Criminoso beneficiado

Delação premiada não é involuntária só por acusado estar preso, diz Sergio Moro

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20 de agosto de 2015, 17h46

As delações premiadas não são necessariamente espontâneas, uma vez que quem decide colaborar está ameaçado de ser punido por crimes que sabe que cometeu. Porém, não se pode dizer que elas são involuntárias — mesmo quando o delator está preso quando decide firmar o acordo —, pois quem se compromete a fornecer informações à Justiça sempre busca um benefício que provavelmente não obteria no julgamento do processo.

Sérgio Rodas/ConJur
Fãs aproveitaram evento em São Paulo para tirar "selfies" com Sergio Moro.
Sergio Rodas/ConJur

Essa é a opinião do juiz federal Sergio Moro, responsável pelas ações da operação “lava jato”. Nesta quinta-feira (20/8), ele ironizou as acusações de que prende preventivamente para forçar acusados a colaborar com as autoridades: “Acho engraçado que essa crítica [de que prende para forçar delações] não vem do próprio delator, mas de outros. Como você pode dizer que uma pessoa foi coagida se o próprio confesso não fala nada disso? Se um criminoso resolve colaborar, não é por sinceridade. É por que ele quer um benefício legal. A única ameaça que tem sido feita a essas pessoas é o devido processo legal. Não vejo substância para essa crítica, até porque vários firmaram acordo de colaboração quando estavam soltos”.

No V Simpósio de Direito Empresarial, organizado pela Aliança da Advocacia Empresarial e patrocinado pela editora Revista dos Tribunais, em São Paulo (SP), Moro também disse estranhar as críticas morais feitas aos advogados ou acusados que decidem fazer delação premiada. “Já ouvi advogados falando que não fazem isso [delação premiada] por uma questão de ética. Que ética, a da organização criminosa? Eu ensino meus filhos a reconhecer seus erros. O reconhecimento é o primeiro passo para a redenção.” Porém, ele se conforma que a cultura jurídica brasileira não é a da colaboração com a Justiça.  

O juiz federal afirmou que a colaboração premiada ajuda, e muito, a solucionar crimes financeiros e empresariais, tendo em vista a dificuldade de se obter informações internas das organizações de outra maneira. Contudo, ele deixou claro que esse instituto não é a solução para desvendar todos os crimes, e que pode ser injusto, visto que o delator não recebe uma pena proporcional a sua culpa pelos delitos.

Direito de defesa
Rebatendo críticos que enxergam uma escalada no punitivismo pela “lava jato”, Moro opinou que o Direito Penal do Inimigo “não tem nenhuma aplicação no nosso sistema”. Além disso, ele garantiu que a proposta dele e da Associação dos Juízes do Brasil (Ajufe) de prender o condenado em segunda instância — em vez de após o trânsito em julgado — não viola a presunção de inocência. Isso porque ela estaria vinculada a um conjunto probatório forte, e já respaldado por uma vara e um tribunal. Para fortalecer esse argumento, o juiz da “lava jato” apontou que os Estados Unidos e a França, os “berços desse direito”, executam as penas após julgamento de primeiro grau.  

De acordo com o juiz, o sistema atual tem que mudar, pois as pessoas não estão satisfeitas com ele. Moro ressaltou que as normas não são feitas para advogados, juízes e membros do Ministério Público, e, sim, para a sociedade em geral. Entretanto, para promover as prisões após condenação em acórdão, será preciso obter o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou Moro, destacando que a entidade é o “principal foco de resistência” à proposta.

Perguntado pela revista Consultor Jurídico sobre o que pensava das acusações de estar violando o Direito de defesa na “lava jato” com o grande número de prisões cautelares e delações premiadas, Moro sorriu e respondeu que preferia exercer o seu direito ao silêncio.

Resultados imprevisíveis
Em sua palestra no evento — pela qual foi aplaudido de pé pelos presentes —, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba manifestou dúvida quanto aos resultados que a “lava jato” irá produzir. A razão do ceticismo se deve ao exemplo da operação “mãos limpas”, que desvendou um esquema de corrupção envolvendo mafiosos na Itália nos anos 1990.

Como consequência do caso, as duas principais agremiações políticas do país, a Democracia Cristã e o Partido Socialista Italiano, foram à lona. Com isso, o empresário Silvio Berlusconi apareceu como o salvador da pátria, e foi eleito primeiro-ministro da Itália. No entanto, como ficou provado depois, ele estava envolvido nas velhas práticas corruptas, e as negociatas por debaixo do pano não cessaram após sua ascensão ao governo.

O motivo disso, segundo Moro, é que a Itália não reforçou a prevenção e a repressão a crimes. Outro problema é que o país não reformou seu sistema processual, que, como o brasileiro, admite recursos a se perder de vista.

Para que o Brasil não repita o erro dos italianos, é preciso aumentar a efetividade do sistema judicial, avaliou o juiz federal, destacando que qualquer mudança deve respeitar os direitos individuais.

Além disso, é preciso haver uma mudança de paradigma na sociedade, com o reconhecimento de que o corruptor tem tanta responsabilidade pelo crime quanto o servidor público corrompido, analisou Moro. Com isso, agentes privados passariam a ser julgados não só pelos tribunais, mas também pela opinião pública e pelo mercado.

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