Opinião

Carf não pode reter cópia de identidade para retirada de cópia de processos

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17 de agosto de 2015, 8h31

Rui Barbosa sustentava que "o primeiro advogado foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra defendeu os seus semelhantes contra a injustiça, a violência e a fraude."[1]

Recentemente, publicamos em rede social profissional comentário intitulado O Papel do Advogado:

O papel e figura do advogado deve ser objeto de admiração, por mais que alguns nos queiram fazer pensar e sentir o contrário. O profissional da advocacia — pública e privada — deve oficiar para o cumprimento e construção da imagem de um porto seguro contra as ilegitimidades e injustiças praticadas contra (todas) as pessoas. Assim, certo é que seu papel perante a sociedade é muito mais relevante do que detratores buscam retratar. Em momentos conturbados e em face da ausência de uma liderança efetivamente representativa reclama-se ainda mais a atuação dos causídicos em prol do bem-estar comum, na tribuna, nas ruas ou através da pena deitada ao papel, sem medo, sem censura! São tempos difíceis, mas não impossíveis. E é neste cenário que deve se destacar com ética, zelo, luta e dedicação, o papel do advogado.

E é "deitando a pena" sobre a tela em branco à nossa frente que promovemos a defesa dos profissionais que atuam junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e contra prática ilegítima que vem sendo levada a efeito por aquele tribunal administrativo.

Por oportuno, destacamos o comando insculpido na Constituição Federal de que o "advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei." (artigo 133). Some-se a tal dispositivo o fato de que "todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral…." (inciso XXXIII, artigo 5º CF/88).

Ora, ocorre que de algum tempo para cá aquele Carf vem promovendo e exigindo a retenção de cópia de documento de identificação — profissional ou pessoal — para a entrega de cópia de peças de processos administrativos em trâmite naquele tribunal; não obstante, frisamos, já ter o requerente a obrigação de apresentar e entregar (i) a guia Darf devidamente quitada — quando for o caso —; (ii) a cópia do instrumento de procuração ou substabelecimento que tenha outorgado poderes ao profissional, combinado essa (iii) a apresentação simples do documento de identidade.

Tudo isso sob o argumento de que estão cumprindo ordens superiores.

Além de ser violência grave contra a pessoa, o profissional e ao texto constitucional, pois que deve-se levar em consideração a presunção de idoneidade e boa-fé do indivíduo, é preciso ter em boa conta que tal conduta configura crime: Artigos 1º e 3º da Lei nº 5.553 de 06 de Dezembro de 1968.

Art. 1º A nenhuma pessoa física, bem como a nenhuma pessoa jurídica, de direito público ou de direito privado, é lícito reter qualquer documento de identificação pessoal, ainda que apresentado por fotocópia autenticada ou pública-forma, inclusive comprovante de quitação com o serviço militar, título de eleitor, carteira profissional, certidão de registro de nascimento, certidão de casamento, comprovante de naturalização e carteira de identidade de estrangeiro.

Art. 3º Constitui contravenção penal, punível com pena de prisão simples de 1 (um) a 3 (três) meses ou multa de NCR$ 0,50 (cinqüenta centavos) a NCR$ 3,00 (três cruzeiros novos), a retenção de qualquer documento a que se refere esta Lei.

Parágrafo único. Quando a infração for praticada por preposto ou agente de pessoa jurídica, considerar-se-á responsável quem houver ordenado o ato que ensejou a retenção, a menos que haja, pelo executante, desobediência ou inobservância de ordens ou instruções expressas, quando, então, será este o infrator.

Causa ainda mais espécie a ilegítima exigência estar sendo cometida por órgão da Administração e servidores nele lotados, uma vez que estes estão expressamente subordinados ao princípio da legalidade, implicando o mesmo na "subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas."[2]

Fazemos o alerta na esperança do Carf cessar tal prática e, se assim não o for, que os órgãos competentes e de representação reclamem e tomem as medidas cabíveis no sentido de obstar a ilegítima e infracional exigência, consubstanciada na retenção de cópia de documento de identidade no ato da retirada de cópia de processos administrativos, cujos poderes podem ser comprovados mediante a simples conferência de dados.

E assim também procedemos para impedir que medidas ainda mais gravosas tenham de ser adotadas contra aquele tribunal, cujas feridas estão a tempos em processo de cicatrização, evitando-se ainda a cena final em que os administradores fiquem "com aquela cara de Senhora Mariquinha cadê seu frade?", nas palavras da saudosa personagem Odorico Paraguaçu[3].


1 In Novos Discursos e Conferências, p. 58 – cit: Ruy de Azevedo Sodré; Ética Profissional e Estatuto do Advogado, 4. ed., LTr, p. 267

2 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, RDP nº 90, pp. 57-58

3 personagem de O Bem-Amado, telenovela brasileira escrita por Dias Gomes, produzida pela Rede Globo e levada ao ar de 24 de janeiro a 3 de outubro de 1973, às 22h, com direção de Régis Cardoso e supervisão de Daniel Filho. Foi a primeira telenovela em cores no Brasil, tendo sido a 17ª "novela das dez" exibida pela emissora

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