Conflito de normas

Barroso pede vista e julgamento sobre vaquejada é suspenso no Supremo

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12 de agosto de 2015, 21h30

A vaquejada, tradição cearense, é resumida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio da seguinte maneira: o boi, inicialmente, é enclausurado, açoitado e instigado a sair em disparada. Em seguida, a dupla de vaqueiros montados a cavalo tenta agarrá-lo pela cauda. O rabo do animal é torcido até que ele caia com as quatro patas para cima.

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Para Fachin e Gilmar Mendes, nao há razões para proibir o evento.Reprodução

Nesta quarta-feira (12/8), Marco Aurélio, relator da ação que pede a declaração de inconstitucionalidade da lei que qualificou a vaquejada como prática desportiva e cultural, afirmou que a prática vai contra a proteção ao meio ambiente, assegurada pelo artigo 225 da Constituição.

Em seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.983, ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra a Lei 15.299/2013 do estado do Ceará, o ministro explicou que o dever geral de favorecer o meio ambiente é indisputável, sobrepondo-se à garantia do artigo 215 da Carta Magna, que garante o pleno exercício dos direitos culturais.  “A crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado”, disse Marco Aurélio.

Um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, suspendeu o julgamento da ação. Os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes entenderam que o pedido de Janot é improcedente.

Divergência
O ministro Edson Fachin abriu divergência ao votar pela improcedência do pedido. Segundo o ministro, o próprio Ministério Público Federal, na petição inicial, reconhece a vaquejada como manifestação cultural. Esse reconhecimento, para Fachin, atrai a incidência do artigo 215, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

“É preciso despir-se de eventual visão unilateral de uma sociedade eminentemente urbana com produção e acesso a outras manifestações culturais, para se alargar o olhar e alcançar essa outra realidade. Sendo a vaquejada manifestação cultural, encontra proteção expressa na Constituição. E não há razão para se proibir o evento e a competição, que reproduzem e avaliam tecnicamente atividade de captura própria de trabalho de vaqueiros e peões desenvolvidos na zona rural desse país. Ao contrário, tal atividade constitui-se modo de criar, fazer e viver da população sertaneja”, concluiu.

Ao adiantar voto, o ministro Gilmar Mendes seguiu o entendimento do ministro Fachin, julgando improcedente a ação. Em seguida, o ministro Roberto Barroso pediu vista dos autos.

Para Janot, o momento é de dar um passo à frente no processo civilizatório brasileiro, apesar da vaquejada ser reconhecida como um patrimônio nacional. Ele afirma que o STF deve ter posicionamento contramajoritário para vencer situações consolidadas pelo tempo, citando dois casos classificados como “evolução da jurisprudência”: a farra do boi e as rinhas de galos. Para ele, a Justiça, ao proibir as práticas, optou pela “evolução do nosso processo civilizatório”. Janot afirma que existem estudos técnicos que apontam que a prática da vaquejada provoca danos aos animais. 

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, representando a Associação Brasileira de Vaquejada como amigo da corte no processo, disse durante a sustentação oral que a lei cearense busca proteger o vaqueiro e os animais de maus tratos e regulamentar a prática. “A lei proíbe as práticas clandestinas de vaquejada”, disse, acrescentando que as vaquejadas vão continuar mesmo se a lei for derrubada, mas sem condições mínimas de segurança. 

Ele reconheceu que a primeira impressão dele sobre a prática, quando foi chamado pela entidade, foi negativa, “de que eu estava do lado errado” da discussão. Depois de estudar o tema, disse, ficou convencido de que não se pode impedir o esporte com o argumento de que é atrasado. Ele citou regulamento sobre a prática feita pelo estudioso da cultura brasileira Câmara Cascudo, na década de 1950, e citações sobre a importância para a cultura do Nordeste em músicas de compositores populares.

Clique aqui para ler o voto do ministro Marco Aurélio.

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