Olhar Econômico

A Segunda Guerra Mundial transformou o Direito Internacional

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

27 de agosto de 2015, 8h00

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]O término da segunda guerra[1] coincidiu com a guerra fria, caracterizada pela polarização do mundo em torno dos Estados Unidos e da União Soviética e os consequentes enfrentamentos estratégicos e indiretos na busca de ampliação das respectivas áreas de influência. Além de inúmeras guerras localizadas, como, por exemplo (a entre as duas Coreias), incentivou a construção do muro de Berlim, em 1961, cuja derrubada, em 1989, marcaria o ocaso da guerra fria e o início, tanto da unipolarização em torno dos Estados Unidos, quanto da crescente importância geopolítica e econômica dos países da Ásia.

Inobstante tantos contratempos, nesse período observa-se contínua evolução do direito internacional público. A descolonização, fruto do trabalho inicial da Liga das Nações e, posteriormente da ONU faz aumentar, consideravelmente, o número de Estados independentes, hoje cerca de 200. As organizações internacionais intergovernamentais, universais e regionais, incrementam seu número e importância. Em particular o surgimento, consequência direta do fim da segunda guerra, do modelo de organização regional de integração econômica — o Mercado Comum Europeu — faria florescer em todos os quadrantes do globo, organismos similares, com finalidades econômica e política. Por outro lado, começam a se multiplicar as organizações internacionais privadas — as ONGs — que passariam a ser atores de importância singular na cena internacional.

Também se multiplicam os tribunais internacionais, de alcance universal ou regional, além daqueles com objetivo especializado. Dentre esses, assomam os dedicados aos direitos e à solução de litígios no seio dos organismos econômicos, comerciais e de integração. Nesse extenso rol, incluem-se, exemplificativamente: o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (1959) e a Corte Interamericana dos Direitos do Homem (em funcionamento desde 1978).

Infelizmente o fim da guerra fria não significou diminuição dos conflitos. Gaza, Ruanda, Afeganistão, Iugoslávia, Iraque e Síria são apenas algumas das comprovações disso. Nunca o número de refugiados foi tão significativo. O mesmo se diga de pessoas que tentam abandonar seu país, mesmo correndo sério risco de vida. Ademais, o terrorismo internacional vem-se intensificando até se chegar à proclamação de Estado islâmico fundamentalista, em junho de 2014!

De inícios da década de 80 do século passado, até os dias de hoje, acentuam-se a globalização, a erosão da soberania estatal, o aumento dos tratados multilaterais, o protagonismo das organizações internacionais intergovernamentais, a criação de tribunais internacionais, o aumento da utilização da jurisdição internacional, o crescente uso da mediação e da arbitragem, a valorização do direito humanitário, o uso pelo Conselho de Segurança da ONU de seu poder estatutário etc.

Há vários aspectos merecedores de relevo nesse período. Primeiramente, a continuação da proliferação e/ou a sofisticação das organizações internacionais (principalmente as regionais de integração econômica). Basta lembrar nesse tocante, a criação do Mercosul (Tratado de Assunção, 1991) e da União Europeia (Tratado de Maastricht, 1993).

No tocante aos tribunais internacionais, impar em significado, foi a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), embora mereçam também citação, o surgimento do Tribunal Internacional do Mar e o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.

Criado pelo Tratado de Roma de 1998 e estabelecido na Haia, em 1992, o Tribunal Penal Internacional representa um grande progresso contra a impunidade, por ser jurisdição permanente e universal, competente, em complementaridade com as jurisdições internas dos Estados, para julgar pessoas físicas por crimes graves: crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Os julgamentos dessa Corte vem tendo grande repercussão, além de efeito pedagógico. Foi o resultado de demorado processo que resultou na adoção de seu Estatuto, em 1988, que, embora aprovado por maioria, contou com o voto negativo de sete Estados, dentre os quais Estados Unidos e China, e de vinte e uma abstenções. Apesar disso, entraria em vigor em curto espaço de tempo, graças ao trabalho feito, mormente pelas ONG’s, para a obtenção das sessenta ratificações necessárias para tanto. O TPI é um tribunal vivo e atuante. Sua competência alcançará o crime de agressão, assim que emenda nesse sentido for ratificada por certo número de Estados-membros.

Para encerrar os pontos expressivos desse período, merece alusão a relativa frequência de coalização de países para intervir em conflitos internacionais, com ou sem chancela do Conselho de Segurança da ONU ou da OTAN. Essas ocorrências, por vezes são incluídas no rol das intervenções humanitárias, tema altamente polêmico na esfera internacional.

