As discussões jurídicas em torno da contribuição ao Seguro Acidente do Trabalho (SAT) / Risco Acidente do Trabalho (RAT) não são novas. Longo foi o percurso até o posicionamento da Receita Federal, externado na IN 1.453/2014, quanto à possibilidade de a determinação das alíquotas da contribuição, que variam entre 1%, 2% ou 3%, ser realizada a partir do grau de risco relativo à atividade econômica desenvolvida em cada estabelecimento da empresa e não conforme a atividade preponderante dela mesma. Até que esse entendimento se consolidasse na administração tributária, muitos contribuintes tiveram de se valer da via judicial para ver aplicada a Súmula 351 do Superior Tribunal de Justiça, cujo sentido era exatamente esse.
Recentemente, porém, outra questão se coloca: como é sabido, a alíquota do SAT/RAT deve ser ajustada pelo índice Fator Acidentário de Prevenção (FAP), cuja finalidade é promover a prevenção de acidentes laborais e fomentar investimentos nessa área.
De acordo com a Lei 10.666/2003, as alíquotas do SAT/RAT podem ser reduzidas em até 50% ou aumentadas em até 100%, a depender do desempenho da empresa na prevenção dos acidentes de trabalho em comparação com as demais da mesma atividade econômica — essa redução ou majoração constitui o FAP.
Contudo, em absoluta contradição com a lógica normativa trazida pela Súmula 351 e incorporada pela Receita, o FAP é apurado considerando-se dados acidentários de todos os estabelecimentos da empresa, e não, portanto, conforme a atividade de cada um deles.
Essa incoerência gera distorções evidentes, seja porque revela-se desconectada da apuração do SAT/RAT, seja porque mascara o real risco de acidente vinculado às atividades da empresa.
Nesse sentido, estabelecimentos que desenvolvem atividades diversas e com menor índices de frequência, gravidade e custo de acidentes, são indevidamente onerados por um índice FAP maior. Essa distorção fica ainda mais patente caso sejam considerados os estabelecimentos cujos empregados se dedicam majoritariamente a atividades administrativas ou de baixo risco. Para fins de se manter a necessária coerência no sistema, evidente que tais estabelecimentos deveriam ter um índice FAP inferior àqueles que abarcam atividades de maior risco, o que geraria um recolhimento menor das contribuições ao SAT/RAT.
Interessante notar que o FAP é um mecanismo que deixa clara a função indutora das normas do SAT/RAT, já que por meio dele as autoridades previdenciárias, a um só tempo, estimulam os contribuintes que fizerem investimentos em prevenção de acidentes por meio da redução do valor a ser pago a título de tal contribuição e, de outro lado, punem com o aumento da alíquota aqueles que não o fizeram. Partindo dessa premissa, portanto, não há qualquer lógica em se utilizar mecanismos distintos para a apuração de um e de outro.
Mencione-se, inclusive, que a súmula do STJ que embasa a diferenciação do SAT/RAT por estabelecimento tem origem na jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos, o qual pacificou o entendimento de que “o grau de risco afeto às atividades desenvolvidas por funcionários de empresa, devem, necessariamente, se compatibilizar com as funções e os locais onde são desenvolvidas as atividades. Não tem procedência equiparar-se a taxa de risco das atividades desenvolvidas em um escritório com as desenvolvidas em uma usina de produção de álcool, tomando-se como taxa única a que tem incidência para o risco desta última. A periculosidade é diferenciada, por isto mesmo, a taxa também o deverá ser.”[1]
Não há razão, pois, para não se utilizar a mesma linha de raciocínio para o FAP, cuja mensuração é determinante para o estabelecimento da alíquota da própria contribuição.
Portanto, cabe um alerta ao Ministério da Previdência Social para que atualize a metodologia de cálculo do FAP, não apenas para que reflita a jurisprudência dos tribunais superiores, mas, sobretudo, para que preserve a coerência normativa entre os dois institutos. Enquanto isso não é feito, às empresas cabe apenas ajuizar medida judicial para ver reconhecido seu direito de calcular o índice FAP de modo mais racional e coerente com sua finalidade.
[1] AC 121.362-SP, 5º Turma, Rel. Min. Pedro Acioli, DJ de 28.5.1987, Tribunal Federal de Recursos.