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"Até o final de 2015, toda a Justiça do Trabalho usará o PJe"

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2 de agosto de 2015, 7h20

Spacca
A Lei do Inquilinato, que regula o mercado de aluguéis residenciais e comerciais, de 1991, permitiu que, pela primeira vez, um ato processual fosse enviado por meio de fax. O tempo avançou, as máquinas de fax estão quase extintas, os computadores se tornaram cada vez mais presentes na vida dos cidadãos e o Congresso Nacional foi forçado a pensar em uma lei que versasse sobre o processo judicial informatizado, o que resultou na Lei 11.419/2006. Os parâmetros foram estabelecidos, e aguardou-se um protagonista topar o desafio surfar na novidade.

Há três anos e meio, a Justiça do Trabalho assumiu as rédeas e está hoje na vanguarda do Processo Judicial Eletrônico. Em junho de 2015, mais de 80% das varas do Trabalho já estavam operando no PJe-JT. São quatro milhões e meio de processos de primeiro grau na base de dados e 300 mil processos na segunda instância, cujos 24 tribunais já operam na nova plataforma. Dados da Coordenadoria Nacional do PJe-JT apontam que um processo eletrônico leva 169 dias na primeira instância, enquanto o físico leva 380 dias. Praticamente o dobro do tempo.

A reportagem do Anuário da Justiça do Trabalho, que acaba de ser lançado, conversou com a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) Ana Paula Pellegrina Lockmann sobre os desafios e as dificuldades de tornar possível um projeto dessa envergadura. Ela é a coordenadora nacional do Sistema do PJe-JT, criado pelo Tribunal Superior do Trabalho, e diz que tem trabalhado de 14 a 15 horas por dia e viajado o país para dar conta das demandas do PJe. “Todos os tribunais têm trazido sugestões para trabalharmos com novas funcionalidades, novas ferramentas. Isso é muito importante”, diz Lockmann.

Além da agilidade para peticionar e dar andamento a um ato processual, a economia de papel é imensa e torna os gabinetes e secretarias mais arejados, sem pilhas e pilhas de processos. “É uma quebra de paradigma. A Justiça do Trabalho está na vanguarda desse processo, também não tenho dúvida disso. Não existe no mundo um projeto dessa magnitude, não existe paralelo. Existem vários países com processos eletrônicos, com projetos do Judiciário informatizado, mas não existe um processo judicial eletrônico com essa amplitude”, afirma a desembargadora.

Leia a entrevista:

ConJur — Como se deu o início do PJe na Justiça do Trabalho?
Ana Paula Lockmann —
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça lançou o sistema processual eletrônico como uma nova forma de atuar no Poder Judiciário do Brasil, que seria por meio do Processo Judicial Eletrônico. E a Justiça do Trabalho, por meio de um termo de cooperação técnica, aderiu ao sistema Processo Judicial Eletrônico no ano seguinte e as administrações do Tribunal Superior do Trabalho entenderam como prioritário adotar o PJe nas suas administrações. Nos tribunais regionais do trabalho, nas varas do trabalho, adotou-se o PJe como diretriz prioritária. Em dezembro de 2011, a 1ª Vara do Trabalho de Navegantes, em Santa Catarina, foi a primeira a receber o PJe, na fase de conhecimento.

ConJur — E por que em Navegantes?
Ana Paula Lockmann —
Foi uma decisão, na época, da administração do TST em conjunto com o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Não saberia informar o porquê de ter sido escolhida Navegantes, mas foi na época a escolha da administração do TST. Com isso, em dezembro de 2015, vamos completar quatro anos de implantação do PJe na Justiça do Trabalho. E hoje nós podemos dizer que 81% das varas e 100% dos TRTs já trabalham com o PJe.

ConJur — Pelo ritmo de implementação, até o final do mandato do ministro Barros Levenhagen, que se encerra em fevereiro de 2016, o PJe estará implantado em 100% das varas?
Ana Paula Lockmann —
O prognóstico é que estejamos, se não em 100%, muito próximo de 100%. Hoje temos 1.257 varas que já usam o sistema PJe. A Justiça do Trabalho está na vanguarda na instalação do PJe, isso é evidente. Se verificarmos um mapa em relação às demais Justiça vamos verificar que é quase 80% em relação às demais.

