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Delator pode ser questionado pelos defensores dos coacusados

21 de agosto de 2015, 8h01

Por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Alexandre Morais da Rosa

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Spacca
Em tempos de novas coordenadas do Processo Penal e do uso da delação premiada, o conteúdo e a credibilidade das afirmações do delator precisam passar pelo crivo do contraditório. O delator, em princípio, ocupa a condição de coacusado e como tal deveria se submeter a interrogatório formal, nos termos do Código de Processo Penal, no qual os demais coacusados pudessem, por seus defensores, promover perguntas diretamente.

Este é o conteúdo do devido processo legal substancial reconhecido, dentre outras vezes, pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus 94.016, de São Paulo, relatado pelo ministro Celso de Mello, no qual restou afirmado que o acusado possui direito “de presença e de ‘participação ativa’ nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.”

Assim é que se o delator é acusado, os demais deveriam ter o direito ao confronto[1], atendida a regra do artigo 191, do CPP (“havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente”), de maneira a que os demais coacusados, por seus defensores, possam indagar diretamente o agente.

As manipulações decorrentes de cisão processual (CPP, artigo 80) ou mesmo de não denúncia do delator, transferido à condição de informante, já que testemunha não pode ser, dado seu interesse no caso penal, jamais podem alijar a defesa do exercício de sua plenitude. Promovida a cisão, dado o interesse manifesto, os demais coacusados devem ser intimados para o ato de interrogatório, sob pena de nulidade e a prova ser inservível para qualquer fim.

Aliás, a chamada de corréu, denominação do conteúdo das declarações do coacusado, sempre foi vista com ressalvas pela doutrina e jurisprudência, ainda que atualmente seja endeusada como a “rainha das provas”. Tanto assim que Heleno Cláudio Fragoso, já no seu Jurisprudência Criminal[2], delimitou para o Brasil a questão, a partir do fato de ser a chamada de corréu “prova suficiente” ou não à condenação, no sentido de ser ela, de maneira induvidosa, prova insuficiente se não vier acompanhada de suporte autônomo ao conjunto probatório.

Neste sentido, como já havia antecipado Aury Lopes Jr[3], diante da delação operada, torna-se complicado aceitar o silêncio do delator em relação aos demais acusados. Isto porque as suas declarações anteriores não valem por si, ou seja, “quando estiver depondo na condição de réu, é inegável que está amparado pelo direito de silêncio e, portanto, não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas (pelo juiz, acusador ou demais corréus) e que lhe possam prejudicar. Mas, em relação às perguntas que digam respeito às imputações que está fazendo, o silêncio alegado deve ser considerado no sentido de desacreditar a versão incriminatória dos corréus. É imprescindível muito cuidado por parte do juiz ao valorar essa prova, pois não se pode esquecer que a delação nada mais é do que uma traição premiada, em que o interesse do delator em se ver beneficiado costuma fazer com que ele atribua fatos falsos ou declare sobre acontecimentos que não presenciou, com o inequívoco interesse de ver valorizada sua conduta e, com isso, negociar um benefício maior.”

A delação premiada antecedente à instrução não pode ser alheia ao contraditório[4], já que somente por ele estaria legitimada. Ademais, diante do conteúdo, sem a possibilidade de confronto defensivo, teríamos a onipotência unilateral de algo feito às escondidas, negociada, com repercussões para além do delator. Sempre que houver delação, com processo cindido ou mesmo com o delator preservado da denúncia (informante), os que sofrerão os efeitos das suas declarações possuem o direito fundamental de perguntar e o arrolar. Impedir é transformar o processo penal em espetáculo inquisitório, do segredo e performático.


[1] MALAN, Diogo. Direito ao Confronto no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
[2] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Jurisprudência Criminal. São Paulo: Bushatsky, 1979, p. 804-806.
[3] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 659-660.
[4] LOPES JR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Processo Penal no Limite. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.