Papéis do Supremo

Judicialização não se confunde com ativismo judicial, afirma Barroso

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7 de dezembro de 2015, 14h50

Carlos Humberto/SCO/STF
Em Nova York, Barroso falou sobre o
STF e o papel das cortes constitucionais. Carlos Humberto/SCO/STF

Um dos papéis que o Supremo Tribunal Federal precisa cumprir é o do contramajoritário — o poder de as cortes supremas invalidarem leis e atos normativos, emanados tanto do Legislativo quanto do Executivo. No entanto, o fato de haver judicialização não se confunde com ativismo judicial.

A opinião é do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que na última sexta-feira (4/12) participou de uma conferência na New York University para discutir o papel das cortes constitucionais no mundo contemporâneo. Em quatro painéis, foram debatidas as relações entre Direito e política, separação de poderes, limites legítimos da atuação judicial, expansão das cortes internacionais e o papel das supremas cortes nas novas democracias. Alguns dos constitucionalistas mais renomados do mundo estiveram presentes, como Dieter Grimm, Mark Tushnet, Jeremy Waldron, Mathias Kumm e Lech Garlicki, entre outros. O evento era restrito a professores convidados, além de alguns mestrandos e doutorandos.

Representando o Brasil, o ministro e professor Luís Roberto Barroso sustentou que as cortes constitucionais em geral, e o Supremo Tribunal Federal em particular, desempenham três papéis distintos: contramajoritário, representativo e iluminista.

Ao falar sobre o poder de as cortes supremas invalidarem leis e atos normativos, o ministro afirmou que esse é um papel legítimo dos tribunais, notadamente quando atuam, em nome da Constituição, para protegerem os direitos fundamentais e as regras do jogo democrático, mesmo contra a vontade das maiorias. 

No Brasil, segundo o ministro, o STF desempenha esse papel com parcimônia e autocontenção. Ele observou que, apesar de o nível de judicialização no país ser elevado, o número de leis federais declaradas inconstitucionais é reduzido.

"Questões como pesquisas com células-tronco embrionárias, cotas raciais para ingresso nas universidades públicas e demarcação de terras indígenas, para citar três exemplos, tiveram o seu último capítulo perante a corte suprema, mas o fato de haver judicialização não se confunde com ativismo judicial", afirmou.

Barroso apresentou ainda uma distorção que ocorre no Brasil, onde o debate judicial tem tido mais exposição e participação pública do que o debate no Poder Legislativo. Como exemplo, citou o caso das células-tronco: "Quando a lei que permitiu pesquisas com células-tronco embrionárias foi aprovada no Congresso, houve pouco debate público e quase nenhuma visibilidade da matéria. No entanto, quando a lei foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, houve um debate nacional nos meios de comunicação e na sociedade acerca do tema".  

Papel representativo
Outra função das supremas cortes, segundo o ministro, é o papel representativo. "Isso ocorre quando atuam para atender demandas sociais que não foram satisfeitas a tempo e a hora pelo Poder Legislativo, bem como para integrar (completar) a ordem jurídica em situações de omissão inconstitucional do legislador", explicou.

Ao apresentar alguns exemplos de como o Supremo Tribunal Federal exerceu esse papel, o ministro citou a ação que proibiu a nomeação de parentes em cargos públicos. Segundo ele, apesar da ampla cobrança por parte da sociedade, as leis não foram criadas. Diante disso, o tribunal extraiu tal proibição dos princípios constitucionais da moralidade administrativa e da impessoalidade.

Outro exemplo de intervenção representativa do Judiciário diante da omissão do Congresso citado diz respeito ao direito de greve dos servidores. Apesar de prevista na Constituição de 1988, até o momento o Legislativo não aprovou uma lei sobre o tema. "Diante disso, o próprio tribunal disciplinou a matéria, mandando aplicar, por analogia, a lei que cuida do tema no setor privado, até que o Congresso finalmente venha a editar a lei."

Papel iluminista
Em sua palestra, Barroso afirmou ainda que, em situações excepcionais, as cortes constitucionais devem desempenhar um papel iluminista. "Devem promover, em nome de valores racionais, certos avanços civilizatórios e empurrar a história. São decisões que não são propriamente contramajoritárias, por não envolverem a invalidação de uma lei específica; nem tampouco são representativas, por não expressarem necessariamente o sentimento da maioria da população", explicou.

Questionado sobre quem define quais são as causas em que a razão iluminista deve prevalecer sobre os preconceitos das massas, Barroso respondeu que essa é uma competência a ser desempenhada com grande cautela, parcimônia e autocontenção.

Exemplificou, no entanto, como ilustrativa de tal atuação a decisão da Suprema Corte americana que aboliu a segregação racial nas escolas públicas e a da Corte Constitucional da África do Sul que baniu a pena de morte. No Brasil, segundo ele, insere-se nessa categoria a decisão do STF sobre uniões homoafetivas. E acrescentou que esse é, também, o fundamento que legitima a posição esboçada no Supremo em relação aos transexuais, cujo julgamento está suspenso por pedido de vista do ministro Fux, já com dois votos favoráveis (o do próprio Barroso e o do ministro Luis Edson Fachin) a que sejam tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero (inclusive no acesso a banheiros públicos). 

Singularidades do Supremo
Além de falar sobre os papéis das cortes constitucionais nas democracias contemporâneas, Barroso apresentou em sua palestra as singularidades do sistema brasileiro de jurisdição constitucional, com destaque para a ampla legitimação para propor ações perante o STF, a possibilidade de convocação de audiências públicas pelos ministros e a transmissão ao vivo dos julgados da corte.

Sobre esta questão última questão, o ministro julgou que a medida é positiva, apesar de ter como consequência alguns problemas, como o fato de os votos terem se tornado mais longos desde que os julgamentos começaram a ser transmitidos ao vivo.

"Apesar de existirem algumas desvantagens, penso que os benefícios são maiores do que as perdas. O Brasil é um país no qual o imaginário social supõe que por trás de cada porta fechada estão ocorrendo tenebrosas transações. Nesse contexto, a imagem de 11 juízes debatendo de forma intensa — e geralmente civilizada — para produzir uma solução faz bem para o sistema de Justiça em geral. O aumento da visibilidade e um certo caráter didático das sessões de julgamento faz bem para a Justiça do país", afirmou.

Clique aqui para ler as notas da palestra de Luís Roberto Barroso.

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