Valor alto de honorários não é suficiente para investigar escritório
30 de agosto de 2015, 15h35
Os últimos desdobramentos da operação Lava Jato demonstram efetivo interesse na atuação dos profissionais da advocacia. Foram semanas conturbadas para a profissão, nas quais viu-se advogada renunciar a uma série de mandatos após sua convocação para depor em Comissão Parlamentar de Inquérito a respeito da origem de honorários profissionais pagos por seus clientes, que haviam se comprometido a devolver montantes desviados em acordo de delação premiada.
Em curto espaço de tempo, outra advogada foi impedida de acompanhar o depoimento de seu cliente junto à Polícia Federal, pois foi surpreendida com a informação de que também deveria depor, em decorrência de comunicação com o cliente, em tese protegida por sigilo profissional.
Na semana em que se comemorou o Dia do Advogado, a fase da operação “lava jato” ocorrida à época resultou na prisão de um advogado e no cumprimento de mandados de busca e apreensão em três escritórios de advocacia distintos, visando identificar a origem do pagamento de valores a título de honorários e o destino de tais pagamentos.
Em declaração do Delegado de Polícia Federal que atua no caso, a investigação de escritórios de advocacia é uma nova “frente a ser explorada”, tal qual empresas de consultoria, escritórios de publicidade e propaganda e empresas de fachada, responsáveis por desvios. Quer parecer que episódios como o ocorrido no dia 13 de agosto de 2015 são apenas o início.
Chama atenção o fato de o juiz federal à frente da operação, responsável pela expedição dos mandados de busca cumpridos nos escritórios, ter utilizado como fundamentação teorias e precedentes da Justiça Federal dos Estados Unidos da América.
Em outras oportunidades, examinamos como a legislação federal nos Estados Unidos a partir da década de 1970 passou a se preocupar com a utilização de valores de origem supostamente ilícita para a contratação de advogados. Mediante duas importantes leis, o Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act – RICO e o Continuing Criminal Enterprise Act – CCE, foi revitalizado o uso do confisco penal in personam como meio de punição, devido ao crescimento contínuo da criminalidade dita ‘organizada’ e a ameaça do abuso de drogas no país, bem como seu respectivo impacto na economia e na saúde pública, sob a lógica “follow the money”.
Visando expandir o uso do confisco penal, o Comprehensive Forfeiture Act – CFA foi editado com o propósito de refinar as provisões atinentes ao confisco a fim de permitir o uso deste instituto como um mecanismo efetivo de controle da criminalidade, possibilitando (i) a expedição de um mandado de confisco previamente ao indiciamento, (ii) a invalidação de transferências impróprias de bens previamente à condenação e (iii) a possibilidade de confisco de bens substitutos quando os bens originalmente sujeitos ao confisco estiverem indisponíveis.
Assim, permitiu-se invalidar qualquer transferência de bens, mesmo que anterior à condenação ou mesmo ao indiciamento, sob a ficção jurídica “relation back”, segundo a qual, por não haver título legítimo sobre a propriedade, futura (e incerta) condenação poderia desde logo retroagir para alcançar terceiros, ainda que de boa-fé, com ordens antecipadas de confisco.
Com o julgamento de dois importantes precedentes na Suprema Corte dos Estados Unidos, o casos United States v. Monsanto e Caplin & Drysdale, Chartered v. United States, se entendeu que o confisco poderia se dar até mesmo com relação a valores pagos a título de honorários de advocacia, ainda que não houvesse intenção de fraude. Por meio da ameaça de aniquilar a remuneração profissional, consegue-se manter em xeque a atuação de bancas combativas, que podem se ver forçadas a abandonar o caso. Segundo o Justice Harold Blackmun, autor do voto divergente da Suprema Corte em ambos os casos, “Se tivesse sido objetivo expresso do Congresso Nacional minar o sistema acusatório, tal como o conhecemos, dificilmente poderia ter encontrado melhor motor de destruição que o confisco de honorários advocatícios”.
É importante destacar, no entanto, que mesmo nos Estados Unidos da América, não se cogita a criminalização da advocacia, havendo expressa previsão, por exemplo, na legislação federal referente à lavagem de dinheiro de atipicidade penal das transações financeiras necessárias para preservar o direito à representação profissional dos cidadãos, garantida pela Sexta Emenda à Constituição dos Estados Unidos.
Retomando o caso pátrio, os recentes desdobramentos trazem preocupação à classe. Não se desconhece a possibilidade de uso indevido de escritórios de advocacia para encobrir transações ilegais sob o manto da proteção do privilégio cliente-advogado, que admite mitigação em casos de fraude. O problema reside no fato de se querer investigar documentos confidenciais em escritórios de advocacia com o objetivo de identificar a origem de pagamentos feitos pela atuação profissional legítima.
Problematizando a situação, imagine-se que em uma diligência policial autorizada por mandado judicial se compareça a escritório de advocacia para colher elementos probatórios destinados a esclarecer a causa e destino de “pagamentos vultosos” recebidos de clientes. Para se identificar a causa do pagamento, é necessário vasculhar o arquivo do escritório em questão.
Como sói acontecer, o arquivo contém, além das procurações e contratos de honorários, também documentos particulares fornecidos pelo cliente, ainda não juntados aos autos de investigação, e até mesmo anotações pessoais dos advogados durante as reuniões com seus clientes. No que a leitura destes apontamentos diferiria da instalação de escutas clandestinas no interior do escritório de advocacia? Em ambos os casos, se tem acesso a comunicações confidenciais entre cliente e advogado. É possível que a autoridade policial “desleia” o que já fora lido?
O fato se agrava se o único fundamento para a realização da diligência policial for a “vultosidade” dos pagamentos efetuados. Tendo em vista a complexidade da atuação profissional e as possíveis consequências do trabalho do advogado, não é raro que os valores avençados sejam elevados. Não se pode presumir que a atuação profissional seja “de fachada” apenas em razão do valor dos honorários profissionais.
Salvo hipótese de comprovada suspeita de atuação indevida pelo advogado – evidenciada por indícios que ultrapassem o mero valor da contratação – não se pode simplesmente desconsiderar aquela que se coloca como uma das principais garantias de um cidadão: a confidencialidade de suas comunicações com seu advogado, o principal fundamento para a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.
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