Questão feminista

Advogada divulga "nota de repúdio absoluto" a reportagem publicada pela ConJur

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14 de agosto de 2015, 13h36

Indignada com a reportagem da revista Consultor Jurídico sobre o novo escritório de Marielle Brito, focado na defesa de homens em separações, a presidente da Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas do Direito do Estado de São Paulo, Rosana Chiavassa, enviou à ConJur uma "nota de repúdio absoluto".

Leia a nota:

NOTA DE REPÚDIO ABSOLUTO

 No último dia 11/08, Dia do Advogado e da Advogada, um dos sites de notícias do meio jurídico, o Conjur[1], cometeu duas agressões, quando publicou entrevista feita com uma jovem advogada de Brasília.

A primeira foi à ADVOCACIA, talvez sem perceber, trazendo modelo de pensar que absolutamente não é o da maioria absoluta das advogadas e advogados do Brasil. A ADVOCACIA, traz dentro de si, o ideal da profissão. A segunda agressão foi contra as MULHERES.

Sob o articulado título “IDEAL FEMINISTA”, a matéria informa que a advogada Marielle Brito inaugurou escritório focado na defesa de homens em processo de separação. O título da matéria nada tem a ver com o seu conteúdo.

Onde que o conceito da luta feminista de igualdade se enquadra na fala dessa profissional, que pretende ensinar, aos coitados dos homens empoderados, a se defender de ‘mulheres oportunistas’? Não é a toa que ela escolheu abrir seu escritório na Capital Federal

Como defender dessa forma as mulheres?

“Estou fazendo um bem às mulheres [ao defender homens], que é acabar com a raça da mulher oportunista, porque o que mais tem por aí são mulheres interesseiras, que querem conseguir um bom marido e viver à custa dele. Sou a favor de as mulheres não dependerem dos homens”.’

Ouso afirmar que essa jovem profissional nada sabe sobre feminismo. E mais, ouso afirmar ainda que desconhece a ética-profissional.

Só não é mais assustador porque temos visto que a referência do direito/dever está distante da maioria, profissionais do direito ou não. Vive-se o ‘vale tudo’.

Infelizmente, não é privilégio dela esta forma de pensar e advogar. Outros (poucos) profissionais assim já agiram, mas minimamente, sem alarde e com elegância. Mas, nossa Sociedade também vem perdendo isso.

Voltando ao assunto principal, deveria ela entender que o ideal feminista não admite conceituação própria e ao bel prazer de cada um. Da mesma forma, a Justiça. A luta é pelo cumprimento de preceito constitucional – igualdade de oportunidades e direitos – na vida pública e particular. Havendo essa igualdade, cabe a cada mulher o direito de escolha. Curiosamente, para quem não sabe, também este está na CF – livre arbítrio.

A palavra feminismo geralmente é muito mal empregada, possivelmente como uma estratégia de manutenção da sociedade patriarcal. Oportunismo é atributo de um gênero? Claro que não, é forma de criação. Daquela criação brasileira, da Lei de Gerson. Aliás, também escolhida pela protagonista da matéria.

‘vi inúmeros casos de esposas que nunca fizeram o menor esforço para trabalhar, mas na hora da separação vinham pedir guarda integral dos filhos e quantias desproporcionais do patrimônio do casal, construído pelo marido.’

Se esta profissional quer que respeitemos sua escolha, que ela então respeite as mulheres que optam por serem esposas, nos moldes desejados por esses ‘cavalheiros’. Sim, pois estes cavalheiros escolhem – porque querem – este perfil de mulheres. Coincidência de desejos onde cada um responde por suas escolhas.

É muito fácil, de novo, culpar essas mulheres. Difícil é engolir que esses homens são ‘pobres coitados’. Desculpe-me. São homens mais do que empoderados.

Talvez por morar e querer se firmar no ‘Paraíso do Brasil’ essa profissional não sabe que 80% dos casos que superlotam o Judiciário, na cota do direito privado, referem-se às pensões alimentícias de mulheres trabalhadoras que foram à luta, com as poucas condições que tiveram.

Data máxima venia, a matéria demonstra desconhecimento de história da opressão da mulher.

‘Marielle recomenda a seus clientes homens que não ostentem luxo e que não se gabem de seu patrimônio em conversas em público, de forma que não produzam provas contra eles próprios. Além disso, a advogada orienta os clientes a não atrasarem pagamentos de despesas familiares e a fazer uma conta corrente à parte, para que não entre na partilha.’

A falta de entendimento dessa profissional é de causar espécie. Pior, faz incitação ao ilícito quando afirma publicamente que é assim que orienta os seus ‘clientes’.

Será que esta profissional não sabe que o Direito se exerce com intercomunicações de leis? A Lei Maria da Penha[2] reputa, como conduta ilícita e inadmissível, fazer conta bancária em separado para não entrar na partilha (ocultação de patrimônio).

A advocacia que orienta clientes fora da lisura, ética e legalidade é a que coloca na tábula rasa do descrédito toda a nossa profissão. A Lei autoriza que o casal faça sua escolha patrimonial podendo, inclusive um dos cônjuges, hoje homens e mulheres, blindar bens adquiridos antes e/ou durante o enlace.

O pior é que fica claro que essa profissional não tem nenhum ideal, muito menos o da ‘luta feminista’, pois além de afirmar que as mulheres em sua maioria são "interesseiras”, ofendendo o seu próprio gênero, informa que excepcionalmente aceita representar mulheres. Nós, mulheres da causa, perguntamos: coincidentemente serão as ricas?

O movimento feminista repudia a publicação da matéria pelo Conjur, pois é desconexa com interesse e utilidade. É meramente sensacionalista! E repudia também o ideal dessa profissional, distanciado da verdade histórica e atual da luta e dos princípios éticos da advocacia.

Conheço de longa data e respeito o Conjur. Por esta razão, sinto-me à vontade para lhe fazer dois questionamentos: Quais foram às razões que o levaram a publicar está matéria, que no fundo é uma propaganda de captação de clientela endinheirada, como se fosse um ideal? E por que no Dia do Advogado e das Advogadas?  A imprensa também deve ser politicamente correta.

Dessa advogada nada esperamos. Mas é importante que ela saiba que está contribuindo para o machismo.

Em verdade, a publicação dessa matéria pode, como um bumerangue, voltar-se contra essa profissional, de forma devastadora, pois provavelmente ‘homens inteligentes’ não a contratarão pelo ‘estigma’ que ela mesma criou. Afinal, quem vai querer que o Magistrado de seu processo imagine, de saída, que está ocorrendo, no mínimo, ocultação patrimonial?

Rosana Chiavassa
Presidente
Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas do Direito do Estado de São Paulo”
[1] www.conjur.com.br
[2] Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

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