Despautério e má-fé

Acordo de leniência da CGU não atrapalha "lava jato", diz Jorge Hage

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21 de agosto de 2015, 20h00

O ex-ministro chefe da Controladoria-Geral da União Jorge Hage (foto) classificou como “despautério e de uma má-fé” a acusação de que os acordos de leniência conduzidos pelo órgão com as empresas envolvidas com a corrupção na Petrobras estão atrapalhando as investigações da “lava jato”.

Giselle Souza
A declaração foi feita no II Seminário Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, que aconteceu nesta sexta-feira (21/8) no Rio de Janeiro, e foi uma resposta às afirmações de um membro do Ministério Público de Contas, que também participou do evento.

Em palestra na parte da manhã do evento, o procurador junto ao Tribunal de Contas da União Julio Marcelo de Oliveira disse que a Lei Anticorrupção (12.846) estabelece que, para a apuração de cada conjunto de fatos, os acordos de leniência devem ser firmados com a primeira empresa que manifestar interesse em cooperar.

De acordo com ele, pelo menos 15 pedidos de acordos estariam sendo analisados pela CGU — além dos sete que já estão em curso no órgão. “Quando o governo diz que vai fazer acordo de leniência com todas as empresas, atrapalha as investigações porque as empresas perdem o incentivo por serem a primeira a fornecer informações relevantes para a investigação. É para a primeira empresa que a lei autoriza benefícios. As outras devem ser punidas na forma da lei”, afirmou o procurador à ConJur, ao comentar a palestra.

Giselle Souza
O procurador (foto) também criticou a CGU por incluir no acordo o valor que a empresa deve devolver pelos prejuízos que causou aos cofres públicos. Oliveira explicou que, pela Lei Anticorrupção, o ressarcimento tem que ser apurado pelo Tribunal de Contas da União, em um processo específico.

“É competência da CGU calcular [o valor a ser ressarcido]. Além disso, a CGU nunca fez auditorias em obras da Petrobras. Não tem know-howexpertise para calcular débitos de obra superfaturada, ao contrário do TCU, que já está lidando com essa matéria há décadas. A CGU quer utilizar estimativas da própria Petrobras sobre o tamanho do débito. Como ela não tem como estimar, porque não tem essa experiência, a Petrobras diria qual seria o tamanho do prejuízo que as empresas teriam que devolver. A Petrobras foi uma empresa capturada nos últimos anos por esse esquema de corrupção, não tem credibilidade para fazer esse papel. E outra: perante o TCU, como demonstrei no acórdão que apresentei [na palestra], nega o tempo todo que tenha tido qualquer superfaturamento. Então, se ela nega publicamente perante um órgão de controle, como vai estimar o tamanho desse superfaturamento para acordos de leniência?”, disse ainda.

Para Oliveira, os acordos de leniência promovidos pela CGU deveriam passar pelo crivo do Ministério Público Federal, justamente para não prejudicar as investigações. “Acho que a CGU pode fazer [os acordos], mas com o aval do Ministério Público, que está conduzindo a investigação. Eles têm que atuar de forma coordenada, respeitando a investigação que está sendo feita pelo MPF”, frisou.

Sem autorização
Responsável por fazer o encerramento do seminário, na parte da tarde, Hage acabou questionado pela plateia se os acordos de leniência do órgão de fato podem atrapalhar as investigações. Ele disse que a Lei Anticorrupção atribuiu à CGU a competência para conduzir os acordos no âmbito do executivo federal e que isso decorre da credibilidade e confiabilidade que o órgão construiu. E disparou: “A lei não condicionou, em momento algum, à autorização do TCU e do MPF”.

À reportagem o ministro explicou que o inciso 1º do artigo 30 do Decreto 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção, é expresso ao dizer que a pessoa jurídica que pretende celebrar acordo de leniência deve ser a primeira que manifestar interesse “quando tal circunstância for relevante”.

Segundo o ministro, a referência que a Lei Anticorrupção faz à “primeira empresa” teve inspiração no acordo de leniência no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que é regulado na Lei 12.529/2011. Na avaliação dele, a exigência faz todo o sentido, pois o órgão tem entre suas atribuições a apuração da existência de cartéis. A primeira denunciaria as demais envolvidas. “Faz todo sentido que o Cade só se interesse pelo primeiro que denuncie, porque se trata de um conluio”, disse.

“No caso da CGU, os ilícios não são apenas cartéis, mas ilícitos variados, relacionados à corrupção latu sensu, previstos no artigo 5º [da Lei Anticorrupção]. Então interessa, sim, também uma segunda e uma terceira [empresa], pois elas podem relatar outras coisas. Há uma variedade muito grande nos casos de corrupção”, destacou.

Sobre os acordos preverem os valores que as empresas precisam devolver aos cofres públicos, Hage destacou que a Lei 12.846 “é explícita e expressa ao dizer que a celebração do acordo de leniência não exime a empresa da reparação integral do dano”. De acordo com ele, a lei tampouco restringe as penas a serem aplicadas por outros órgãos.  

“Vem sendo dito muita bobagem por aí. E só ler a lei. O artigo 16 fala da distinção entre o acordo de leniência e reparação do dano. Os artigos 29 e 30 falam das independências das instâncias. Quanto à independência das instâncias, o Ministério Público, por exemplo, pode, e já o faz, ajuizar as ações criminais e de improbidade administrativa livremente. Não tem nada a ver com o acordo de leniência. O TCU também pode aplicar as sanções que cabem a ele do mesmo jeito”, destacou.

Para o ministro, faltou a Lei Anticorrupção prever algum tipo de coordenação entre os órgãos — o que evitaria esse tipo de divergência. “Acredito que teria sido positivo se a lei tivesse institucionalizado alguma forma de coordenação entre as instâncias punitivas. Não o fez. Entretanto, independentemente da lei, enquanto eu estava na CGU, fizemos um enorme esforço de articulação com o MP, mas infelizmente esse debate foi contaminado pelo debate político que esta envenenando essa gestão”, ressaltou. 

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