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Reforma política deve passar por mudanças no direito processual eleitoral

Autor

  • Ruy Samuel Espíndola

    é advogado publicista professor de Direito Eleitoral e de Direito Constitucional e membro da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e da Academia Catarinense de Letras Jurídicas (Acalej).

1 de agosto de 2015, 8h30

Para melhor efetividade dos direitos fundamentais de candidatura e voto, sugerimos pontos de reformas que deverão ocorrer no Direito Eleitoral, pois a principal reforma política a ser feita é a reforma do direito material e do direito processual eleitorais. Principalmente das formas jurídicas que positivam a intervenção da justiça eleitoral sobre a validade de registros, diplomas, mandatos e decisões do eleitorado.

1º. Precisamos de um novo Código Eleitoral que unifique a matéria eleitoral e de um Código de Processo Eleitoral no qual haja unificação de ritos, diminuição de prazos para o aforamento de ações em prol da preclusividade e da segurança jurídica do processo eleitoral e do respeito às decisões de soberania popular.

As condutas vedadas devem ter tempo reduzido para exercício do direito de ação ao dia da eleição ou até dez dias depois da ocorrência do fato[1]; assim como AIJE sobre abuso de poder econômico, político e abuso dos meios de comunicação e 41-A, até 15 dias após a data das eleições[2]. Ilícitos cometidos antes do processo de registro deverão ser deduzidos em AIRC.

2º. Instituir regra processual que determine o acatamento de causas supervenientes que suspendam a inelegibilidade propriamente dita, e as que regularizem a quitação eleitoral, nos processos de registros e nos que cassam registros e diplomas, até que se ultime a jurisdição eleitoral junto ao TSE, sendo de se assegurar a juntada de documentos até mesmo em sede de embargos de declaração ou em recurso especial[3]. Isso, sugerimos, para que seja aceito somente em manifestação da defesa do réu candidato, de seu partido ou coligação.

Recentemente evoluiu a jurisprudência do TSE para dizer que até data da diplomação seria possível adução de tal causa superveniente[4]. Pensamos que deveria ser até se esgotar a jurisdição do TSE ou do processo eleitoral em si considerado, que pode compreender a apreciação do tema em recurso extraordinário eleitoral junto ao STF.

A lei deve fixar essa faculdade e assim tratará com mais segurança a matéria de causas supervenientes a suspenderem inelegibilidades e outras situações impedientes equivalentes. Aliás, o TSE entendia que somente a inelegibilidade poderia se beneficiar das causas supervenientes à suspensão ou cancelamento de seus efeitos. Isso mudou recentemente, para se admitir que as condições de elegibilidade, preenchidas supervenientes ao registro, possam ser levantadas para o seu deferimento, desde que se apresentem até a última fase recursal ordinária, não compreendida a de estrito direito.[5]

3º. Mandato de seis anos para os juízes de tribunal, sem recondução, em qualquer hipótese. Isso dará maior estabilidade na jurisprudência eleitoral e eficaz aproveitamento da experiência do juiz que se tornou maduro na e para atividade juseleitoral. E que seja garantida a possibilidade de dedicação exclusiva do juiz durante o mandato, ao menos ao juiz tribunalício.

4º. O recurso especial eleitoral deve ter súmulas e hermenêuticas processuais próprias, devido às peculiaridades evidentes do processo eleitoral, que não comporta largamente ação rescisória (somente nos casos de decisão de inelegibilidade proferida pelo TSE). Resp que deve ter conformada, legislativamente, uma funcionalidade técnico-processual mais própria aos bens tuteláveis nos feitos eleitorais; que precisa ter princípios orientadores diferenciados, devido ao tempo de existência do objeto a que cuidam: mandatos populares e eleições, que tem prazo certo para se exaurirem.

