"Lava jato"

Cerveró e dois lobistas são condenados por propinas pagas em compra de navio

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17 de agosto de 2015, 13h46

O juiz federal Sergio Moro condenou nesta segunda-feira (17/8) o ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, a 12 anos, três meses e 10 dias de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na sentença, o juiz concluiu que ele negociou R$ 54,5 milhões em propinas para ele e para o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, para facilitar ao menos duas compras de navios-sonda, entre 2006 e 2007. A Petrobras pagou US$ 1,2 bilhão pelos equipamentos.

Cerveró já havia sido condenado, em maio, a cinco anos de prisão por utilizar um apartamento de luxo no Rio de Janeiro para lavar dinheiro recebido como fruto de corrupção. Ele não responde a mais nenhuma ação penal até agora, mas já teve pelo menos uma reunião para falar sobre delação premiada com o Ministério Público Federal. Contudo, advogados divergem sobre a possibilidade de se firmar um acordo de colaboração após a sentença.

Além disso, Moro condenou Fernando Baiano a 16 anos, um mês e dez dias de reclusão. Ele foi acusado de se aproveitar de uma “amizade íntima” com Cerveró para intermediar as comissões ilícitas.

O também lobista Júlio Camargo, do grupo Toyo Setal, que atuava na outra ponta da intermediação, com o estaleiro Samsung, foi condenado a 14 anos de reclusão, mas, por ter firmado acordo de delação premiada, teve sua pena reduzida a cinco anos em regime aberto.

Segundo o juiz, extratos de movimentações financeiras feitas no exterior comprovam um fluxo financeiro que saiu da Samsung, passou por Julio Camargo e chegou a Fernando Baiano e depois a Nestor Cerveró. Ele apontou também que Baiano fez 66 visitas a Cerveró de 2004 a 2008, na sede da Petrobras, o que demonstra a relação entre eles.

Moro diz também na sentença que uma auditoria interna da própria Petrobras constatou irregularidades nos processos de contratação dos navios-sondas, contrárias "às boas práticas negociais".

Já o doleiro Alberto Youssef, acusado de operar um esquema para lavar parte do dinheiro e ocultar o repasse das propinas, foi absolvido de lavagem de dinheiro. Condenado em cinco processos e réu em outros 11, Youssef vai ficar no máximo três anos presos em regime fechado, conforme acordo firmado em 2014.

Fundamentação
Nem o lobby para intermediar contratos nem a abertura e utilização de empresas off-shore são, em si, crimes. Porém, quando a pressão para firmar acordo envolve o pagamento de propinas a dirigentes de empresa estatal ou a agentes públicos, a conduta constitui corrupção. De forma semelhante, se contas empresariais no exterior são usadas para receber produto de ilícitos, fica configurada a lavagem de dinheiro.

Com base nesse entendimento, Moro fundamentou as condenações de Cerveró, Fernando Baiano e Camargo. Os dois primeiros foram culpados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O lobista foi equiparado a servidor público por ter intermediado as propinas ao ex-diretor da Petrobras.  Já o representante da Toyo Setal foi penalizado pelo crime financeiro e por corrupção ativa.

O juiz federal explicou que no caso houve o esquema conhecido como kick-back, no qual o agente público (Cerveró e Fernando Baiano) interfere para que um contrato com um ente estatal seja concedido a uma certa pessoa (a Samsung, representada por Camargo). Esta, por sua vez, repassa um percentual ao servidor do contrato ou de seus lucros. De acordo com Moro, nesse esquema, o dinheiro da propina já está contaminado por sua origem corrupta. Assim, se esses valores são entregues mediante condutas de ocultação e dissimulação, fica comprovada a lavagem de dinheiro.

Para fortalecer sua interpretação, o juiz citou a Ação Penal 470, o processo do mensalão. No julgamento deste caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato autorizou repasses sem causa à agência de publicidade DNA Propaganda, de Marcos Valério, e recebeu, mediante ocultação e dissimulação, parte dos valores como propina. Os ministros do STF enxergaram lavagem de dinheiro nessa prática, e o condenaram por esse crime, além de corrupção e peculato.

Delações válidas
Em sua decisão, Moro ressaltou que as delações premiadas de Youssef e Camargo foram válidas e espontâneas. Ele disse, mais uma vez, que nenhuma prisão foi feita com o intuito de forçar os acusados a colaborarem com a Justiça. E as condenações não se basearam unicamente nas informações obtidas por esse meio, uma vez que diversas provas confirmaram as alegações dos delatores.

Rebatendo argumentos de que as informações de Youssef e Camargo não seriam válidas — no primeiro caso, por o doleiro ter descumprido acordo de delação no caso Banestado, em 2004, e no segundo, por o lobista ter mudado seu depoimento —, o juiz da “lava jato” esclareceu que “não podem ser confundidas questões de validade com questões de valoração da prova”. Dessa maneira, por mais que as acusações aos dois sejam verdadeiras, se as declarações deles “soarem verazes e encontrarem corroboração em provas independentes”, elas serão válidas e terão valor probatório.

Falhas da defesa
Diversos argumentos e pedidos das defesas foram criticados por Moro na sentença. Em primeiro lugar, ele rebateu as alegações feitas pelos advogados de Cerveró e Fernando Baiano de que a 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) seria incompetente para julgar a ação uma vez que Camargo contou que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teria exigido dele o pagamento de US$ 5 milhões. O juiz federal voltou a afirmar que o deputado não é parte da ação, logo, não há por que o caso ir para o STF. Ademais, ele recordou que essa corte já autorizou o desmembramento do processo, ficando apenas com as investigações relativas ao parlamentar.

Moro também contestou a solicitação da defesa de Fernando Baiano para ouvir cinco testemunhas no exterior. Para o juiz, a defesa dele não estava interessada nessas provas, e visava apenas ao adiamento do julgamento. Como explicação disso, ele ressaltou que “a ampla defesa, direito fundamental, não significa um direito amplo e irrestrito à produção de qualquer prova, mesmo as impossíveis, as custosas, as protelatórias e, ainda no caso, as requeridas intempestivamente”.

Moro ainda refutou os pedidos dos defensores de Cerveró e Fernando Baiano para anular os depoimentos de Camargo, uma vez que eles seriam contraditórios. Na visão do juiz, a justificativa que o lobista deu para mudar suas declarações — de que estava com medo de represálias de Cunha — foi “razoável e plausível”, e as retificações fizeram com que as informações devessem ser consideradas.

A revista Consultor Jurídico não conseguiu entrar em contato com os advogados de Cerveró e Fernando Baiano. Ao jornal O Estado de S. Paulo, o defensor do ex-diretor da Petrobras, Edson Ribeiro, declarou que já esperava a decisão, e que irá recorrer dela, visto que há “várias nulidades”. Ele ainda garantiu que “enquanto for advogado de Nestor Cerveró, não haverá delação premiada”.

Por sua vez, o procurador do lobista, Nélio Machado, classificou ao mesmo jornal a pena que seu cliente recebeu de “absolutamente demasiada, despropositada diante das tradições do Direito penal brasileiro”. Segundo ele, houve cerceamento da defesa, pois as testemunhas do exterior eram importantes para a defesa de Fernando Baiano. Machado ainda destacou que a sentença “não tem base em prova nenhuma”.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.

Processo 5083838­59.2014.4.04.7000

*Texto alterado às 18h24 e às 17h59 do dia 17 de agosto de 2015 para acréscimos. 

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