Quinhão do advogado

Projeto obriga réus a comprovar que dinheiro de honorários é lícito

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6 de agosto de 2015, 15h52

Tramita no Senado desde a terça-feira (3/8) um projeto de lei para obrigar os réus em ações de improbidade administrativa e por crimes contra a administração pública a comprovar a origem lícita do dinheiro que usam para pagar seus advogados. O texto, de autoria do senador José Medeiros (PPS-MT), propõe alterações no Código Penal, na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei de Crimes Financeiros, mas não prevê punições a quem não declarar a licitude do dinheiro.

Para o senador ,“é preciso que haja transparência!”, conforme escreveu na justificativa do projeto. “Investigados e réus nas referidas ações desviam, recebem ou auferem vultosos montantes de recursos de origem ilícita. Não obstante, utilizam esses valores no pagamento dos melhores advogados, já que nem sempre é possível a localização de todo o produto ou proveito auferido em razão da prática de atos de improbidade ou infrações penais.”

É o mesmo argumento usado pelo deputado Celso Pansera (PMDB-RJ) quando pediu para que a CPI da Petrobras convocasse a advogada Beatriz Catta Preta para depor. A CPI autorizou a convocação, mas sob críticas de empreender violação à prerrogativa de sigilo entre advogados e clientes.

Beatriz é a advogada que coordenou os principais acordos de delação premiada de investigados na operação policial que apura denúncias de corrupção em contratos e licitações da Petrobras, apelidada de “lava jato”. Ela já disse que vai depor à CPI, mas não pretende revelar o que estiver protegido por suas prerrogativas.

No projeto, o senador José Medeiros reconhece que, de acordo com o artigo 131 da Constituição Federal, “o advogado é indispensável à administração da Justiça e inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Portanto, sobre o advogado, “deve prevalecer a “presunção de boa-fé”.

Já o direito de defesa, argumenta, pode ser flexibilizado: “No caso do investigado ou do réu, no entanto, como já existem indícios da prática de ato de improbidade ou de crime, é preciso que sobre ele recaia a obrigação de provar a origem lícita dos recursos utilizados para o pagamento de sua defesa”.

Brincadeira legislativa
A ideia não é bem vinda na comunidade jurídica. “Isso é uma bobagem, uma brincadeira”, comenta o advogado Técio Lins e Silva, presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB). “Para ser isonômico, isso deve ser estendido aos médicos, dentistas, donos de estabelecimentos comerciais. O taxista, no fim da corrida, vai ter de pedir a declaração do Imposto de Renda de todos os seus clientes”, prevê o criminalista.

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, também parece tranquilo quanto ao futuro do projeto. “O Supremo Tribunal Federal reconhece que fere o constitucional direito de defesa a quebra do sigilo na relação entre o advogado e o cliente. O projeto é flagrantemente inconstitucional.”

Ônus da prova
O professor de Direito da USP Renato de Mello Jorge Silveira, diretor da Escola Paulista de Advocacia, do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), é outro crítico do projeto. "O projeto peca e erra em vários sentidos", afirma.

Primeiro, diz, porque "parte do princípio de que já existe um prejulgamento de culpa simplesmente porque a pessoa responde a determinados crimes". "O texto erra por violar a presunção de inocência."

O segundo erro, segundo o professor, é a "inversão do ônus da prova sem tamanho". O senador justifica que não está prejudicando o direito de defesa, mas dando ao réu um oportunidade de dizer que não está fazendo nada errado: "Pode-se dizer que essa regra será benéfica para os próprios réus, que, comprovando que não se valem de valores ilícitos, já anteciparão que não praticaram qualquer ato ilícito".

Para o professor Renato Silveira, o erro é "tentar prejudicar a defesa de acusados por alguns crimes na expectativa de que isso vá reduzir situações de corrupção". 

"Tenho medo de que essa onda de combate à corrupção acabe prejudicando o direito de defesa dos cidadãos. Esse projeto é de todo simbólico e de um simbolismo errado. Restrições ao direito de defesa não vão conseguir reduzir o cometimento de crimes de corrupção. O que tem de ficar claro é que sabemos como se iniciam os cerceamentos de direitos, mas não onde eles vão terminar."

PLS 500/2015

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