Crimes inevitáveis?

Em evento do IBCCrim, especialistas questionam programas de compliance

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28 de agosto de 2015, 19h13

A importância dos programas de compliance, a possibilidade de redução de penalidades para empresas que possuem programas de compliance e os reais efeitos causados por uma sentença penal à imagem de uma empresa perante seus consumidores foram os principais questionamentos feitos pelos professores Eduardo Saad Diniz e Paulo César Busato, que lecionam na USP Ribeirão Preto e na Universidade Federal do Paraná, respectivamente.

A palestra dos dois docentes fez parte da programação do segundo dia (quarta-feira, 26/8) do 21º Seminário Internacional de Ciências Criminais do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

Com um tom combativo, vindo de ambos os palestrantes, as práticas promovidas pelas empresas para mitigar os efeitos de atos criminosos praticados por seus funcionários foram duramente atacadas. Os programas de compliance chegaram a ser classificados como ativos financeiros, já que uma companhia que promove essa "conscientização" tem seu valor de mercado aumentado, e suas ações, mais valorizadas.

Para o professor Diniz, esses programas têm um potencial preventivo bem pequeno e só reforçam o alinhamento à lógica perversa dos incentivos ao denuncismo empresarial, o que resultaria em baixo desempenho produtivo, pois o funcionário estaria mais preocupado em denunciar seu colega do que trabalhar. Citando uma grande empresa brasileira como exemplo de companhia que poderia usar seu programa de compliance para servir de modelo a outras corporações, ele afirmou que tal medida é apenas para “aparecer no Jornal Nacional”.

Diniz também questionou o real impacto das sanções penais sobre as empresas. “Estou incessantemente buscando evidências para saber se de fato sanções penais afetam a reputação empresarial”, afirmou.

Hétero e autorregulação
O professor Busato endossou as afirmações de Diniz e complementou que esses programas fazem com que as empresas sejam tratadas como vítimas, e não rés. Segundo ele, a simples promoção de um programa de compliance não pode ser motivo suficiente para que a companhia envolvida em um crime tenha sua pena reduzida.

Busato reforçou que essas práticas têm substituído a heterorregulação pela autorregulação. “De onde veio esse direito às instituições”, questiona. O professor cita, ainda, que uma empresa também pode ter um comportamento perigoso. “Muito maior do que um menor infrator”, disse, complementando que “a vontade da pessoa jurídica pode ser diferente de seus diretores ou sócios”.

Sobre a autorregulação, o professor da PUC-RS Giovani Agostini Saavedra afirmou que essa foi a maneira que o Direito Penal, por não conseguir chegar a casos em que grandes corporações cometem crimes, encontrou para tentar combater o problema. “Basta lembrar a crise de 2008 e os subprimes. Porque são instituições internacionais com muitas ramificações. Por isso que o Direito Penal começou a ver como modo de agir nesses casos a autorregulamentação regulada.”

“Isso quer dizer que o Estado analisa o programa de compliance da empresa e consegue ver se é algo que está sendo feito de uma forma que dê brechas para desvios ou se é algo que de fato visa evitar crimes”, complementou Saavedra. O professor explica que, nos EUA, foi criada uma recomendação sobre compliance, e que ela é considerada tão séria quanto uma lei. “Essas regras deixaram bem mais claro como responsabilizar penalmente uma empresa, em que situações isso pode ocorrer”, contou.

Ao citar o Brasil, Saavedra ressaltou que o conceito de compliance ainda é vago. “Podemos criar uma lei que defina esse crime, mas não resolve, pois o problema é sistêmico.” Contando que era cético sobre essas práticas de combate a crimes empresariais, o professor afirmou que mudou de ideia depois que o escritório onde trabalha começou a prestar serviço para empresas da área de saúde.

“Elas estão fazendo isso querendo se adiantar ao que o Estado possa criar. E essas companhias mudaram radicalmente suas regras internas. Muito disso por conta da pressão pública, após reportagem sobre irregularidades no setor veiculada pelo Fantástico”, afirmou o professor.

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