Devem-se conhecer questões de ofício nos recursos de estrito direito, ainda que não tenha havido prequestionamento no tribunal “a quo”; e nas matérias que tratam de registro, diploma ou mandato, assim como inelegibilidade, é preciso admitir maior incursão na matéria fática da causa, sem óbices da súmula 7–STJ, em prol do direito de voto e da candidatura eleita ou em disputa; isso pela ideia de favor rei, o in dúbio pro réu na seara eleitoral, que amalgama no caso, o povo eleitor e seu candidato eleito ou em campanha, pois ao se nulificar um registro de candidatura, anulam-se todos os votos válidos dados ao candidato nas urnas.

5º. Embargos declaratórios com efeitos modificativos ou uso do mandado de segurança com fins rescindentes, já que não existe ação rescisória contra decisões de todas as instâncias da justiça eleitoral, a não ser para as decisões do TSE que versem sobre inelegibilidade[6]. Que a lei ou a jurisprudência se encarreguem de positivar essas faculdades processuais, a bem de um devido processo legal eleitoral que preserve mais adequadamente os direitos fundamentais de candidatura e de voto.

6º. Previsão legal expressa do direito do réu de ser ouvido, após a oitiva de todas as testemunhas, bem como o direito de essas serem intimadas judicialmente, notadamente se a parte o requerer de maneira fundada. Como deflui de tratados internacionais, notadamente do Pacto de São José da Costa Rica, artigo 8º, 1, é direito da parte obter o comparecimento compulsório das testemunhas[7]. Contrariamente, no direito processual eleitoral, cabe à parte levar a testemunha, independente de intimação judicial[8], o que fere o seu direito à prova e ao devido processo legal, instituindo verdadeira inconvencionalidade na regra doméstica.

7º.  Previsão legal de que, havendo empate em julgamento em que se discute a cassação de registro, diploma ou mandato, de candidato eleito, prevalecerá a decisão judicial que respeita o resultado do pleito obtido pelo voto popular ou de preservação do direito fundamental de candidatura, se antes da eleição. Exemplo a ser superado: há regra no TER-SC que apenas mantém a decisão recorrida, sem dizer do seu conteúdo[9]. Precisamos de mesma regra existente no processo penal que tutela a liberdade ambulatória[10], para o processo sancionador eleitoral, que deve bem proteger outra fundamental liberdade: a política.

8º. Necessitamos regra que proíba a mudança de precedentes, que vede a alteração da jurisprudência no curso do ano eleitoral, prejudiciais às candidaturas (eleitas ou não), tanto quando se tratar de preceito material ou de norma processual, para fim de se conferir ao princípio da anualidade eficácia paralisante não só em matéria legislativa, mas também na questão jurisprudencial.

Assim, necessário estabelecer regra processual que impeça a mudança de jurisprudência no curso da eleição que seja prejudicial ao direito de candidatura, por quaisquer de nossas cortes regionais eleitorais, TSE e STF. Regra que impeça que, no ano da eleição, se altere entendimento benéfico às candidaturas para in malam parte, com violação da segurança jurídica assegurada pelo artigo 16, da CF.[11]

Deveremos ter a seguinte norma: “Nos processos eleitorais, notadamente os sancionadores, serão observados, entre outros, os critérios de interpretação da norma material ou da norma processual eleitorais da forma que melhor garanta proteção do direito de candidatura e de voto, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação se prejudicial a esses direitos fundamentais.”

9º. Maximação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo em conta a liberdade de candidatura e a soberania das urnas, com a proibição de uma ação eleitoral iniciar com uma imputação, sobre determinado crivo legal, e após o debate processual e a sentença, no recurso, inaugurar-se outra classificação jurídica para os fatos, realizando indevidamente uma emendatio libeli eleitoral. Precisamos, nos pleitos eleitorais, afastamento da ideia de que o réu apenas se defende dos fatos, e não dá classificação jurídica, como leciona Néviton de Oliveira Batista Guedes[12].

