Borracha no passado

Proposta quer obrigar imprensa a criar "call center" de direito ao esquecimento

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20 de agosto de 2015, 6h30

Na onda de discussões mundiais sobre direito ao esquecimento, um projeto de lei apresentado neste ano na Câmara dos Deputados tenta obrigar que meios de comunicação social do Brasil criem telefones e endereços para ouvir pessoas que desejem apagar seus nomes em notícias veiculadas no passado. Órgãos de imprensa, emissoras de TV e provedores de internet teriam de fornecer protocolo de atendimento e, no caso de o pedido ser negado, explicar o motivo em até 30 dias.

A proposta foi idealizada pelo deputado federal Veneziano Vital do Rêgo (PMDB-PB) e define o direito ao esquecimento como “expressão da dignidade da pessoa humana, representando a garantia de desvinculação do nome, da imagem e demais aspectos da personalidade relativamente a fatos que, ainda que verídicos, não possuem, ou não possuem mais, interesse público”.

Segundo o texto, as empresas que descumprirem a regra ou criarem departamentos sem bom funcionamento seriam responsabilizadas na esfera cível, por meio de ação civil pública. A redação inicial do Projeto de Lei 1.676/2015 também busca transformar em crime “o ato de fotografar, filmar ou captar a voz de pessoa, sem autorização ou sem fins lícitos”. Caso vire lei, quem descumprir pode ser punido com multa e até seis anos de prisão.

Não é a primeira tentativa de regulamentar o direito ao esquecimento. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), propôs no ano passado que seja obrigatório remover links de mecanismos de busca na internet “que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida” (PL 7.881/2014).

“O projeto de lei tem só dois artigos, mas de simples não tem nada”, avalia o advogado Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS) e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ele abordou o tema nesta quarta-feira (19/8) durante o 7º Congresso de Crimes Eletrônicos, promovido pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

Fernando Nunes/Divulgação
Painel discutiu direito de ser esquecido no 7º Congresso de Crimes Eletrônicos, em São Paulo.
Fernando Nunes/Divulgação

Para Souza, a medida é muito genérica ao adotar o conceito de “dados irrelevantes ou defasados” e permitir que qualquer pessoa apresente solicitação para informações saírem do ar.

O advogado entende ainda que a proposta geraria impactos na forma como usuários buscam informações na internet e seria inclusive insuficiente para proteger pessoas, porque os dados continuariam nos links originais. Sobre o PL 1.676/2015, ele também diz que os conceitos são pouco claros e questiona se meios de comunicação conseguiriam atender a todos os interessados.

Tendência
O direito ao esquecimento ganhou repercussão desde que, no ano passado, o Tribunal de Justiça da União Europeia obrigou o Google a apagar dados solicitados por quaisquer europeus que aparecem na ferramenta de busca. A decisão ocorreu depois que o espanhol Mario Costeja González — citado no buscador porque seu apartamento seria leiloado para pagar dívidas — cobrou a retirada de seu nome do buscador da empresa.

No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça aplicou o princípio pela primeira vez em 2013. A 4ª Turma condenou a Rede Globo a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais a um homem que foi citado em reportagem sobre a chacina da Candelária. O programa foi ao ar em 2006, 13 anos depois do caso. Como o homem foi absolvido da acusação de ter participado do crime, a corte entendeu que a emissora causou danos a sua honra. O Supremo Tribunal Federal ainda deve julgar recurso da Globo.

A professora e advogada Juliana Abrusio, também participante do congresso da FecomercioSP, aponta que o conceito tem sido confundido por profissionais do Direito e clientes. A remoção de vídeos íntimos publicados na internet, por exemplo, não tem nenhuma relação com o direito de ser esquecido, e sim com direitos fundamentais da honra, da privacidade e da dignidade da pessoa humana.

“Só é possível pedir para ser esquecido aquilo que um dia, no passado, foi legitimamente divulgado. Publicar imagens íntimas de uma ex-namorada na internet nunca foi lícito, nunca deveria ter sido lembrado.” Juliana diz ainda que a medida deve valer para pontos específicos, sem a possibilidade de apagar fatos históricos, como a citada chacina da Candelária.

Clique aqui e aqui para ler os projetos de lei em andamento.

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