Opinião

É relevante o debate sobre leitura de sustentação oral na tribuna

Autor

  • Alberto Zacharias Toron

    é advogado criminalista mestre e doutor em Direito Penal pela USP ex-diretor do Conselho Federal da OAB; ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (95/96); membro fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e professor de Processo Penal da Faap.

7 de dezembro de 2015, 9h05

O Superior Tribunal de Justiça, em boa hora, ainda que não da melhor maneira, abriu uma salutar discussão sobre a questão da sustentação oral feita em forma de leitura. Muitos ministros consideram inócuo tal proceder, pois, além de enfadonho, não desperta a atenção do julgador e representa uma perda de tempo para a Corte. Prevaleceu, porém, a ideia de que não cabe ao tribunal disciplinar o modo da sustentação oral feita pelo advogado.

Mesmo que se possa dizer que não cabe ao juiz, seja do grau que for, imiscuir-se na técnica da defesa e que a culpa não é apenas dos advogados – a discussão passa pela dinâmica do julgamento – não deixa de ser, no mínimo, “interessante” refletir sobre o que o destinatário da nossa fala pensa sobre sustentar oralmente fazendo mera leitura.

E aqui, desprezados os aspectos formais sobre a atribuição de cada um na cena forense, o fato é um só: a leitura pura e simples, salvo raríssimas exceções, é cansativa mesmo para o ouvinte e não desperta a atenção de ninguém. Nossas plateias, mesmo as compostas por estudantes, não são acostumadas, como na Europa, a ouvir uma leitura. Em geral, o público brasileiro gosta do discurso vibrante, olho no olho. Juízes não fogem à regra, ainda que possam filtrar tecnicamente o conteúdo da fala do advogado e do representante do MP.

É óbvio que o advogado pode e deve, sempre que necessário, recorrer a apontamentos, como por exemplo, o conteúdo de um julgado ou do depoimento da(s) testemunha(s) X ou Y, ou mesmo um trecho da sentença ou do parecer ministerial. Aliás, antigo Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo previa que não era permitido ao advogado ler sua sustentação oral, facultada a breve consulta a apontamentos sobre legislação, doutrina, jurisprudência e algum depoimento.

O que é objeto de crítica ___ e acertada ___ é a fala da tribuna lida na íntegra. Não poucos juízes, sobretudo por já conhecerem antecipadamente o voto dos seus pares, sentem uma perda de tempo descabida. E, para não ir muito longe, nos seis anos que integrei o Conselho Federal da OAB e tive a oportunidade de presidir inúmeros julgamentos de processos ético-disciplinares na 2ª Câmara e, depois, na Turma fraccionada, também os conselheiros, advogados que são, sentiam o mesmo enfado em razão de sustentações lidas; numa palavra são, na grossa maioria, inócuas mesmo!

A bem da verdade, mesmo quando não é lida, a sustentação oral tem que ter eixo e ser bem estruturada com começo meio e fim. Do contrário, também será um desperdício de tempo e energia.

Sem embargo, o caminho para se solucionar ou minimizar o problema não está na disposição repentina e ex auctoritate judicis. O tribunal, antes de qualquer providência, deveria dialogar com a OAB. Mais do que diplomática, a via se apresenta como mais eficaz. Embora o tribunal possa, autoritariamente, querer impor regras ___o que sempre será objeto de cansativas e intermináveis discussões ___ é a Ordem quem tem legitimidade para ditar normas profissionais aos seus inscritos e, quem sabe, até mesmo junto com o tribunal, encontrar caminhos.

Nas versões mais antigas do Exame da OAB, havia a fase oral. Bancas eram compostas por advogados de renome e, em alguma medida, se poderia aferir a aptidão do candidato para defender na tribuna os interesses do seu futuro constituinte, vertido no ponto sorteado. Depois, a quantidade de candidatos aumentou muito e havia até mesmo dificuldades para se compor as Bancas de Exame. Por outro lado, alcançou-se a compreensão de que nem todo o advogado enfrentaria o dever da sustentação oral. Banida do Exame de Ordem, não há mais o menor controle de qualidade sobre a sustentação oral. Que fazer?

As dificuldades foram sentidas no próprio debate havido no STJ. O réu pobre, que contrata o advogado em geral iniciante, mais modesto e com menos recursos, vai ficar sem o direito de voz na tribuna? A solução é descabida e injusta! Vamos instituir, a exemplo do modelo inglês, um exame adicional para o profissional que desejar sustentar oralmente? Ou bancas mistas compostas por advogados e juízes, em cada Tribunal, para habilitar advogados à sustação oral? É uma ideia a se pensar, embora esbarre no direito adquirido daqueles que já prestaram o exame de Ordem e têm o direito de exercer plenamente a advocacia, inclusive com o uso da palavra da tribuna nos tribunais.

Então poderia valer daqui para frente? É uma ideia a ser discutida com calma entre os agentes envolvidos e poderia ser interessante se os mais antigos, voluntariamente, se submetessem ao exame para mostrar que não há capitis deminutio alguma em mostrar aptidão, ainda que novamente, num espírito de colaboração com o tribunal e a própria corporação; sobretudo para estimular os mais novos. Antes que me xinguem, é só uma ideia…

Pode-se até pensar em bancas mistas, compostas por juízes do tribunal e por advogados indicados pela Ordem; só não deve valer o critério da antiguidade profissional, porque nem sempre o mais velho é o melhor (falo sossegado, pois alcanço quase 35 anos de profissão). Jovens profissionais, desde que qualificados, podem ir ao Supremo ou ao Superior Tribunal de Justiça e fazer bonito. Vi isso, recentemente, no Tribunal da cidadania. Depois do voto do ministro Félix Fischer, denegando a ordem, o ministro Jorge Mussi, sem pedir vista, a partir dos argumentos lançados da tribuna pelo jovem e debutante advogado, divergiu e a concedeu.

Mas a questão da sustentação oral por parte do advogado envolve outro prisma que o próprio tribunal não pode ignorar. É que a dinâmica dos julgamentos nas cortes acaba facilitando o procedimento da leitura na tribuna. Na verdade, como falamos antes do voto do relator e nunca se sabe o que virá, a sustentação, em geral, acaba fazendo um voo de pássaro sobre as possíveis matérias a serem enfrentadas no voto.

Se tivéssemos, como na primitiva redação do art. 7º, inc. IX, da Lei 8.906/94, o direito de sustentar após o voto do relator, não haveria espaço para a leitura da sustentação. A fala da tribuna deveria ser pontual para se contrapor ao voto do relator. Este, por outro lado, teria que ter estudado bem o seu voto, pois seria pontualmente questionado e deveria, após a fala das partes, rebater o quanto dito da tribuna. Teríamos um julgamento com mais qualidade e partes, obrigatoriamente mais preparadas, inclusive o juiz.

Repensar isso também é um bom caminho para se minimizar o enfado que leituras da tribuna provocam. Diga-se, a propósito, que ouvido o voto do relator antes, muitas sustentações orais nem seriam realizadas.

Em resumo, se considerarmos que hoje, mais do que nunca, os advogados se utilizam da sustentação oral, inclusive porque não sabem se seus memoriais foram lidos, sua eficácia passa a ser central na estratégia de defesa. Assim, é preciso que a OAB pense em mecanismos de controle nessa atuação e, acima de tudo, que haja diálogo com os Tribunais para encontrarem-se caminhos fecundos para um problema espinhoso e, reconheça-se, de difícil solução.

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    é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e membro fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

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