Apesar de tudo, não diria que o direito internacional tem fracassado. Consoante o já exposto, nunca foram usados tantos mecanismos diplomáticos e jurídicos para evitar ou diminuir tensões internacionais e, mesmo, para reverter quadros de beligerância instalada. Os desafios são enormes e não cessam de aumentar.

Cabe, agora, algumas reflexões:

A primeira seria imaginar como estaria o mundo hodierno (se é que não tivesse sido destruído ou desfigurado por bombas poderosíssimas), sem todos os mecanismos da diplomacia e de direito internacional atualmente à disposição e em exercício?

A segunda, um paralelo entre os Estados, que são dotados de forte autoridade interna, de direito obrigatório para todos e de mecanismos de efetividade muito maiores do que o direito internacional, demonstra que eles também não tem conseguido diminuição substancial da violência em seu territórios!

Ao se julgar a ONU, geralmente todos se atêm à organização em si, de natureza política e, como sói acontecer, são percebidos mais os desacertos do que os acertos, que são muitos! Deixa-se de lado, contudo, todos os aspectos positivos, mesmo em termos de manutenção da paz e de crescimento econômico, que os organismos especializados, muitos com finalidade técnica, realizam. Unicamente para exemplificar, possuem valor incomensurável os benefícios derivados dos trabalhos da Unesco da FAO, do Banco Mundial etc.

Grande importância tem tido, igualmente, o labor da diplomacia bilateral dos países, que muitas vezes trabalham, em ligação com organizações internacionais universais ou regionais.

É preciso levar em conta que, o direito internacional, por muito que tenha avançado, ainda trata com Estados ditos soberanos, que precisam ser convencidos a aceitar e aplicar normas jurídicas internacionais mais efetivas. Dos 200 estados hoje existentes, muitos não são obrigados relativamente a tratados importantes, pelo simples fato de não serem partícipes deles e de não se ter desenvolvido costume internacional a partir de seu conteúdo[2].

Os Estados, embora sejam iguais, por serem soberanos, são desiguais na prática, havendo até mesmo a figura de Estados ditos inviáveis, por não possuírem substrato econômico para o próprio sustento.

Dentre as conclusões possíveis, fundamentadas no que foi dito, as principais são as seguintes:

É óbvio que os interesses políticos influem na esfera internacional, da mesma forma que tais interesses estão sempre presentes dentro dos Estados.

A questão do terrorismo é um problema a parte, por estar e agir, comodamente à margem e à sombra, sendo difícil até mesmo sua identificação. Nem mesmo o direito internacional humanitário que procura minorar as consequências dos conflitos armados, pode ser, facilmente, aplicável!

Dia a dia surgem novos problemas, como os milhares de jovens, que deixam seus países de origem ou de residência em busca do glamour macabro do fundamentalismo.

Assim como as leis internas, que são feitas para solucionar questões relativas a fatos que as precedem, as leis internacionais também buscam, posteriormente solucionar o acontecido. É a sina do direito em geral, pois desde os romanos se falava que “o direito brota do fato”. Com um agravante, na falta de um “legislador internacional”, as “leis” internacionais são fruto do tratado internacional e do costume, por natureza, mais demorados em sua adoção e implementação.

A paz e o bem estar internacional, tanto quanto no seio dos Estados, deve ser fruto da permanente vigilância. Indispensável é o trabalho coordenado (o que nem sempre é fácil) da diplomacia bilateral dos Estados, da diplomacia multilateral, feita nos seio das organizações internacionais, dos tribunais internacionais, dos tribunais nacionais (pois eles também aplicam normas internacionais), das ONGs etc.

Em se tratando do direito internacional, não se pode esquecer da importância da efetividade. Muito embora haja em tal direito normas cogentes, a recalcitrância extrema somente pode ser enfrentada, em última análise, pelo uso da força. Obviamente, os Estados mais poderosos em termos bélicos e econômicos, também por isso, tem lugar especial no contexto das nações.


1 Ver: Rodas, João Grandino, As Guerras aceleram a evolução do direito internacional. Revista Conjur, 27.08.2015 (leia aqui).

2 Ver Rodas, João Grandino, Fonte de Direito Internacional, o costume pode fazer a diferença, Revista Conjur, 16/07/2015 (leia aqui).

Autores

  • é decano dos professores titulares da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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