Honra subjetiva

Catta Preta não deve explicações à Câmara, decide Justiça Federal em São Paulo

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21 de agosto de 2015, 19h53

A advogada Beatriz Catta Preta não precisa dar satisfações à Câmara dos Deputados sobre o que disse ao Jornal Nacional, da TV Globo. Em entrevista, ela contou que, depois que um dos delatores da operação “lava jato” disse ter pago propina ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), passou a sofrer ameaças de deputados ligados ao peemedebista.

Em decisão desta quinta-feira (21/8), o juiz federal José Tarcísio Januário, da 2ª Vara Federal de Barueri (SP), afirmou não existir “injúria contra pessoa jurídica ou órgão”, pois nenhum dos dois tem “honra subjetiva”. “As instituições públicas, em especial aquelas políticas, como é o caso da Câmara, estão sujeitas às críticas e censuras dos cidadãos, por vezes até veementes.”

A delação em questão é a do presidente da Camargo Corrêa, Julio Camargo. Ele disse ao Ministério Público Federal que Eduardo Cunha recebeu US$ 5 milhões em propina embutida num contrato assinado entre a Samsung e a Petrobras para a construção de navios de perfuração em águas profundas. Essa informação baseia a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Cunha ao Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira (20/8).

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Beatriz disse que desistiu da profissão por ter sofrido ameaças de parlamentares.
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O depoimento de Camargo levantou suspeitas quanto à advogada, já que as informações sobre Cunha foram passadas numa retificação da delação. E segundo o que Beatriz contou ao Jornal Nacional, depois que essa informação vazou para a imprensa, integrantes da CPI da Petrobras passaram a ameaçá-la. Diz ela que isso a motivou a deixar a profissão.

Depois dessa entrevista, a Câmara foi à Justiça Federal alegar que a advogada cometeu injúria contra os parlamentares e pedir que ela fosse à Casa se explicar. O juiz José Januário negou o pedido.

Segundo ele, só quem se sente ofendido é que pode pedir explicações ao ofensor em juízo. No entanto, trata-se de “direito personalíssimo”, explica o juiz, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. E como órgãos não têm “honra subjetiva” não podem se sentir ofendidos.

“Não há qualquer dúvida razoável a ser esclarecida, pois das declarações objurgadas não se extrai qualquer imputação de calúnia ou difamação contra a Câmara dos Deputados”, escreveu o juiz. “Nada há efetivamente — nas declarações da requerida [Beatriz] ora aduzidas — que possa ser razoavelmente tido como imputação de crime à Câmara.”

Honorários
Em julho deste ano, a CPI da Petrobras, braço parlamentar das investigações da “lava jato”, aprovou a convocação da advogada para que ela explique a origem do dinheiro que paga seus honorários. O pedido foi feito pelo deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), para quem é preciso “verificar a origem dos recursos com que seus clientes têm custeado os respectivos honorários”.

No entanto, Beatriz foi desobrigada de comparecer à CPI por decisão do Supremo Tribunal Federal. O presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski, concedeu Habeas Corpus para afirmar que o advogado é inviolável em suas prerrogativas e, portanto, “é inadmissível que autoridades com poderes investigativos desbordem de suas atribuições para transformar defensores em investigados, subvertendo a ordem jurídica”.

Processo legislativo
Uma semana depois da decisão de Lewandowski, o senador José Medeiros (PPS-MT) apresentou projeto de lei em que tenta obrigar os réus por crimes contra a administração pública e por improbidade administrativa de provar a origem lícita do dinheiro com que paga o advogado.

A justificativa do projeto é a mesma usada por Pansera para pedir a convocação de Beatriz. De acordo com José Medeiros, “é preciso que haja transparência”. “Investigados e réus nas referidas ações desviam, recebem ou auferem vultosos montantes de recursos de origem ilícita. Não obstante, utilizam esses valores no pagamento dos melhores advogados, já que nem sempre é possível a localização de todo o produto ou proveito auferido em razão da prática de atos de improbidade ou infrações penais.”

Ambas as iniciativas foram duramente criticadas e desqualificadas pela comunidade jurídica. Classificaram-na de “bobagem” e de inverter o ônus da prova, já que obriga o réu a dizer que seu dinheiro é lícito, quando é o Ministério Público quem tem de provar qualquer ilegalidade.

Processo 0011081-94.2015.403.6144

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