Opinião

Novo CPC define balizas à estipulação dos honorários sucumbenciais

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7 de agosto de 2015, 13h05

Sobre os honorários sucumbenciais cabíveis ao advogado e os princípios fundamentais que os regem, cumpre-nos tecer algumas ponderações essenciais introdutórias.

Um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito consiste no valor social do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1o, IV, da Constituição Federal).

O advogado, em seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social (artigo 2o, parágrafo 1o, da Lei 8.906/94) e, há séculos, tendo em vista a relevância quase sagrada do seu mister, percebe honorários, vocábulo oriundo da palavra honra, os quais devem ser compatíveis “com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil” (artigo 22, parágrafo 2o, da Lei 8.906/94).

De Plácido e Silva (in Vocabulário Jurídico, 18ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2001, p. 400) define honorário como sendo “tudo que é dado por honra (…)”.

Atualmente, o advogado tem mesmo o dever de “evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários”, consoante o artigo 41 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.

O saudoso professor Noé Azevedo, homenageado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Boletim da Aasp, jan/fev 1997, página 14), por ocasião do centenário de seu nascimento, acerca da fixação de honorários advocatícios, já teve oportunidade de obtemperar, verbis:

Operários intelectuais, reclamamos o salário, que é o nosso pão de cada dia. Nessa quadra socialista e quase comunista, já não reclamamos a expressão fidalga de honorários. Aceitamos de bom grado salários. Mas será doloroso receber gorjeta.

Os honorários advocatícios sucumbenciais, em face do acima exposto, se encontram relacionados à remuneração da relevante função exercida pelo advogado no âmbito das causas judiciais e não deve, em absoluto, sofrer o aviltamento que lamentavelmente vem sofrendo em alguns setores da jurisprudência, que têm indevidamente optado por desgarrar-se dos parâmetros percentuais indicados no CPC (10 a 20%, tanto no CPC de 1973 quanto no de 2015) para banalizar a fixação por equidade em patamares irrisórios, ofensivos até.

A fixação equitativa deve ser subsidiária, a ser adotada quando não estiverem claramente presentes as situações indicadas no segundo parágrafo do art. 85 do CPC de 2015. Com efeito, apenas deverá ser utilizada a fixação equitativa se verificada exatamente a hipótese do parágrafo 8o do artigo 85 do CPC de 2015: “Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do parágrafo 2º.”

Feitos tais registros preambulares, nos direcionemos aos princípios aplicáveis aos honorários advocatícios, particularmente os honorários advocatícios relacionados à atuação do advogado em ações judiciais (honorários sucumbenciais).

São três os princípios básicos que servem de baliza à estipulação dos honorários sucumbenciais.

O primeiro princípio a ser comentado é o princípio da causalidade.

A teor do princípio da causalidade, os custos inerentes à deflagração e ao desenvolvimento de um processo devem ser suportados por aquele que deu causa à ação.

Em termos gerais, o responsável pelos custos inerentes ao processo é o vencido, vale dizer, o sucumbente.

Com efeito, ao ser determinada parte de uma ação judicial considerada, por decisão judicial, não detentora de razão no plano jurídico, revela-se que a existência de uma ação judicial (e, consequentemente, de um processo judicial) deveu-se apenas e exclusivamente à postura não compatível com o ordenamento jurídico da parte sucumbente. Em outras palavras, foi a conduta da parte perdedora que ocasionou a existência de um processo judicial e de todos os custos a ele inerentes.

Se restou decidido, no plano da ação judicial, que uma das partes não tem juridicamente razão, considera-se que esta parte deu causa à demanda, dando causa, por conseguinte, a todos os custos inerentes a esta demanda. Em virtude desta relação de causalidade entre a conduta do sucumbente (=derrotado) e a existência da ação judicial, àquele impõe-se o dever de suportar os custos legalmente inerentes à existência da demanda, dentre os quais se inclui a figura dos honorários sucumbenciais.

Há, por assim dizer, uma relação de causalidade entre derrota e honorários sucumbenciais.

Tratemos, agora, do segundo princípio aplicável aos honorários advocatícios sucumbenciais: o princípio da sucumbência, seguramente o principal princípio aplicável ao tema.

O termo “sucumbência” traz inerente a si a ideia de perda, de derrota, de improcedência total ou parcial de um pedido ou de uma posição de resistência adotada em determinada ação judicial.

Uma vez verificada a sucumbência de uma parte relativamente à outra no plano jurídico, à parte sucumbente incumbirão todos os custos, despesas e desembolsos suportados pela outra em virtude da existência da ação judicial.