ConJur — Apesar desse avanço, juízes e desembargadores ainda têm muitos processos em papel para julgar. Em quanto tempo as varas e os tribunais eliminarão completamente os processos físicos na Justiça do Trabalho?
Ana Paula Lockmann —
É um prognóstico arriscado, mas acredito que seja rápido. Todos sabem que a Justiça do Trabalho é muito célere. O problema é que há certa disparidade entre tribunais. Alguns já estão totalmente no PJe, outros ainda estão em fase de migração para o sistema. Então, sem dúvida nenhuma, haverá uma diferença de período. Hoje, 15 tribunais se encontram 100% no PJe.

ConJur — Há previsão para que haja diálogo entre o sistema da Justiça do Trabalho e o do Ministério Público ou de outros ramos da Justiça?
Ana Paula Lockmann —
Cada Justiça acabou tomando o seu próprio caminho. Havia um projeto do Conselho Nacional de Justiça de unificação, que está sendo retomado agora com o Escritório Digital. Em breve, os advogados poderão peticionar qualquer tipo de processo por meio dessa plataforma. Na Justiça do Trabalho, já no segundo semestre deste ano, vamos começar a usar um MNI [modelo nacional de interoperabilidade], desenvolvido em parceria pelo TST e o TRT da 18ª Região, em Goiás. Com isso, vamos unificar os sistemas, inclusive com o Ministério Público do Trabalho, com a Advocacia-Geral da União. Estamos trabalhando em paralelo ao CNJ pela unificação dos sistemas na Justiça do Trabalho. Por estarmos na vanguarda, não podemos parar o nosso desenvolvimento. Mas também estamos trabalhando em conjunto com a Justiça Estadual e a Justiça Federal.

ConJur — Como os gabinetes, as varas e as secretarias tiveram que mudar para se adaptar ao processo eletrônico?
Ana Paula Lockmann —
Aqui no TRT-15, passamos a fazer as intimações dentro do próprio gabinete. Antes eram feitas pela secretaria da turma. Muito do trabalho que era feito pelas secretarias passou a ser feito dentro dos gabinetes dos desembargadores. Depois da decisão, o próprio gabinete libera o processo para a manifestação do Ministério Público do Trabalho. As cartas precatórias agora são eletrônicas. Houve uma mudança da logística do trabalho.

ConJur — Vemos que os magistrados agora trabalham com duas telas de computador, uma horizontal e outra na vertical…
Ana Paula Lockmann —
É um exercício mental, antes de mais nada. É uma nova forma de trabalhar consigo mesmo e é difícil de ser trabalhado, porque é aquela mudança da máquina de escrever para computador é a mudança do físico para o virtual. Não é fácil. Pelo menos digo isso por minha experiência pessoal. Para mim, que examinava uma prova marcando-a muitas vezes com uma caneta, passar a examinar os autos numa tela de computador não é fácil. É um novo exercício mental que deve ser feito, não é fácil. Por mais que existam marcadores no computador, no próprio sistema, é muito difícil você se habituar com essa nova forma de enxergar o processo, virtualmente, principalmente quando é muito grande. Antigamente, o processo tinha um, dois volumes. Hoje não se vê um processo com menos de dois, três volumes. Todo mundo copia e cola textos de doutrina, textos de jurisprudência e não se copia uma, copia-se dez, o que acho um absurdo. O juiz não quer quantidade. O juiz não vai decidir por quilo. O juiz vai decidir com uma peça bem fundamentada, com uma boa doutrina, com uma jurisprudência específica. E não porque ela tem mais jurisprudência, ela tem dez, 20, 30 jurisprudências citadas. Se tiver uma, duas jurisprudências, específicas e boas, é o suficiente. Examinar processos com dois, cinco, dez volume é muito difícil. E muitas vezes estão mal digitalizados.

ConJur — Muitos advogados dizem que a queda do sistema é recorrente. Se, por causa disso, o advogado perder o prazo para algum ato processual, ele tem algum artifício para provar que o sistema estava fora do ar? O cliente dele acaba sendo prejudicado.
Ana Paula Lockmann —
Nós tivemos um problema no ano passado no Rio de Janeiro de instabilidade no sistema. Nesse primeiro ano de gestão da atual administração, trabalhamos na estabilidade do sistema, passamos muitos meses trabalhando efetivamente na questão da performance. Hoje eu posso dizer que a estabilidade do sistema PJe é tranquila.