Exemplifiquemos: os casos em que as ações judiciais eleitorais discutem “conduta vedada”, com base no inciso VII do artigo 73 da Lei 9.504-97, gastos com publicidade. Como hipótese, vislumbremos ação em que todo o debate se deu desde a inicial à contestação, passando pela sentença, tendo como thema decidendum a média anual com gastos de publicidade.

Dada a sentença de improcedência, recorre o autor, perspectivando “ex novo” o tema como abuso do poder político, do qual a conduta vedada seria espécie, e toma o teor da publicidade, sua qualidade – não mais como quantum de gastos -, para dizer que houve publicidade abusiva, violadora do artigo 74, da Lei 9.504, etc.

10º. Estabelecimento de regra que imponha o uso restrito e excepcional das presunções em matéria de prova no processo cível eleitoral, notadamente se os julgamentos se derem após as eleições e se tratar de candidatura eleita. É preciso restringir o alcance e o uso do artigo 23[13], da LC 64/90, que tem gerado abusos judiciais, notadamente em primeiro grau de jurisdição, para acolher presunções contra as candidaturas, notadamente as eleitas, sanando falhas das acusações advindas do ministério público, candidaturas ou partidos adversários aos réus.

Ao assim agir o juiz eleitoral deixa de ser o terceiro imparcial por sobre as partes em conflito, e passa a integrar, de maneira inconfessa, o lado da persecução eleitoral, que só cabe aos autores das ações eleitorais. A imparcialidade da jurisdição periclita, quando isso acontece, quando a larga se utiliza o artigo 23 para se admitir fatos não alegados pelas partes ou se tirar conclusões baseadas em presunções sem base legal específica.

11º. Precisamos revogar todas as regras de inelegibilidades previstas na vigente LC 64/90 que contrastem com tratados internacionais de direitos humanos: (i) as alíneas que prevejam a restrição do direito de elegibilidade com base em decisões fundadas em processos administrativos disciplinares e de julgamento de contas públicas ou de processos não penais; (ii) positivação de regra legal de vedação para que não haja aplicação da lei ficha limpa a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência (04.06.10); (iii) pedimos a revogação das hipóteses que preveem inelegibilidade nas demissões disciplinares ou exclusões dos órgãos de classe.

Todavia, se mantidas pelo legislador, que se introduza a distinção de que só deve haver inelegibilidade apenas nas causas relacionadas com improbidade administrativa ou crimes previstos na legislação eleitoral que gerem inelegibilidade.

Os itens “i” e “iii” pelo fato de que a Convenção Americana de Direitos Humanos e a jurisprudência da Corte Interamericana preveem a impossibilidade de restrição do direito de elegibilidade com base em decisões fruto de processos administrativos. E processos administrativos disciplinares, de contas, de corporações profissionais são processos não-judiciais e que não podem gerar restrição a direito político fundamental de candidatura ou de voto.

Isso por imperativo de garantia do Pacto de São José da Costa Rica: Artigo 23 – Direitos políticos: (…). 2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.”

E as normas da Lei da Ficha Limpa que são inconvencionais e que necessitam de revogação reparadora do Congresso Nacional são estas: “Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: (…).

Sobre o tema da retroatividade da Lei da Ficha Limpa e seu contraste com os direitos humanos, o artigo 9º[14] da CADH justifica a necessidade de revogação ou alteração jurisprudencial sobre o tema, no âmbito do TSE e STF.

12º. Introdução de regra na LC 64/90 que positive a modulação de pena entre 4 a 8 anos, e que haja a detração de tempo de inelegibilidade, quando o tempo final da pena for incerto, durante o exercício do direito de defesa pelo réu, nos processos de improbidade ou nos penais, tal qual sugerido no voto do ministro Luiz Fux na ADC 30-STF, vencido nesta parte. Não podemos tolerar a inelegibilidade processual, ou seja, aquela que enquanto houver recurso da defesa estende o prazo ao infinito da restrição de elegibilidade (Adriano Soares).

