precise afirmar algo que a todos deveria ser tão óbvio.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!