Em acréscimo, deverá a parte sucumbente, também, arcar com a chamada verba honorária sucumbencial, a ser fixada pelo juízo conforme os parâmetros estabelecidos nos arts. 85 e seguintes do CPC de 2015.

Predito art. 85, aliás, trata frontalmente do princípio da sucumbência, fazendo-o da seguinte forma: “Artigo 85 —  A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.”

Em face da leitura do artigo 85 acima mencionado, afigura-se de meridiana clareza a ratio essendi do princípio da sucumbência relativamente aos honorários sucumbenciais: impor à parte de determinada ação judicial cujas razões foram improvidas uma espécie de sanção pecuniária adicional, consistente no pagamento de honorários advocatícios aos advogado que funcionou em patrocínio dos interesses da parte adversa.

Observe-se, porque oportuno, que nem sempre apenas uma parte é vitoriosa e a outra é sucumbente: pode dar-se a chamada sucumbência recíproca, fenômeno caracterizado pela circunstância de que tanto autor quanto réu sucumbiram, em maior, menor ou igual grau, relativamente aos pedidos que formularam, sendo de que, nesta situação, todos deverão, nos parâmetros que forem adotados pelo juízo, arcar com honorários sucumbenciais.

A fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais deverá observar, como alíquota e regra geral, algo entre 10 e 20% (i) sobre o valor da condenação, (ii) sobre o valor do proveito econômico obtido ou, subsidiariamente, caso não seja possível mensurar este último, (iii) sobre o valor da causa.

Em termos de parâmetros ou critérios para a eleição de percentual entre 10 e 20%, caberá ao órgão jurisdicional observar o que dispõem os incisos I a IV do parágrafo segundo do art. 85 do CPC de 2015: “I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa; IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.”

Acerca dos percentuais de fixação dos honorários sucumbenciais, observe-se que o CPC de 2015, em outras passagens do art. 85 sob comento (notadamente a partir do parágrafo terceiro deste dispositivo legal), contém disposições que cuidam de percentuais menores que 10% caso uma das partes seja a Fazenda Pública.

É de se observar, por fim, que a fixação do percentual dos honorários sucumbenciais deve levar em conta, a nossa ver, não só o potencial remuneratório ao advogado que patrocinou a vitória de uma das partes, mas também deve servir de sanção patrimonial à parte derrotada para que esta sofra materialmente as consequências de uma conduta que o Judiciário reputou indevida (tanto que sucumbente no âmbito da ação), o que nos permite entrever caráter pedagógico da parte derrotada na estipulação dos honorários sucumbenciais.

Um terceiro e derradeiro princípio que identificamos aplicar-se aos honorários sucumbenciais é o princípio da autonomia, já consagrado pela jurisprudência quando da vigência do CPC de 1973 e expressamente prestigiado no CPC de 2015, cujo artigo 85, parágrafo 14, dispõe: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.

.Acerca de encimado princípio da autonomia, não se pode descurar do que dispõe a norma regente da Advocacia. Ipso facto, dispõe o artigo 22 da Lei Federal 8.906/94 (o chamado Estatuto do Advogado):

Artigo 22 — A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

Os honorários sucumbenciais, portanto, constituem direito autônomo do advogado e, portanto, independente da execução do crédito principal.

Já na vigência do CPC de 1973, a jurisprudência firmou-se no sentido de reconhecer a existência de legitimidade concorrente entre o advogado e o cliente para promover a execução da verba honorária.

Por todos, merece destaque o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 766.103-SP, de relatoria do ministro Luiz Fux, DJ de 30 de outubro de 2006, cuja ementa, no que pertine ao tema, é suficiente para revelar o entendimento daquela corte:

(…) 2. É cediço nesta corte que a execução da sentença, na parte alusiva aos honorários resultantes da sucumbência, pode ser promovida tanto pela parte como pelo advogado. Precedentes: Resp 533419⁄RJ Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito  DJ 15.03.2004; REsp 457753⁄ PR, Relator  Ministro Ari Pargendler,  DJ 24.03.2003;RESP 456955⁄MG, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 19.12.2003; AGA 505690⁄DF, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 17.11.2003; REsp n. 191.378⁄MG, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJ de 20.11.2000; REsp n. 252.141⁄DF, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, unânime, DJ de 15.10.2001; REsp n. 304.564⁄MS, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, unânime, DJ de 04.06.2001

O CPC de 2015 ilustra com vivas cores a natureza alimentar e a equiparação dos honorários aos créditos de natureza trabalhista no acima citado artigo 85, parágrafo 14: “(…)  têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho (…)”.

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