13º. Limitação legal do número de fatos componentes da causa de pedir e do número de réus em ações eleitorais. Positivação de regras mais rigorosas para que se possa delimitar o cúmulo objetivo ou subjetivo de ações em processos eleitorais. Ou melhor: fatos que não guardem relação de tempo, circunstância, lugar, modo e concorrência de autorias, não deverão ser objeto de mesmo processo. Para tal se faz necessário também previsão de regra que faculte o seccionamento do processo, seu desmembramento, a requerimento fundado das partes.

14º. Asseguramento por lei de até seis testemunhas por fato imputado, para cada parte, seja ela candidato ou não, para que não reste a acusação como a moduladora do direito de defesa do réu, diante dos fatos que alega e dos sujeitos que indicará no polo passivo do processo.

15º. Revogação da alínea “i”, do inciso I, do art. 1º, da LC 64/90 [15], que prescreve inelegibilidade sem qualquer processo judicial antecedente, por sua evidente violação a garantia constitucional do devido processo legal (5º, LIV, CF). Pois comina pena sem juízo e sem processo – e sem a perspectiva de procedimento a se instaurar -, além de impor sanção sem prazo certo para exaurimento de seus efeitos. É patente a sua inconstitucionalidade em face da garantia constitucional e convencional do due process of law.

16º. Alteração da alínea “g” – caso não seja revogada -, que trata do julgamento de contas públicas nos processos oriundos do Tribunal de Contas, para elencar, fixamente, o rol de condutas que se enquadram como aptas a gerar inelegibilidade, sem que a justiça eleitoral, caso a caso, sem devido processo legal antecedente, decida, ad hoc, sobre improbidade dolosa, com base em material de instrução (provas e debate argumentativo) em que nunca se debateu improbidade, dolosa ou culposa.

A alínea “g” delega indevidamente ao Judiciário eleitoral o direito de dizer, ad hoc, da ocorrência não só de improbidade como de inelegibilidade, sem que haja um critério jurídico seguro antecedente (regras jurídicas claras e taxativas, com os tipos hipotetizados das condutas), além de não haver um devido processo legal a lhe respaldar essa aferição no plano do Tribunal de Contas, pois nele não se discute, no feito administrativo, dolo e/ou improbidade.

 


[1] Atualmente esse prazo vai até a data da diplomação, cf. art. 73, § 12º, da Lei 9.504/97.

[2] Atualmente art. 41-A, § 3º, da Lei 9.504/97: “A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.”

[3] Atualmente não se admite: Agr.Reg. Resp nº 45540 – Rio De Janeiro/RJ – Rel. Gilmar Ferreira Mendes, j. 30/10/2014.

[4] R.O. nº 294-62, Aracaju/SE, rel. Min. Gilmar Mendes, em 11.12.2014.

[5] RO º 52552 – Campo Grande/MS Rel. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, j. 03/09/2014.

[6] Cf. art. 22, I, j do C.E.

[7] “Artigo 8º – Garantias judiciais, (…) 2. (…). toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (…). f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; (…)”.

[8] Lei complementar 64/90, artigo 22: “V – findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação”.

[9] Art. 71, § 1º, última parte, Regimento Interno.

[10] Código de Processo Penal: Art. 615.  O tribunal decidirá por maioria de votos.  § 1o  Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu.

[11] RE 637485/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.8.2012. (RE-637485)

[12] Conforme “Quem só pode se defender dos fatos acaba sendo atingido pelo Direito“, publicação de 24.09.14, 20:47 h., acesso em 17.02.15, 14:00 h., http://www.conjur.com.br/2014-set-23/constituicao-poder-quem-defender-fatos-acaba-sendo-atingido-direito.

[13] “Art. 23. O tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.”

[14] “Artigo 9º – Princípio da legalidade e da retroatividade – Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se.”

[15] “i) os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade;”

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