Cortinas cerradas

TJ de São Paulo manterá condenação de autor de peça sobre Isabella Nardoni

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27 de agosto de 2015, 14h09

Até mesmo um texto de ficção gera danos morais quando ofende direitos da personalidade de alguém, ainda que tenha sido pouco divulgado. Com esta tese, desembargadores da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo indicam que condenarão o autor de uma peça de teatro baseada na morte de Isabella Nardoni a indenizar a mãe da menina em R$ 20 mil por danos morais.

Um pedido de vista suspendeu o julgamento iniciado nesta quinta-feira (27/8). Na prática, como dois membros do colegiado já seguiram o mesmo entendimento, deve valer decisão de primeira instância que viu problemas na peça Edifício London.

O espetáculo, da companhia Os Satyros, foi proibido de ser apresentado por uma liminar de 2013. No ano passado, a sentença atendeu pedido da mãe de Isabella. Ana Carolina Cunha de Oliveira alegou que era retratada como uma mulher vulgar e considerou como “verdadeira aberração” cena em que uma boneca decapitada era lançada através de uma janela.

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Trecho da peça Edifício London, montada em 2013 e proibida de ser encenada.

O grupo teatral não foi responsabilizado. Só foram condenados o autor do texto e a editora Coruja, que publicou a obra em livro.

Em sustentação oral, a defesa do autor afirmou que, apesar do título, a peça tratava de várias tragédias familiares, com referências inclusive a Medeia (personagem da mitologia grega) e Macbeth (Shakespeare), e retratava a mãe da menina como “carinhosa” e “afetiva”, sem qualquer intenção de denegrir a imagem de Ana Carolina.

O advogado Caio Victor Fornari disse que o caso Nardoni foi amplamente divulgado por meios de comunicação e que Edifício London teve pouca repercussão nesse cenário, já que o espetáculo foi retirado de cartaz e o livro teve menos de 500 exemplares. Baseou-se ainda na liberdade de expressão e apontou recente decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a publicação de biografias não autorizadas.

Passado remexido
Já o desembargador Fortes Barbosa, relator do caso, entendeu que o direito de livre expressão artística se chocou com direitos da mãe de Isabella, retratada em algumas cenas em “condutas inadequadas”. Em uma delas, por exemplo, ela aparece bêbada, em uma boate, ao mesmo tempo em que sua filha está sendo espancada por um casal.

Para Barbosa, o fato de o livro ter sido publicado e a peça ter contado com “alguma divulgação” já são suficientes para gerar o dano, pois a situação “reavivou acontecimentos trágicos em uma situação que macula a integridade moral da apelada e de sua filha”. Ele também considerou adequado o valor da indenização.

O revisor, desembargador Paulo Alcides, disse que a peça “remexe o passado de maneira desvirtuada”, como uma “lembrança de mau gosto”, e representa o que ocorreu de forma  “muito mais violenta do que a própria realidade” ao retratar a menina como uma boneca decapitada e jogada pela janela. Ele entendeu que a obra não pode ser comparada com notícias de jornais nem com biografias.

Pediu vista o desembargador Eduardo Sá Pinto Sandeville. O advogado Caio Fornari já planeja recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.

ConJur censurada
A controvérsia sobre o espetáculo também rendeu censura à revista Consultor Jurídico, no ano passado. Como o processo corre em segredo de Justiça, a juíza Fernanda de Carvalho Queiroz, da 4ª Vara Cível de São Paulo, determinou que o site retirasse do ar uma notícia sobre o caso, fixando multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.

Mas a publicação foi liberada no Supremo Tribunal Federal, pelo ministro Celso de Mello. Ele avaliou que o sigilo imposto a processos não atinge a imprensa e declarou preocupação com “o fato de que o exercício, por alguns juízes e tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura estatal”.

Processo 0007919-86.2013.8.26.0001

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