Censura judicial

Juiz manda jornal da Flórida retirar transcrição publicada em seu site

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8 de dezembro de 2015, 9h28

Em um país que se autoproclama campeão da liberdade de imprensa, um juiz federal do Condado de Palm Beach, na Flórida, mandou o jornal Palm Beach Post remover de seu site transcrições de conversas telefônicas nas quais um preso se vangloriou de obter confissões de colegas de prisão, para passá-las a promotores e investigadores da polícia.

Em troca, Frederick Cobia, condenado por homicídio, tinha uma cela só para ele, televisão de tela plana, banheiro privado, saídas para jantar fora com investigadores e outras mordomias. Na prisão, ele se diz um jailhouse lawyer (advogado da cadeia), expressão popular para definir presos que prestam assistência jurídica a outros presos, mesmo sem serem advogado.

Nos últimos dois anos e meio, Cobia foi testemunha da acusação em 23 casos, testemunhou em dois julgamentos de homicídio e já está relacionado para testemunhar em três outros, de acordo com o Palm Beach Post e o Columbia Journalism Review. Em um telefonema, ele disse que pode testemunhar em 60 casos e planeja escrever um livro.

Em sua decisão, o juiz Jack Schramm Cox disse que Cobia tem direito à privacidade, mesmo que esteja atrás das grades. Para proteger sua privacidade, o juiz mandou o jornal retirar os trechos das transcrições das conversas que publicou e proibiu o jornal e qualquer policial, defensor público, promotor ou outra pessoa que tiver transcrições gravadas dos telefonemas de Cobia de publicá-las ou passá-las para terceiros.

Na verdade, todos os telefonemas de prisioneiros nos EUA são ouvidos e gravados, e as prisões deixam isso bem claro a todos os presos. Em muitas prisões, até mesmo as conversações telefônicas entre presos e seus advogados são gravadas. Em sua decisão, o juiz disse que “a expectativa de privacidade do preso não é absoluta, mas ela existe em certas circunstâncias”.

Curiosamente, nessa discussão, a Defensoria Pública está contra o preso, e a Promotoria, do lado do preso. Frederick Cobia iniciou seu relacionamento com a Promotoria desde seu próprio julgamento.

Na época, para obter vantagens, ele fechou um acordo de confissão de culpa e de colaboração com a Promotoria e a polícia. A acusação de homicídio de primeiro grau, que lhe renderia pena de morte, foi substituída pela acusação de assassinato de segundo grau, com pena prevista de 25 anos. Tal pena ainda poderá ser reduzida em vista da “considerável assistência” que ele vem dando à Promotoria e à polícia.

As transcrições das conversas telefônicas de Cobia foram obtidas — e passadas ao jornal — pela Defensoria Pública, porque faziam parte dos autos e já eram consideradas registros públicos. Diante desse fato, o juiz determinou que, a partir de sua decisão, todas as transcrições de telefonemas do preso passam a ser documentos sigilosos da Justiça.

A proibição do juiz deu publicidade ao caso, e a Defensoria Pública, que representa a maioria dos réus julgados com base no testemunho de Cobia, cumpriu, de certa forma, seu objetivo: desmoralizá-lo como testemunha. Afinal, como a imprensa conta a história, Cobia faz qualquer coisa para obter vantagens pessoais — incluindo, provavelmente, mentir em seus testemunhos.

A defensora pública Elizabeth Ramsey, que foi a primeira pessoa a obter as transcrições dos registros públicos, passou cópia delas a diversos advogados criminalistas da cidade.

O jornal The Palm Beach Post já anunciou que vai entrar com recurso. "E certamente vai ganhar, porque a decisão viola a Primeira Emenda da Constituição [que garante a liberdade de imprensa e outros direitos do cidadão]", disse ao Columbia Journalism Review o advogado constitucionalista Scott Ponce.

O advogado do The Palm Beach Post classificou a decisão do juiz como “censura judicial”. Para ele, “em um país em que a imprensa é livre, normalmente não se permite a juízes censurar o que é publicado nos jornais”.

O advogado Tom Julin, que se especializa em lei da imprensa, disse aos jornais que os tribunais americanos, incluindo a Suprema Corte, já decidiram repetidamente que há umas poucas situações em que o bloqueio de uma notícia se justifica. Um exemplo disso é a notícia sobre movimentação de tropas em tempos de guerra.

“Um elemento essencial é se a censura será eficaz. Como as transcrições estiveram nos registros públicos e no website do jornal por quase dois meses — e do jornal impresso nunca foram removidas —, não há como alegar que a retirada delas do exame público terá qualquer impacto”, disse.

Todas as vezes que Cobia serve como testemunha, as autoridades carcerárias têm de mudá-lo de cela ou de pavilhão. Em breve, terá de ser transferido de presídio. A segurança dele já está por conta das autoridades.

Quando for libertado, ele vai dar muita dor de cabeça às autoridades, preveem os defensores públicos. Elas terão de colocá-lo em um programa de proteção à testemunha, às custas do Estado, porque, do contrário, ele será um homem morto.

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