Pagamentos a advogados

Valor alto de honorários não é suficiente para investigar escritório

Autor

  • Guilherme Brenner Lucchesi

    é advogado criminalista em Curitiba (PR) professor substituto da Faculdade de Direito da UFPR doutorando em Direito na UFPR mestre em Direito pela Cornell Law School (EUA) conselheiro do Instituto dos Advogados do Paraná e membro do New York State Bar.

30 de agosto de 2015, 15h35

Os últimos desdobramentos da operação Lava Jato demonstram efetivo interesse na atuação dos profissionais da advocacia. Foram semanas conturbadas para a profissão, nas quais viu-se advogada renunciar a uma série de mandatos após sua convocação para depor em Comissão Parlamentar de Inquérito a respeito da origem de honorários profissionais pagos por seus clientes, que haviam se comprometido a devolver montantes desviados em acordo de delação premiada.

Em curto espaço de tempo, outra advogada foi impedida de acompanhar o depoimento de seu cliente junto à Polícia Federal, pois foi surpreendida com a informação de que também deveria depor, em decorrência de comunicação com o cliente, em tese protegida por sigilo profissional.

Na semana em que se comemorou o Dia do Advogado, a fase da operação “lava jato” ocorrida à época resultou na prisão de um advogado e no cumprimento de mandados de busca e apreensão em três escritórios de advocacia distintos, visando identificar a origem do pagamento de valores a título de honorários e o destino de tais pagamentos.

Em declaração do Delegado de Polícia Federal que atua no caso, a investigação de escritórios de advocacia é uma nova “frente a ser explorada”, tal qual empresas de consultoria, escritórios de publicidade e propaganda e empresas de fachada, responsáveis por desvios. Quer parecer que episódios como o ocorrido no dia 13 de agosto de 2015 são apenas o início.

Chama atenção o fato de o juiz federal à frente da operação, responsável pela expedição dos mandados de busca cumpridos nos escritórios, ter utilizado como fundamentação teorias e precedentes da Justiça Federal dos Estados Unidos da América.

Em outras oportunidades, examinamos como a legislação federal nos Estados Unidos a partir da década de 1970 passou a se preocupar com a utilização de valores de origem supostamente ilícita para a contratação de advogados. Mediante duas importantes leis, o Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act – RICO e o Continuing Criminal Enterprise Act – CCE, foi revitalizado o uso do confisco penal in personam como meio de punição, devido ao crescimento contínuo da criminalidade dita ‘organizada’ e a ameaça do abuso de drogas no país, bem como seu respectivo impacto na economia e na saúde pública, sob a lógica “follow the money”.

Visando expandir o uso do confisco penal, o Comprehensive Forfeiture Act – CFA foi editado com o propósito de refinar as provisões atinentes ao confisco a fim de permitir o uso deste instituto como um mecanismo efetivo de controle da criminalidade, possibilitando (i) a expedição de um mandado de confisco previamente ao indiciamento, (ii) a invalidação de transferências impróprias de bens previamente à condenação e (iii) a possibilidade de confisco de bens substitutos quando os bens originalmente sujeitos ao confisco estiverem indisponíveis.

Assim, permitiu-se invalidar qualquer transferência de bens, mesmo que anterior à condenação ou mesmo ao indiciamento, sob a ficção jurídica “relation back”, segundo a qual, por não haver título legítimo sobre a propriedade, futura (e incerta) condenação poderia desde logo retroagir para alcançar terceiros, ainda que de boa-fé, com ordens antecipadas de confisco.

Com o julgamento de dois importantes precedentes na Suprema Corte dos Estados Unidos, o casos United States v. Monsanto e Caplin & Drysdale, Chartered v. United States, se entendeu que o confisco poderia se dar até mesmo com relação a valores pagos a título de honorários de advocacia, ainda que não houvesse intenção de fraude. Por meio da ameaça de aniquilar a remuneração profissional, consegue-se manter em xeque a atuação de bancas combativas, que podem se ver forçadas a abandonar o caso. Segundo o Justice Harold Blackmun, autor do voto divergente da Suprema Corte em ambos os casos, “Se tivesse sido objetivo expresso do Congresso Nacional minar o sistema acusatório, tal como o conhecemos, dificilmente poderia ter encontrado melhor motor de destruição que o confisco de honorários advocatícios”.

É importante destacar, no entanto, que mesmo nos Estados Unidos da América, não se cogita a criminalização da advocacia, havendo expressa previsão, por exemplo, na legislação federal referente à lavagem de dinheiro de atipicidade penal das transações financeiras necessárias para preservar o direito à representação profissional dos cidadãos, garantida pela Sexta Emenda à Constituição dos Estados Unidos.

Retomando o caso pátrio, os recentes desdobramentos trazem preocupação à classe. Não se desconhece a possibilidade de uso indevido de escritórios de advocacia para encobrir transações ilegais sob o manto da proteção do privilégio cliente-advogado, que admite mitigação em casos de fraude. O problema reside no fato de se querer investigar documentos confidenciais em escritórios de advocacia com o objetivo de identificar a origem de pagamentos feitos pela atuação profissional legítima.

Problematizando a situação, imagine-se que em uma diligência policial autorizada por mandado judicial se compareça a escritório de advocacia para colher elementos probatórios destinados a esclarecer a causa e destino de “pagamentos vultosos” recebidos de clientes. Para se identificar a causa do pagamento, é necessário vasculhar o arquivo do escritório em questão.

Como sói acontecer, o arquivo contém, além das procurações e contratos de honorários, também documentos particulares fornecidos pelo cliente, ainda não juntados aos autos de investigação, e até mesmo anotações pessoais dos advogados durante as reuniões com seus clientes. No que a leitura destes apontamentos diferiria da instalação de escutas clandestinas no interior do escritório de advocacia? Em ambos os casos, se tem acesso a comunicações confidenciais entre cliente e advogado. É possível que a autoridade policial “desleia” o que já fora lido?

O fato se agrava se o único fundamento para a realização da diligência policial for a “vultosidade” dos pagamentos efetuados. Tendo em vista a complexidade da atuação profissional e as possíveis consequências do trabalho do advogado, não é raro que os valores avençados sejam elevados. Não se pode presumir que a atuação profissional seja “de fachada” apenas em razão do valor dos honorários profissionais.

Salvo hipótese de comprovada suspeita de atuação indevida pelo advogado – evidenciada por indícios que ultrapassem o mero valor da contratação – não se pode simplesmente desconsiderar aquela que se coloca como uma das principais garantias de um cidadão: a confidencialidade de suas comunicações com seu advogado, o principal fundamento para a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.

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    é advogado criminalista em Curitiba (PR), professor substituto da Faculdade de Direito da UFPR, doutorando em Direito na UFPR, mestre em Direito pela Cornell Law School (EUA), conselheiro do Instituto dos Advogados do Paraná e membro do New York State Bar.

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