ConJur — Em todo o Brasil?
Ana Paula Lockmann —
Em todo o Brasil. É claro que pode haver questões pontuais. Por exemplo, o sistema estar fora do ar para manutenções corretivas acontece praticamente em todos os finais de semana. Todas as vezes que o sistema sai do ar, isso é muito importante que seja informado, o tribunal deve expedir uma certidão dizendo que o sistema está indisponível e prorrogando os prazos para o primeiro dia útil até a resolução do problema. Essa certidão deve ficar acessível no site do tribunal. Essa foi a forma encontrada para que ninguém seja prejudicado, nem o jurisdicionado, nem o advogado.

ConJur — Como os juízes, desembargadores têm de lidar com as dificuldades dos advogados em usar o processo eletrônico? É preciso ser flexível?
Ana Paula Lockmann —
Essa é uma questão jurisdicional, antes de mais nada. Eu interpreto que o advogado, por exemplo, pode erroneamente colocar sigilo no processo e impedir a outra parte de ver um recurso. Mas esse erro não necessariamente será motivo para revelia. O juiz pode simplesmente retirar o sigilo e dar prosseguimento ao caso.

ConJur — Muitos problemas têm surgido em relação ao sigilo do processo?
Ana Paula Lockmann —
O processo eletrônico é muito novo para todo mundo, para os juízes, para os advogados, para todos nós. São apenas três anos e meio de uma nova forma de encarar o processo. Desde que o mundo é mundo tudo funciona no papel, a gente escreve, peticiona, pedimos, reclamamos. E, de uma hora para outra, 80% da Justiça está funcionando virtualmente. A questão do sigilo parece que ainda não está totalmente clara.

ConJur — Por quê?
Ana Paula Lockmann —
Vamos pensar no processo físico. Na audiência, a empresa leva a defesa por escrito. O juiz propõe a conciliação. O artigo 847 da CLT diz que, se não houver conciliação, a empresa tem 20 minutos para apresentar a defesa. Isso porque antigamente o advogado fazia a defesa oralmente. Hoje em dia, a praxe é apresentar a defesa por escrito ao juiz. E no processo eletrônico? Como ele tem que encaminhar? Para isso criamos o sigilo de peças e documentos. O advogado da empresa manda a defesa, mas põe o sigilo. Se não houver conciliação, o juiz tira o sigilo e a defesa é apresentada dentro do prazo. Simples assim.

ConJur — Na prática, tem sido simples?
Ana Paula Lockmann —
Os magistrados têm interpretações diferentes em relação ao sigilo. A ideia de criar o sigilo foi justamente para não ferir o artigo 847 da CLT. E alguns juízes não têm entendido dessa forma. Mas é uma questão jurisdicional. Eu, como magistrada, entendo que o advogado pode também fazer interpretações errôneas do sigilo. A todos nós cabe ter bom senso no momento de decidir, para não adotarmos uma atitude de maior impacto. E, em vez de adotarmos a prática de revelia, entender que houve um equívoco e simplesmente retirar o sigilo.

ConJur — Com o PJe, os processos têm chegado com maior rapidez para os juízes?
Ana Paula Lockmann —
O PJe traz uma celeridade maior, não se tenha dúvidas. O processo caminha mais rápido, porque não precisa ser retirado de um lugar para ir para outro. Um simples clique faz com que se desloque de um determinado local para outro. Há supressão de trabalhos que nos processos físicos precisavam ser feitos. Mas há uma questão que precisa ser dita: o juiz continua sendo um só. O juiz continua precisando, a meu ver, dar uma sentença com responsabilidade, uma sentença fundamentada, uma sentença coerente, com base nas provas que foram apresentadas. E o dia do juiz continua tendo 24 horas. É muito importante que não se espere que ele possa atuar de uma forma tão mais célere do que acima das forças dele. Então, o processo, sem dúvida nenhuma, é mais célere. A caixinha do juiz no PJe vai estar cada vez mais cheia, vai chegar mais rápido para ele.

ConJur — Ele tem que se reorganizar…
Ana Paula Lockmann —
O magistrado que não for organizado, vai ter uma dificuldade evidente a partir de agora, ele vai ter um sofrimento interno maior. O magistrado vai sofrer, consigo mesmo, vai ter um conflito interno, a caixinha dele não vai parar de ter um número de processos para despachar. E ele é uma pessoa só. É isso que a sociedade precisa ter em mente: ele continua sendo o mesmo magistrado, o mesmo ser humano, com a mesma capacidade e precisando dar uma sentença fundamentada, valorosa, com qualidade. Não se espera uma decisão rápida, mas uma decisão com qualidade, com fundamento.

