Suprema Corte dos EUA é pressionada a adotar critérios de suspeição e impedimento
3 de agosto de 2015, 11h52
Todos os juízes dos EUA, à exceção dos ministros da Suprema Corte do país, devem obedecer o “Código de Conduta dos Juízes dos Estados Unidos”, também chamado de “código de ética dos juízes”. A exceção não agrada a alguns setores da comunidade jurídica e a membros do Congresso, que vêm pressionando a corte a adotar um código de ética há quase duas décadas. A principal queixa é a de que alguns ministros da corte não se declaram impedidos de votar, quando há conflito de interesses. E ninguém pode fazer nada.
No final da semana passada, voltou a ser discutido um projeto de lei, apresentado em 2013 pelo senador democrata Chris Murphy e pela deputada republicana Louise Slaughter, para “preencher esse vácuo”. O projeto da “Lei da Ética da Suprema Corte”, proposto por eles, sequer escreve um código de ética para a corte. Ele pede à corte que escreva seu próprio código de ética.
Porém, o presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, resiste à ideia de que os ministros da corte necessitam de um código de ética. Em seu relatório de 2011, enviado ao Congresso e a outras instituições, ele escreveu que “existe uma diferença fundamental entre a Suprema Corte e os demais tribunais federais”, para justificar sua posição.
A diferença, segundo ele, é que a Constituição criou a Suprema Corte e deu ao Congresso o poder e estabelecer todos os demais tribunais federais inferiores. Para definir políticas para os tribunais, o Congresso criou um grupo de juízes federais de primeiro grau e de tribunais de recurso, chamado Conferência Judicial, que é presidido pelo presidente da Suprema Corte.
A Conferência criou o “Código de Conduta”, que estabelece, entre outras coisas, que o juiz não deve se engajar em atividades políticas, não deve falar em eventos de levantamento de fundos de uma organização partidária, não pode se associar a um clube que discrimina com base em raça, sexo, religião ou nacionalidade e regulamenta o impedimento de um juiz, quando há conflitos de interesse.
Quando uma parte peticiona a um tribunal para reclamar o impedimento de um juiz, pelas razões expostas na petição, o pedido é investigado e decidido pelo presidente do tribunal, não pelo próprio juiz. Essa regra se baseou em um axioma fundamental da lei anglo-americana, do Século XVII, segundo o qual “nenhum homem deve ser o juiz de seu próprio caso”. De acordo com os sites The New Yorker e Politico, é exatamente isso que está acontecendo com alguns ministros da Suprema Corte.
O principal alvo dos críticos da corte é o ministro Antonin Scalia. Em um dos casos, ele rejeitou uma petição para se declarar impedido no julgamento do então vice-presidente Dick Cheney, de quem era amigo pessoal. Enquanto o caso estava pendente, Scalia e Cheney foram caçar juntos. Cheney mandou um jatinho particular buscar Scalia e dois membros de sua família em Washington, para levá-los a Louisiana, onde caçaram. A maioria conservadora votou a favor de Chenney. Scalia e o ministro Clarence Thomas escreveram, em voto separado, que as atividades do vice-presidente nunca deveriam ser “escrutinadas em um contencioso”.
Recentemente, a Suprema Corte tomou uma decisão que resultou no fechamento da empresa Aero, um serviço de transmissão contínua de programas de televisão que, de acordo com a decisão, violava os direitos autorais das emissoras de TV. O ministro John Roberts participou do julgamento e votou a favor das emissoras, apesar de ele ser portador de US$ 500 mil em ações da Time Warner, que tinha interesse no caso.
Roberts e os ministros Stephen Breyer e Samuel Alito detêm volumes substanciais de ações de empresas privadas, segundo a revista Time. No período de 2009 a 2014, eles votaram em 37 casos em que essas empresas tinham interesses. Desses votos, 27 foram em favor dessas empresas. Em nenhum dos casos, qualquer um deles se declarou impedido.
Os demais ministros da corte também fazem investimentos, mas em diversos tipos de fundos, como fundos de pensão, que, por sua vez, escolhem as empresas nas quais vão investir. Assim, esses ministros não têm interesses específicos em determinadas empresas e o potencial de criação de conflito de interesses é substancialmente menor.
Quase todos os ministros da Suprema Corte já foram juízes de tribunais de recurso, onde eles eram regularmente “desqualificados” para participar de uma votação desse tipo. O Código de Conduta dos Juízes diz que, quando um juiz tem interesse em uma corporação que está em julgamento ou que protocolou um “amicus curiae” em determinado caso, ele deve ser “desqualificado”.
Apesar de os juízes das cortes inferiores estarem sujeitos ao código de ética, há problemas de conflitos de interesse nos 37 estados em que eles são eleitos. Isso porque os principais doadores para suas campanhas são advogados. E é comum que advogados defendam uma causa em julgamentos presididos por juízes que apoiaram nas campanhas.
A conclusão de um estudo feito pela American Bar Association (ABA) foi a de que não basta que um juiz seja imparcial. É preciso que o público perceba a imparcialidade. Assim, o público irá, mais provavelmente, acreditar na imparcialidade do juiz, se a decisão de impedi-lo ou não de atuar em um julgamento for tomada por outro juiz, depois de conduzir uma avaliação independente.
Novo CPC
No Brasil, as causas de impedimento e suspeição estão previstas no Código de Processo Civil. Segundo o código, é dever do juiz declarar-se impedido ou suspeito, podendo alegar motivos de foro íntimo. No impedimento há presunção absoluta (juris et de jure) de parcialidade do juiz em determinado processo por ele analisado, enquanto na suspeição há apenas presunção relativa (juris tantum).
O novo CPC, que entra em vigor em março de 2016, traz no artigo 145 os casos em que o juiz deverá declarar suspeição, como quando for amigo ou inimigo de qualquer uma das partes ou quando receber presentes de pessoas que tenham interesse na causa a ser julgada.
É, no entanto, no artigo 144 — que lista os motivos para impedimento — que está uma das grandes polêmicas do novo CPC. Segundo a norma, o juiz está impedido de julgar processos em que figure um cliente do escritório no qual trabalhe cônjuge ou parente até o terceiro grau, mesmo que o caso em questão seja "patrocinado por advogado de outro escritório”.
Ou seja, o cliente da área cível de um escritório no qual trabalha o sobrinho criminalista de um juiz de Fazenda não poderá ser julgado pelo magistrado nem mesmo se for representado por outro advogado, de outro escritório. A crítica é que, na tentativa de impedir o tráfico de influência, o novo CPC pode separar famílias. Ou, ainda, que a única saída para quem vem de uma família de juristas é abandonar a toga.
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