Olhar Econômico

"Minério verde" será parte do futuro da mineração no Brasil

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

13 de agosto de 2015, 8h00

Spacca
Caricatura João Grandino Rodas (nova) [Spacca]Quando se fala em recuperar a economia, uma palavra de ordem é incrementar o comércio exterior. Na atual conjuntura pela qual passa o Brasil, nada mais urgente e necessário, especialmente tendo-se em vista a escorchante carga tributária que nos vitimiza. Será tanto melhor, se por meio da inovação tecnológica e dos incentivos fiscais se puder estimular o surgimento e/ou crescimento das empresas brasileiras, comprometidas com a sustentabilidade ambiental e, máxime, com a diminuição de impactos ambientais severos, infelizmente tão comuns nos quatro cantos de nosso país.

Lembre-se que incentivo fiscal é política econômica que gera aumento de investimentos em certo setor, por meio da não cobrança ou da diminuição de impostos, sendo sua forma mais usual a isenção fiscal. Por outro lado, uma boa conceituação de inovação tecnológica foi dada no parágrafo 1º do artigo 17 da Lei 11.196/2005 (conhecida popularmente como “Lei do bem”, pois cria a concessão de incentivos fiscais às pessoas jurídicas que realizarem pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica): “concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado”.

Apesar da diversificação dos produtos exportados pelo Brasil, o papel do metal na economia brasileira foi e continua sendo de grande importância. Esse fato chama-me a atenção de longa data[1] e constituiu-se em boa surpresa ter tomado conhecimento da tecnologia a seco de concentração de rejeitos, estéreis e de minérios de baixo teor provenientes da mineração de ferro, com externalidades altamente positivas. Mais especificamente, trata-se da possibilidade de produzir minério de ferro e outros minerais a partir da remediação ambiental de bota-foras de resíduos e estéreis, áreas com potencial de causar impacto e acidentes ambientais, com danos à população. Os materiais recuperados das barragens, mormente minério de ferro, são transformados em metal, gerando renda, fomentando a atividade econômica, e promovendo o equilíbrio de locais ambientalmente deteriorados. Ressalte-se que o pioneiro processo a seco (hoje de importância ímpar, pela recente conscientização, no Brasil, de que água é insumo crítico)[2], foi elaborado por empresa privada em cooperação com a tradicionalíssima Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto. Por encontrar-se patenteada, a tecnologia pode ser objeto de futuro licenciamento, para sua utilização mais ampla, incluindo terceiros.

Sob variados prismas, pode-se observar os benefícios do “minério verde” no aumento da sustentabilidade: economia de recursos, visto tratar-se de matéria-prima do processo siderúrgico; economia de água, por ser processo a seco; diminuição do risco de contaminação da água; economia de energia no processo e frete, em virtude de não dispender energia na manipulação e combustível no transporte até as siderúrgicas e por não haver consumo de coque na evaporação de águas dos fornos; diminuição de riscos e passivos ambientais; e por prescindir da construção de barragens.

Por outro lado, o “minério verde” impacta beneficamente sobre a produção, o emprego e os salários do setor econômico em questão. Por via de consequência, aumenta a receita do Estado, via impostos, o que afasta o temor de perda de tributos em razão da renúncia fiscal. Se o setor da mineração é altamente empregador e tende ao crescimento, a fabricação de “minérios verdes” necessita duas vezes mais trabalhadores. Por sua natureza, a indústria respectiva tende a contratar trabalhadores locais, facultando-lhes o treinamento necessário; bem como remuneração superior ao da simples lavra, devido à utilização de maquinário sofisticados, e, por conseguinte, de trabalhadores especializados.

Por meio de processo a seco, transformam-se materiais destituídos de valor econômico em produtos equivalentes e até superior em termos de qualidade aos minérios comercializados, ou seja, obtém-se o mesmo produto por meio de processo produtivo diferente. O produto obtido foi denominado “minério verde”, em virtude de recuperar rejeitos deixados pela mineração convencional e de utilizar menos água e menos energia, se comparado com o processo ordinário “a úmido”. Tais ganhos ambientais são altamente relevantes!

Se, de um lado, é óbvio que a estrutura de custos de produção do “minério verde” é mais elevada do que a produção mineira nos moldes usuais, por envolver atividade transformadora (custos operacionais — OPEX — por volta de 100% maior que o da mineração tradicional); por outro, os ganhos — externalidades positivas — da produção dos citados minérios para o meio ambiente e para toda a sociedade saltam aos olhos.

Obviamente, são altos os investimentos para se implantar e manter uma unidade de recuperação, pois as respectivas estruturas de custo são superiores. Em razão dos custos substancialmente maiores do setor de fabricação de “minérios verdes”, esse setor, atualmente incipiente no estado de Minas Gerais, não prosperará se a ele continuar sendo aplicada a mesma estrutura tributária da mineração em geral, o que representa inibição e desestímulo. Impõe-se, portanto, caso se queira usufruir das externalidades já apontadas que esse setor gerará, tratamento diferenciado no que respeita à política pública, tanto em geral, quanto na tributária, com seu enquadramento em regime fiscal alternativo.

Várias são as possibilidades, que vem sendo aventadas, de enquadramento fiscal, que possibilitem ao setor competir mais equanimemente com a mineração tradicional. Se os “minérios verdes” forem classificados em um regime cumulativo, poderá haver abatimento de imposto anteriormente recolhido na cadeia produtiva. Poder-se-ia aplicar o “lucro presumido” na tributação do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Poderia haver redução nas alíquotas de ICMS, referentemente às operações internas e interestaduais. Mimetizando-se políticas em voga na Sudam e na Sudene, seria possível, ainda, isenção de imposto de renda sobre lucros de exploração, em razão de fomentar atividade em prol do bem comum. Há que se estudar a melhor solução e implementá-la sem tardança.

É impositivo concluir que o futuro viável da mineração brasileira depende do aumento da produção de “minérios verdes”, que significa aumento de 25% das reservas viáveis economicamente de minério de ferro, pois permite aproveitamento de rejeitos com somente 19% de óxido de ferro, enquanto que a mineração convencional necessita de um teor mínimo de 38%. Ademais, os benefícios com externalidades e o impacto positivo sobre produção, empregos e salários são extremamente positivos e indispensáveis, principalmente nos tempos difíceis em que vivemos e continuaremos a viver, caso medidas inovadoras tecnológica, econômica e legalmente deixarem de ser tomadas.


1 Rodas, João Grandino, Os Metais na Economia Brasileira, s.c.p., São Paulo, 1965. (Monografia ganhadora do Prêmio Gastão Vidigal de Economia Política, da Faculdade de Direito da USP).

2 Além de a mineração ser atividade potencialmente poluidora, é alta consumidora de água. Quanto menor for a taxa de água no minério, maior será a taxa de carregamento do forno e menor a do consumo de energia.

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    é decano dos professores titulares da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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