ConJur — O processo eletrônico é acessível para advogados cegos?
Ana Paula Lockmann —
O sistema do PJe na Justiça do Trabalho é acessível hoje aos cegos por meio do teclado. Ele tem como acessar, tem como atuar, pode acessar, pode despachar no PJe. Pode tranquilamente trabalhar. Um dos nossos servidores do TST, de TI [tecnologia da informação], é cego e foi ele quem desenvolveu a funcionalidade, o sistema para que o deficiente visual possa se habilitar e navegar.

ConJur — O novo Código de Processo Civil traz alterações em relação ao processo eletrônico?
Ana Paula Lockmann —
A maior parte das previsões feitas pelo novo CPC em relação ao PJe já estavam previstas na Lei 11.419, de 2006, que trata justamente sobre a informatização do processo judicial.

ConJur — Mas traz algo de novo?
Ana Paula Lockmann —
A indisponibilidade do sistema. A prorrogação do prazo para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema. Então, se o advogado tem problema, está no CPC, o prazo é estendido. Outros destaques são videoconferência e a videoaudiência. Mas o que o CPC não regulamentar, cabe ao CNJ e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho regulamentar.

ConJur — Como foi a capacitação dos juízes e servidores para o uso do PJe? Quais foram as dificuldades iniciais?
Ana Paula Lockmann —
Todos encaramos o PJe como um grande desafio. Para usarmos qualquer novo sistema, precisamos de capacitação. A boa capacitação é a chave do sucesso ou, pelo menos, é uma das chaves do sucesso. Seja a capacitação do usuário interno do sistema, seja do usuário externo, dos advogados, dos procuradores, dos servidores, dos magistrados. Se não houver uma boa capacitação, podemos ter o melhor sistema, a melhor ferramenta, mas não vamos aproveitar o máximo que ela pode oferecer.

ConJur — A capacitação é definida por cada tribunal ou é uma deliberação do Comitê Nacional?
Ana Paula Lockmann —
As capacitações têm que ser feitas regionalmente. Cada região tem as suas peculiaridades. Por mais que o sistema seja único, não podemos nos imiscuir totalmente nas regiões. Existem diretrizes básicas que devem ser seguidas, em termos de infraestrutura do sistema, mas não interferirmos na forma de dar capacitação. Não teríamos nem condições, porque a nossa equipe é pequena e a Justiça do Trabalho é muito grande.

ConJur — Como foi a capacitação no TRT de Campinas, onde a senhora é desembargadora?
Ana Paula Lockmann —
A capacitação foi realizada nas salas do Pleno e nas salas das sessões. Os desembargadores foram convidados para cursos ministrados por servidores, que demonstraram como funciona o sistema do segundo grau. Não precisamos conhecer o funcionamento de todo o sistema, como o do primeiro grau, por exemplo.

ConJur — Os servidores aprenderam com quem a usar o PJe?
Ana Paula Lockmann —
Foram para o TST, se formaram lá e voltaram para cá. É um intercâmbio de informações. Alguns servidores vão ao TST, recebem informações, e depois formam os outros servidores.

ConJur — Há a preocupação de se atualizar constantemente o sistema para aprimorá-lo?
Ana Paula Lockmann —
Estabelecemos um regramento, com as datas em que haverá uma nova versão, para que não haja surpresas para os tribunais. Até esse ato, não se sabia quando seria apresentada uma nova versão. Então, no ano passado estabelecemos as datas em que serão liberadas as atualizações, que agora acontecem mensalmente. Às vezes, a nova versão apenas corrige erros. Em outras, traz novas funcionalidades, melhorias, aprimoramentos. É a mesma lógica dos celulares e computadores. Em julho, fizemos um workshop para tratar da nova versão, que traz funcionalidades que merecem, mais do que um manual, uma explicação ao vivo e a cores.

ConJur — Pode dar um exemplo de nova funcionalidade?
Ana Paula Lockmann —
A pauta de audiências do juiz de primeiro grau. É toda nova. Só o manual terá 50 páginas. Será muito mais interativa. Mas se o juiz e o servidor não souberem usá-la, podem acabar se perdendo nos processos, vão ter prejuízos. É a mesma coisa que comprar um telefone de ponta e não saber usá-lo. Não tem sentido.

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